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Rafaella Stival
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Frequentemente as redes sociais são bombardeadas pela maternidade e seus cancelamentos. Não é fácil ser mulher e em especial mãe, em uma época que todos se consideram juízes, prontos a condenar o que quer que esteja aparecendo em seus feeds.  

Constantemente, comentários em relação à maternidade, a forma que equilibra suas demandas e a vida pessoal da Influenciadora Virginia, viralizam e estouram a bolha de seus mais de 50 milhões de seguidores. Virginia tem 25 anos e trabalha com a internet desde os dezesseis, mas sua ascensão é recente. Nos últimos cinco anos, Virginia construiu e consolidou seu império, com diversas empresas, um programa de TV, milhões de seguidores e mais de um bilhão na conta, foi nesse espaço de tempo que Virginia se tornou mãe de três. 

A jovem é comumente julgada nos tribunais da internet, por ainda, apesar de todo o dinheiro, deixar os filhos aos cuidados das babás e ir trabalhar, perdendo assim momentos da vida dos filhos. Ainda prevalece a ideia arcaica de que as mulheres devem ser cuidadoras primárias e exclusivas, fruto de um legado de séculos de tradições patriarcais. É necessário entender, e respeitar, que algumas mulheres querem ser vistas além de sua maternidade. 

Ao longo da história, o papel da mãe foi definido de diferentes maneiras, ora como um símbolo de dedicação e amor incondicional, ora como uma obrigação social, uma responsabilidade carregada de desafios, expectativas e muitas vezes de renúncias pessoais. É muito comum que as vontades da mulher sejam reprimidas depois da maternidade, criando um dilema: como equilibrar tantas demandas sem se perder no processo? 

Se engana quem pensa que somente o patriarcado deixou suas marcas na maternidade: as garras do capitalismo também a alcançaram. Com o avanço do feminismo e a incansável luta feminina por direitos igualitários, se consolidou uma ideia que há tempos é erroneamente interpretada: a mulher deve se abdicar da maternidade, para ser bem sucedida no trabalho. Quem defende essa teoria insiste, ainda que indiretamente, que uma mulher, mãe e trabalhadora não pode ser feminista.

Esse devaneio teve resultados, segundo o IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, nos anos 70, começou a sequência de quedas na velocidade de crescimento da população brasileira – consequência de menos nascimentos- ou seja, uma mudança na prioridade em ser mãe. E nos dias atuais isso não mudou,  nos anos 2000, foi registrado oficialmente pela medicina a tocofobia, um medo patológico de engravidar. É comum ouvir de jovens que sua vida pode acabar se engravidar ou que nunca terá filhos.

Considerando que o feminismo luta pelo empoderamento feminino e pelo seu poder de escolhas em todos os âmbitos, só nos resta concluir que essa ideia de que família e trabalho não podem existir em conjunto na vida da mulher, tenha vindo de um berço capitalista, cuja produção é prioridade e o lazer é mínimo. Implantar essa ideia acaba anulando o poder de escolha feminino, muitas mulheres carregam essa ideia desde a adolescência quando são obrigadas a definir um rumo e escolher uma carreira para seu futuro, ainda que não percebam suas escolhas são corrompidas por essas ideias falsamente atribuídas ao feminismo. 

De  fato, é preciso desmistificar diversas visões e expectativas acerca da maternidade, dentre elas a ideia de que a maternidade e uma carreira de sucesso não podem coexistir, e,aclarar nas mentes juvenis, desintoxicando do veneno do capitalismo moderno e da falsa luta igualitária. Veja bem, é claro que uma mulher pode renegar a maternidade, desde que isso seja seu desejo, não tendo como base uma convicção distorcida com uma falsa promessa. Aqui, coloco minha própria experiência, que por quase uma década defendi a ideia de não ter filhos e, quando fui pega de surpresa, não poderia ter me encontrado em um futuro melhor. 

Maternidade não é sinônimo de sacrifício sem fim; ao contrário, pode ser uma experiência empoderadora, que permite que a mulher se reconecte consigo mesma, explore novas dimensões de cuidado e amor, e entenda seu corpo e suas necessidades de maneira mais profunda. No entanto, essa percepção de autonomia só se concretiza quando as mulheres têm liberdade para decidir como, quando e com quem desejam ser mães, sem imposições externas. Educar a sociedade para uma aceitação e uma redistribuição de carga doméstica e de cuidado com os filhos com outros atores, também se faz necessária, é preciso entender que a maternidade é um trabalho coletivo. 

A ideia de que a maternidade é uma experiência única e universal, vivida de forma idêntica por todas as mulheres, ignora as realidades de muitas, especialmente aquelas que enfrentam barreiras sociais e econômicas. Muitas mulheres se veem forçadas a retornar ao trabalho muito antes de se sentirem preparadas fisicamente e emocionalmente, na maioria dos casos, devido à curta licença-maternidade; há também, aquelas que decidem não retornar e se dedicarem integralmente ao seu papel de mãe. Enquanto outras anseiam retornar ao seu trabalho, seja por metas pessoais ou pela ideia de proporcionar o melhor a seus filhos. 

Essa realidade que exige que as mães se adaptem perfeitamente a essa nova fase, pode gerar uma pressão imensa. O impacto disso pode ser visto na saúde mental das mulheres, com altos índices de estresse e ansiedade, 1 em cada 4 mulheres sofre de depressão pós-parto, e 50% das mulheres apresentam algum sintoma de ansiedade, estresse ou depressão ao longo de sua maternidade, além de uma sensação de culpa por não atenderem a todas as expectativas.

A maternidade é considerada uma das 3 principais situações de risco para uma possível crise na vida de uma mulher, junto com a adolescência e o climatério. É um período em que ocorrem várias mudanças físicas, hormonais, sociais e emocionais que contribuem para o surgimento de sintomas significativos de estresse, depressão e ansiedade. 

“É preciso dividir as tarefas e responsabilidades. A mãe também precisa estar com autoestima boa e saber dizer não”, aconselha. “A mãe não precisa ser perfeita e a maternidade não é ser mártir nem é renegação das coisas .” Afirma Giliane Belarmino, nutricionista e pesquisadora da faculdade de Medicina da USP,  idealizadora da plataforma De Mãe em Mãe, que conduziu um levantamento sobre a saúde mental materna no Brasil. 

A maternidade é, sim, um dos maiores desafios que uma mulher pode enfrentar, mas também é uma oportunidade de transformação pessoal. Não existe um jeito certo ou uma fórmula mágica para a maternidade. Cada mulher tem uma jornada única e, entender a maternidade como um processo dinâmico e não como uma etapa única de uma vida, tornará possível encontrar seu próprio equilíbrio, para dar leveza ao peso da responsabilidade maternal. Afinal, a maternidade é tão diversa quanto as mulheres que a vivem.

Contudo, não é necessário deixar de ser você para ser mãe. A maternidade não pode ser vista de forma unívoca. Ela deve ser abordada com mais empatia, compreensão e um olhar mais crítico para as condições sociais e políticas que envolvem essa experiência. Precisamos permitir que as mulheres definam suas próprias trajetórias, de maternidade ou não, e oferecer a elas as ferramentas necessárias para equilibrar todos os aspectos da vida — o trabalho, os sonhos pessoais, o cuidado com os filhos e consigo mesmas. A maternidade é, sem dúvida, um dos maiores desafios, mas também uma das maiores fontes de alegria e crescimento, quando é vivida de acordo com a autonomia e as escolhas de cada mulher.

One thought on “A maternidade não é uma sentença”

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