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Conclave é uma adaptação do livro de Robert Harris e nos joga diretamente dentro de um dos rituais mais secretos da Igreja Católica: a eleição de um novo Papa. A trama é claustrofóbica do começo ao fim, ambientada dentro das paredes históricas do Vaticano e retratando os bastidores do poder religioso. Sem rodeios, o filme já começa acelerado, ignorando o velório do Papa falecido e focando no que realmente importa: a disputa pelo cargo mais alto da Igreja.
O livro que dá origem ao filme foi lançado em 2016, abordando conflitos ainda recentes na Igreja e no mundo. Como exemplo, a polarização política que não é ignorada na trama. Conclave tem sido amplamente aclamado, acumulando inúmeras premiações e conquistando oito indicações ao Oscar.
O filme não é uma exaltação nem um ataque direto à Igreja, mas também não se isenta de críticas. Ele consegue, ao mesmo tempo, evidenciar a grandiosidade da tradição católica e expor muitas de suas feridas. Tanto que, após o lançamento, alguns padres consideraram Conclave um desrespeito, uma afronta à instituição. Mas o que ninguém pode negar é a beleza da fotografia: o vermelho intenso das vestes dos cardeais contrasta com um clima frio e nublado, transmitindo uma sensação de vazio e incerteza, como se a própria Igreja estivesse à deriva sem um Papa definido.
Alerta de spoilers
O Papa morre, e a responsabilidade de conduzir o Conclave fica com o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), que logo percebe que a eleição será tudo, menos tranquila. A Igreja está dividida entre os que querem manter as tradições e os que pedem por uma modernização, e a chegada surpresa de Benitez (Carlos Diehz), um cardeal mexicano nomeado em segredo pelo Papa falecido, só adiciona mais mistério à disputa.
Os candidatos ao papado se organizam em verdadeiras facções. De um lado, temos Bellini (Stanley Tucci), próximo do antigo Papa e aparentemente um nome seguro; Adeyemi (Lucian Msamati), um cardeal africano que, se eleito, seria o primeiro Papa negro; Tedesco (Sergio Castellitto), um defensor ferrenho da ala mais conservadora da Igreja; e Tremblay (John Lithgow), um cardeal enigmático que foi o último a se encontrar com o Papa antes da sua morte e guarda segredos que podem mudar o rumo da votação.
Mas a eleição não demora a se transformar em um verdadeiro jogo de intrigas, onde cada candidato precisa lidar com seus próprios fantasmas. Adeyemi, por exemplo, que se coloca publicamente contra LGBTQIAPN+, vê sua candidatura ruir quando é revelado que teve um filho com uma freira no passado. E assim, um a um, os escândalos começam a vir à tona, mostrando que o Vaticano, apesar de sua fachada sagrada, está longe de ser um lugar puro e imaculado.
A votação se torna um campo de batalha, com alianças sendo formadas e traições surgindo a todo momento. O que mais impressiona é como o filme humaniza os cardeais: vemos padres fumando, bebendo, mexendo no celular, fofocando e tramando contra seus próprios irmãos de fé. No meio disso tudo, Lawrence tenta manter o controle da situação, mas ele próprio é assombrado por dúvidas espirituais e políticas.
O elenco é um espetáculo à parte. Ralph Fiennes, conhecido por interpretar Voldemort em Harry Potter, além de papéis marcantes em A Lista de Schindler, O Paciente Inglês, O Menu e na franquia James Bond, entrega mais uma atuação impecável, trazendo profundidade e intensidade ao seu personagem.
Stanley Tucci, que brilhou em O Diabo Veste Prada, Jogos Vorazes e O Olhar do Paraíso, também se destaca, assim como John Lithgow, conhecido por seus papéis em The Crown, Dexter e Interestelar. Sergio Castellitto, renomado no cinema europeu, dá ainda mais peso ao elenco. Já Carlos Diehz, que é arquiteto e menos conhecido no meio cinematográfico, surpreende ao interpretar um Benitez silencioso e intrigante, mantendo o público atento a cada uma de suas expressões.

Quando achamos que já vimos de tudo, a trama dá um giro inesperado. Um ataque à Capela Sistina coloca todos os cardeais em alerta, forçando-os a repensar suas decisões. É nesse momento que Benitez, até então discreto, assume o protagonismo e confronta os conservadores, expondo a hipocrisia de muitos dentro da Igreja. Ele questiona como aqueles que tanto defendem uma Igreja rígida e fechada podem falar de compaixão sem nunca terem saído de Roma para ver o sofrimento do mundo real.
E então, vem o grande plot twist: e se o novo Papa for uma mulher? O final do filme é um verdadeiro soco no estômago, quebrando todas as expectativas e deixando o público refletindo sobre os caminhos da Igreja Católica.
Conclave não é um filme qualquer. É um suspense político inteligente, tenso e extremamente bem dirigido por Edward Berger. Ele consegue prender nossa atenção do início ao fim, não só pela sua história, mas pelos detalhes: como o anel do Papa é destruído, como o quarto do líder religioso é lacrado, e como uma eleição que envolve mais de uma centena de cardeais se desenrola nos mínimos detalhes. É um filme que escancara a fragilidade da Igreja e a luta pelo poder dentro de seus muros sagrados. No fim das contas, aqueles que são vistos como guias espirituais também são humanos, falhos e, muitas vezes, movidos por interesses próprios.
A obra cinematográfica é uma das maiores apostas para o Oscar 2025, surpreendendo aqueles que esperavam uma abordagem semelhante à de Dois Papas (2019), longa que concorreu ao Oscar 2020. Enquanto Dois Papas foca na moral da Igreja e no embate filosófico entre Bento XVI e Francisco, apostando em diálogos intensos e revelações sobre os bastidores do Vaticano, Conclave segue por um caminho diferente. Aqui, a tensão vem da incerteza, da disputa pelo poder e do mistério que cerca a eleição do novo Papa. Em Dois Papas, o público já conhecia o desfecho – a renúncia de Bento XVI e a ascensão de Francisco. Já em Conclave, cada cena aumenta a curiosidade sobre o resultado da votação, tornando o suspense ainda mais envolvente.
Conclave é um daqueles filmes que fica na cabeça por dias, e com razão. Ele não só entrega um suspense político brilhante, mas também levanta questões profundas sobre fé, poder e os bastidores de uma instituição que, há séculos, define os rumos do catolicismo no mundo.