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Adan Neto
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Mudanças nas cadeiras criativas das grandes marcas, coleções maximalistas e a queda do mercado de luxo são problemáticas que exemplificam o fim de uma das estéticas que moldou a moda nos últimos anos: o Quiet Luxury.

O visual limpo e sóbrio, até mesmo robusto do “Luxo Discreto”, se baseia no uso de itens esteticamente simples, como a ausência de estampas e monogramas, cortes de alfaiataria precisos, mas nos quais é ressaltada sua alta qualidade. 

Enquanto no século XIX ser da elite social era utilizar-se do ouro, de elementos extravagantes e ornamentais, o Quiet Luxury vai para o caminho oposto: ser “chique” é ser discreto, neutro e opaco. 

O estilo se assemelha com outra estética que dominou feeds, vídeos resenhas e campanhas publicitárias no último ano: a Clean Girl. A “Garota Limpa” usa roupas básicas, discretas e silenciosas. Na beleza, a trend se converte no uso de maquiagens simples que evocam o natural da pele, dando ênfase aos produtos de skincare. 

A neutralização da moda foi impulsionada pela grande adesão do público ao estilo mais simplório. As casas de moda, por exemplo, apostaram na tendência, que, logo em seguida, chegou às diferentes regiões do mundo, conquistando o guarda-roupa (daquelas que se dizem fashionistas), e, posteriormente, tornou-se uma vertente comportamental. 

Em 2022, quando a Prada desfilou sua coleção de Primavera/Verão 2023 e apresentou uma regata branca como protagonista de todo o processo criativo, ali se estabeleceu o pensamento de que ser discreto é cool. Bottega Veneta, que sempre teve seu DNA baseado na sofisticação do couro, no uso de modelagens perfeitamente construídas e na assinatura de coleções que transmitem a essência atemporal da marca, foi considerada uma das principais grifes nos últimos anos. Mas será que é o momento de sermos tão discretos assim? O silêncio, talvez, seja algum tipo de resposta. 

A atual cadeia de produção de moda sinaliza que tanto o mercado consumidor quanto a própria sociedade reivindicam mudanças. De antemão, quero defender que não há nada de errado em gostar ou ser um dos adeptos aos estilos mais limpos e sóbrios. A problemática da questão é que a expressividade, a individualidade, a diversidade e o uso da moda como artifício político e representativo caiu no desuso.

 A outra resposta da exaustão do mercado está nas mudanças das direções criativas das marcas. John Galliano deixou a Maison Margiela. Virginie Viard não inovou na Chanel e teve que sair. Pierpaolo Piccioli deu espaço ao Alessandro Michele na Valentino. E, recentemente, Sabato de Sarno deixou a direção criativa da Gucci após as quedas das vendas da marca. 

Sabato surgiu no cenário da Gucci para assumir o cargo de direção criativa após a saída de Michele da grife. Com uma linguagem discreta, insossa e com pouca contribuição ao legado Gucci, não resultou em outra: a queda nas vendas. O Grupo Kering, que é um conglomerado de marcas de luxo que comanda a italiana e outras, como Saint Laurent e Balenciaga, apresentou em seu levantamento de 2024 os impactos dessa “mornidão” : a queda de 12% das vendas, uma vez que a Gucci representa mais de 50% do lucro do grupo.  

Michele, que cuidava das criações da Gucci desde 2015, saiu em 2022 da marca. Em março de 2024, ele assumiu a direção criativa da Valentino tendo sua estreia com uma coleção maximalista e vintage de Verão 2025 durante a Paris Fashion Week. A Maison, que estava sob os cuidados do Pierpaolo durante os últimos 25 anos, surpreendeu o público com uma coleção que destoava da abordagem clássica e refinada da mulher Valentino. A volta de Michele à moda simboliza a tendência do resgate, da observação da história e da expressão.

Retomando a Prada, no último ano a grife apresentou uma dualidade. Enquanto a coleção de Outono/ Inverno 2024 abordava símbolos e modelagens similares às vestimentas militares – como boinas e botas de montaria-, o Verão 2025 apostou no over.

Ralf Simons e Miuccia Prada, durante a coleção de Verão, apresentaram um diálogo com o outro lado da moeda. O tom de estranhamento foi atribuído por meio de combinações de peças clássicas da marca com acessórios, sapatos, styling e beleza inspirados em estéticas de subculturas. No próprio release divulgado pela assessoria de imprensa da empresa relata que a inspiração surgiu por meio da reflexão sobre a necessidade da dualidade e da contraposição. O texto diz “a humanidade pode ser definida por sua imprevisibilidade, uma rejeição do derivado e do esperado. Aqui, um diálogo é aberto, provocado, entre essas duas perspectivas distintas.”

A moda é retrato da sociedade. Um exemplo histórico que utilizo para justificar é o contexto pós-Segunda Guerra Mundial e o início das guerras da Guerra Fria. As tensões políticas e a efervescência de ideários revolucionários que desafiavam a ascensão conservadora na política e sociedade, fez com que movimentos de contracultura surgissem. E isso, claro, respingou na moda. 

Vivienne Westwood foi uma das designers pioneiras na inserção da política na moda. Com ideários revolucionários e que desafiavam o moralismo inglês, ela criou a “Sex”, uma loja de camisetas inspiradas na estética punk. As t-shirts eram apresentadas com frases impactantes, irônicas e com estampas inusitadas. A música da década de 1970 também surgiu como resposta a hipocrisia da época. 

O Quiet Luxury foi um acerto em cheio para aqueles que já buscavam suas referências em perspectivas elitizadas, de que ser “chique” é ser discreto e de que o maxi é too much. O atual cenário político, as instabilidades climáticas a violência aos ataques que as minorias vem sofrendo com os atuais governos e sistemas de extrema-direita reivindica uma expressividade que vai além de uma estética hipócrita. A moda já alerta. É necessário ouvir, é necessário se expressar e reivindicar que todas as diversidades tenham espaço frente à ironia de “limpeza” dos atuais dias sujos.

Quiety Luxury
Prada Primavera/Verão 2025 (Foto: Milan Fashion Week)

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