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A polarização política mundial atravessa fronteiras e atinge até mesmo instituições milenares, como a Igreja Católica. O Papa Francisco, líder espiritual de mais de um bilhão de fiéis, é alvo constante de ataques de setores ultraconservadores que não aceitam sua postura de diálogo e inclusão. Agora, diante de um quadro grave de saúde, essa hostilidade chega a extremos chocantes.
Nesta terça-feira, o Vaticano confirmou que Francisco, de 88 anos, foi diagnosticado com pneumonia bilateral. Internado desde sexta-feira para tratar uma bronquite, sua condição evoluiu para uma infecção polimicrobiana das vias respiratórias. Segundo informações da Santa Sé, a pneumonia bilateral compromete os dois pulmões e é considerada mais grave que a comum, podendo afetar a consciência e a função de outros órgãos.
A comunidade cristã não foi pega de surpresa. Nos últimos meses, sinais de fraqueza na voz e na mobilidade do pontífice ficaram evidentes. Durante a missa do último dia 9, na Praça São Pedro, ele não conseguiu concluir seu discurso e pediu que um assessor desse continuidade. Na ocasião, anunciou publicamente que tratava uma bronquite.
Diante desse quadro de fragilidade, era esperado que os católicos se unissem em solidariedade ao Santo Padre. No entanto, a reação de alguns setores da Igreja revela um cenário bem diferente, onde a fidelidade ao Papa parece ser condicionada à sua afinidade ideológica.
A Igreja Católica preza pela fidelidade ao Papa, independentemente de sua identidade e postura. Como bem afirmou dom Demetrio Fernández, bispo de Córdoba, na Espanha:
“A fidelidade ao Papa é um dos traços mais tipicamente católicos. Seja quem for o Papa que Deus nos dá em cada momento, isso significa uma atitude de acolhida disponível de seus ensinamentos, como um filho escuta seu pai, como um discípulo escuta seu mestre. A comunhão com o Papa se vive em jubilosa obediência a quem Deus colocou à frente de sua Igreja”.
No entanto, essa tradição parece ter perdido valor para aqueles que escolhem viver uma “religião à la carte” — um catolicismo seletivo, que abraça apenas as doutrinas que lhes convêm e rejeita tudo o que contraria suas crenças ideológicas.
Os ataques ao Papa nas redes sociais são estarrecedores. Entre os comentários em publicações que noticiam o adoecimento do pontífice, é comum encontrar afirmações como: “Esse Papa esquerdista vai queimar no inferno”, “O Papa comunista já está passando da hora” e “Deus não dá saúde para os comunistas”. A grande ironia dessas barbaridades é que, em uma rápida análise dos perfis desses usuários, percebe-se um padrão: a maioria se define como defensora da família, da moral e se autointitula Católica Apostólica Romana. A hipocrisia é evidente.
Não é de hoje que Francisco enfrenta deslealdade de setores conservadores. O Primeiro Papa americano e 266º da história, assumiu o pontificado em 13 de março de 2013, após a renúncia de Bento XVI. Desde então, mostrou-se um líder comprometido com os pobres, defensor do meio ambiente e crítico do capitalismo desenfreado. Suas declarações frequentemente incomodam aqueles que preferem uma Igreja estática e avessa a mudanças. Em um de seus discursos mais polêmicos, afirmou: “Precisamos sair de uma economia liberal para uma economia comunitária”.
Apesar das críticas, Francisco nunca se declarou comunista. Pelo contrário, é igualmente crítico do comunismo, do marxismo e da Teologia da Libertação. Manteve a doutrina da Igreja ao condenar veementemente o aborto, a ordenação de mulheres e a prática sexual sem finalidades reprodutivas. No entanto, suas ações em prol dos marginalizados são vistas como afrontas pelos setores mais conservadores.
No fim de 2023, o Papa permitiu a bênção em casamentos homoafetivos nos templos católicos. Ao sofrer duras críticas da linha conservadora da Igreja, afirmou: “Ninguém fica escandalizado se eu der minhas bênçãos a um empresário que talvez explore pessoas, e isso é um pecado muito grave. Mas ficam escandalizados se eu as der a um homossexual”. É evidente que, para os extremos do conservadorismo e da direita, abençoar casais homoafetivos e até mesmo abraçar uma mulher trans em público é um escândalo imperdoável.
No Brasil, o padre Júlio Lancellotti, defensor dos moradores de rua e amigo pessoal de Francisco, reforçou a importância da lealdade ao Papa: “O católico não maldiz o Papa, mas sim reza por ele”. Alvo frequente da extrema direita, Lancellotti chegou a ter um pedido de prisão protocolado por um vereador do PL, sob a alegação absurda de que alimentar os pobres aumentaria a população em situação de rua.
O cenário político global e a ascensão da extrema direita extrapolam os limites da política e alcançam o campo da fé. O Papa, eleito sob as tradições e crenças do catolicismo, deveria ser respeitado como a maior autoridade da Igreja e sucessor do apóstolo Pedro. Desejar sua morte é um ultraje a qualquer princípio cristão. Aos verdadeiros católicos, resta orar por sua saúde e combater o discurso de ódio que contamina até mesmo a casa de Deus.