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A primeira vez que coloquei óculos definitivamente, aos 13 anos, achei que o mundo tinha sido atualizado para uma versão melhor. Como ninguém nunca me contou que as árvores tinham folhas individuais e que as placas de trânsito não eram borrões coloridos? Antes disso, eu apenas aceitava a vida em baixa resolução, como se tudo ao meu redor fosse uma pintura impressionista – bonita, mas imprecisa.
De repente, lá estavam os letreiros visíveis a metros de distância, os rostos das pessoas claros em seus contornos. Era como se eu tivesse ganhado um superpoder.
Na verdade, essa ideia de um mundo nítido não havia sido tirada de mim por acaso. Quando criança, tinha muita dificuldade em sala de aula. Enxergava o quadro só com os olhos cerrados e sentava na frente. Morria de vergonha de que algum professor me pedisse para ler alguma coisa no quadro porque – adivinhe – eu não conseguia ver direito. A gente se constrange por algo que nem sequer foi nossa escolha.
Na primeira vez que me disseram que iria ter de usar óculos, bati o pé. Não quis. Uma criança gordinha com óculos não daria certo. Era mais abertura para o bullying. Até que não deu mais para sustentar e, depois de anos, lá estavam as lentes no meu rosto.
Presentes no dia a dia de mais um alguém entre milhões de alguéns, os óculos se tornam praticamente uma extensão da gente. Só que agora, literalmente se pagar para ver. A necessidade de perceber mais do que antes fala mais alto do que o medo.
Com o tempo, a gente percebe que enxergar melhor tem mais vantagens que desvantagens. Mesmo com os olhos mais abertos agora para captar as imperfeições do asfalto na rua, as menores manchas no rosto evidenciadas pelo reflexo no espelho e as letrinhas miúdas naqueles anúncios espalhafatosos demais, ver mais também abre portas. Fica mais fácil perceber qualquer buraquinho na roupa ou algo fora do lugar em casa – e, quem sabe, era exatamente disso que era preciso para mandar consertar ou colocar ordem na bagunça.
No fundo, os óculos não servem só para ajustar a visão, mas para revelar a verdade. Alguns preferem não usá-los – e não porque têm boa visão, mas porque há realidades que é mais fácil ignorar. Outras pessoas preferem enxergar por outras lentes para ter uma visão diferente da sua perspectiva de interpretar o mundo. E há aqueles que, mesmo com o grau certo, insistem em ver só o que querem.
Enxergar não se limita a uma questão biológica, mas à capacidade de perceber o que está ao redor. Muitas vezes a clareza não depende apenas dos olhos, mas da disposição para ver além do óbvio. A realidade pode ser nítida ou turva, dependendo de quem observa. Também depende de suas crenças, defesas, acusações e experiências. Há verdades que se revelam apenas quando temos coragem e estamos dispostos a ajustar a perspectiva.
Afinal, ver bem não é apenas uma questão de foco, mas de escolha.