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Em 2024, o mundo cinematográfico dos super-heróis foi sacudido por uma obra ambiciosa: Coringa, Delírio a Dois. A continuação do aclamado primeiro filme do personagem interpretado por Joaquin Phoenix, no entanto, não teve do público a mesma aceitação que seu antecessor. Nem de perto, inclusive.
Com média de 2,4/5 na plataforma Letterboxd e 31% no site Rotten Tomatoes, o longa de Todd Phillips foi rotulado pelo público como uma grande decepção. Colecionando notas baixas e reviews negativas, o filme não foi indicado para nenhuma categoria do Oscar, mesmo com U$ 190 milhões de investimento.
É interessante, porém, fazer um exercício de reflexão do porquê dessa decepção do público, afinal não há grande frustração sem a criação de uma proporcional expectativa. Nesse caso, o fã entra na sessão de cinema com o grande desejo de ver por mais 120 minutos o psicopata Coringa, que se mostrou por tão pouco tempo no final do último filme, mas é surpreendido por algo diferente.
Na obra de 2019, somos apresentados ao Arthur Fleck, um sujeito franzino e doente, que tem que lidar com a frustração do seu sonho de ser um comediante famoso. Ao final da trama, Fleck se rebela contra a sociedade, tornando-se um assassino em série e símbolo de resistência e caos. A coroação dessa persona é o assassinato de um famoso apresentador de TV, acontecimento que introduz ao público o Coringa.
O grande problema dessa obra foi sua repercussão. Em um país como o Estados Unidos, por exemplo, onde foram registrados mais de 400 atentados a tiros em massa apenas em 2024, é claro que é problemática a admiração a um personagem como o Coringa. A história do palhaço é uma grande brecha de motivação para diversos extremistas, que precisam apenas de uma breve legitimação para “se vingar” da maldosa sociedade a qual nunca os acolheu. Exemplo disso é o homem que se vestiu de Coringa para se explodir na Praça dos Três Poderes, no final do ano passado.
Com isso em vista, o filme de 2024 busca assumir a culpa pelo seu antecessor. Aqui, somos colocados novamente na perspectiva do fracassado Fleck, que agora está preso. O fio condutor da narrativa é, em primeiro momento, o romance do protagonista com a Arlequina, interpretada por Lady Gaga. A mulher é apresentada como uma grande fã do Coringa e quer fazer de tudo para despertar novamente o alter-ego de Arthur.
Em contrapartida, Arthur Fleck, que tem um histórico complicado com figuras femininas, “se joga de cabeça” na paixão. Naturalmente, nós como espectadores ficamos o tempo todo torcendo para o momento em que o casal vai se libertar da cela e consolidar seu amor em uma grande carnificina na cidade de Gotham City. A grande questão é: esse momento nunca chega.
São quase 140 minutos sem nenhum estilhaço sequer de miolo voando pela tela. Isso, para uma geração acostumada com Reels, TikToks e Shorts de 15 segundos é uma grande tortura. Todd Phillips nos dá, através da trama, um banho de realidade que faz o espectador médio questionar por que não gastou o dinheiro do ingresso com um filme de ação brucutu qualquer.
E sempre nos momentos em que estamos mais ansiosos para o aparecimento do palhaço, é aí que a trama causa frustração. A argumentação central do filme é que não existe nenhum Coringa, apenas o impotente Arthur Fleck. O que vemos são somente os devaneios de um homem frustrado, catalisados pela coadjuvante irritante que representa aquele lado mais irracional de nós mesmos. O “delírio a dois” do título não é só o romance ineficiente de Phoenix e Gaga, mas também a antítese clássica freudiana presente em cada um dos seres portadores de consciência.
Obviamente, não há nada de errado em torcer pelo mal nos cinemas. Sempre que vemos o Coringa dar um tiro nos “bandidos” é como se ele atirasse naquele desafeto do serviço, ou naquela pessoa que fez um comentário desnecessário no encontro da família. Querer sentar em uma sessão de cinema para esquecer da rotina e aproveitar um assassinato ou outro não é apenas comum, como é humano.
O que pode ser analisado é como a trama é genuinamente subversiva ao adicionar à discussão o lado da realidade, por mais tediosa que ela seja. Essa abordagem simples mas transgressiva é justamente o que causa a rejeição do público e tira do filme qualquer indicação que não ao Framboesa de Ouro.
Apesar das análises negativas, Coringa: Delírio a Dois é brilhante e uma excelente oportunidade para refletir sobre a romantização de doenças mentais e transgressões sociais. É indicado para qualquer pessoa que aguente mais de 15 minutos sem uma descarga massiva de dopamina e procura aproveitar uma boa história. Conclui-se, portanto, que o filme de Todd Phillips é um jeito muitíssimo caro de provar um ponto. Mas afinal: o que é o cinema sem um bom argumento?