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Já não se pode mais aproveitar as coisas de forma casual. Indo resolver algo no centro da cidade, acabei escutando no ônibus a conversa de duas amigas: falavam sobre o novo filme do estúdio de cinema A24, chamado Warfare. Uma delas elogiou a empresa, e a outra questionou: “Ué, mas você nem viu tantos filmes assim deles”.

Ué… E precisa?

A resposta que formulei mentalmente provocou em mim uma reflexão: em algum momento, a sociedade passou a adotar um comportamento de adoração à profundidade e ao compromisso extremo com obras do entretenimento. Se você diz gostar de um filme, precisa se preparar para as dezenas de perguntas que seguirão, a fim de comprovar se você gosta MESMO daquilo: quem é o diretor? Quantas vezes você assistiu? Que roupa o protagonista usava no último frame antes dos créditos?

Hoje, já não basta ser cativado. Surge então a necessidade de ser obcecado. E essa cobrança não se limita aos filmes. O mesmo vale para séries, livros, até mesmo músicas. A superficialidade de um simples “gostei” passou a ser considerada rasa, quase uma afronta aos padrões de conhecimento profundo exigidos pela sociedade atual. Somos constantemente pressionados a ter uma opinião embasada, a provar nosso gosto com fatos, com números, com um histórico de consumo cultural que ateste nossa legitimidade.

E até onde vão as consequências dessa cobrança? Já se percebe um empobrecimento das experiências, com a perda da espontaneidade, da leveza e do prazer de uma apreciação genuína e simples. De repente, você já não está mais assistindo a um filme porque há algo nele que te cativa. Não. Você assiste para se inserir numa conversa mais complexa, para figurar como alguém que “entende” e “conhece”.

Que não se confundam: a ideia defendida aqui não é a aversão à busca pelo conhecimento profundo, mas sim uma defesa pelo direito à superficialidade. O consumo de cultura pode, sim, ser provocador de extensas reflexões e pesquisas, mas resumir-se a isso é uma limitação lamentável.A garota do ônibus pode muito bem gostar do estúdio A24 pelas críticas bem construídas, pelas temáticas atuais e pertinentes, pela direção de arte impecável… Ou simplesmente porque os filmes a divertem. A apreciação de uma obra não pode estar algemada ao conhecimento extenso e profundo sobre ela.

Faço deste texto, portanto, uma exaltação à superficialidade! Ao direito de se dizer fã de um artista sem precisar saber o nome de seus ancestrais; o direito de elogiar um jogo sem precisar ter jogado os outros três que vieram antes dele; e assim por diante.

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