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Vinicius Moura é um jornalista goiano, formado pela Universidade Federal de Goiás, começou a trajetória rumo à realização de seus sonhos de infância de ser jornalista esportivo no projeto Doutores da Bola da UFG. Atualmente trabalha como narrador na ESPN Brasil, um dos principais veículos esportivos do país.

Gostaria que primeiro, você contasse um pouco sobre como foi essa transição da rádio para a TV e como acha que a rádio te ajudou em todo esse processo de adaptação na TV.

Olha, essa transição da rádio para TV é sempre um debate muito grande para quem vivenciou os dois veículos de comunicação, sobretudo em narração esportiva. Porque é bem diferente narrar em rádio e narrar em TV, bastante diferente, não sei se é mais fácil sair do rádio para TV, ou sair da TV e ir para o rádio, eu sei que para mim foi e ainda é um pouco difícil, porque eu fiz rádio de 2008 até o ano passado. Na TV é mais pausado, todo o impacto do que você fala na televisão, pela audiência, pelo alcance que ela tem, é maior, então é preciso tomar um cuidado ainda maior do que no rádio e pelo fato da gente falar menos, cada palavra vale mais quando você a emprega na TV, o vocabulário ele é mais exigido, silêncio na televisão é algo que faz parte e no rádio não faz. Na televisão, a modulação de uma transmissão é mais presente, é mais marcante, uma jogada na intermediária, tem um tom, um ritmo, quando a jogada vai entrando, se aproximando da área, ela cresce, no gol cresce mais, depois do gol volta, tem um ritmo mais calmo, no rádio também existe isso, mas na televisão precisa ser ainda mais marcado. Na televisão você tem que falar em cima do que a imagem está te mostrando, no rádio você cria o cenário como quiser, não é dependente da imagem, na TV não, não dá para ignorar o que está no ar. São questões que com o tempo vai se trabalhando e se agrega um pouco de um veículo para levar para o outro.

Conte um pouco sobre como foi a chegada ne ESPN, um grande canal de televisão.

Eu trabalhei na CBN em São Paulo por 12 anos, na CBN eu sempre reportei e narrei também, mas no início eu era mais repórter do que narrador e depois eu passei a ser narrador e apresentador e depois só narrador. Sempre quis fazer televisão, eu acho que era um veículo que se encaixava com o que eu gostava, sempre tentei oportunidades assim na televisão, mas, por algum motivo, eu nunca conseguia abrir portas durante muito tempo, ainda bem, acho que não tinha maturidade para trabalhar em televisão anteriormente. Em 2020 eu comecei a trabalhar em um streaming em São Paulo, chamado N-Sports, lá eu pude fazer as primeiras transmissões de TV digamos, embora fosse internet, também pude ter a oportunidade de fazer muitos esportes além do futebol. Nesse streaming, eles tinham uma parceria com o Comitê Olímpico Brasileiro e eles criaram um canal chamado Canal Olímpico do Brasil, onde transmitia diversas modalidades, lá eu transmiti muitos esportes, atletismo, handebol de praia, esporte que nem sabia que existia, ginástica, todas elas, vôlei, eles tinham os direitos da Superliga. Ali eu já fui me desenvolvendo um pouco para o perfil de televisão e para as necessidades de me aprimorar em esportes além do futebol, o que o rádio não me exigia. Em 2022 pintou uma chance na ESPN, eles precisavam de um narrador que pudesse ser uma opção para eles para narrar a NFL, narra futebol mas quando chegarem os jogos da NFL que eu pudesse me colocar à disposição, mandei um piloto e passei, depois que entrei, comecei a narrar futebol, fiz mais alguns pilotos lá dentro para futebol americano especificamente e assim começou a minha trajetória lá em 2022, dei sorte de conseguir abrir essa porta, muita sorte.

Esses esportes que você diz que narrava além do futebol, você já tinha um conhecimento ou foi algo que foi aprendendo ali conforme a necessidade estava pedindo?

Em quase todas as ocasiões eu fui aprendendo a partir do momento que eu era escalado. Até esportes que são muito consagrados no Brasil, como o vôlei, achei que sabia, mas não sabia nada. Uma coisa é você saber pontuação, quem ganha o jogo, nisso o vôlei é fácil, o time dá três toques, tem que colocar a bola do outro lado, isso é muito básico, mas para entender o jogo exigia mais. Por exemplo, o vôlei, depois de passar várias transmissões sofrendo sem entender exatamente o jogo, eu fui a um centro de treinamentos aqui em São Paulo, contei com uma ajuda de uma equipe em São Paulo, o SESI, me apresentaram como é o vôlei em termos táticos, as nomenclaturas das posições e das jogadas, como eu poderia treinar meu olho para identificar cada jogada, consegui me desenvolver, mas para isso eu precisei de tempo. Outras modalidades eu não tinha tanto tempo para estudar, ginástica é um esporte em que eu não me aprofundo tanto, o comentarista faz isso mais, eu tento entender mais o cenário para construir uma narrativa, uma história e a partir do olhar técnico de quem acompanha a competição, poder fazer uma transmissão minimamente interessante para quem nos acompanhava, mas era muito de acordo com a necessidade mesmo.

Você falou que trabalhou em um streaming antes, queria saber como você vê a evolução da transmissão esportiva. Antigamente era mais engessado muitas vezes e agora com esses streamings tem uma transmissão muitas vezes mais informal do que costumava ser antes. Você é a favor desse processo? Como que vê todo esse processo?

Não dá para se colocar contra a diversificação de formas de se fazer uma transmissão esportiva. É o mercado, a necessidade do momento. Acho que abre oportunidade para novas pessoas, tem seus riscos, desafios também, muitos streamings acabam pagando pouco, é interessante para quem está começando porque você quer no início é uma oportunidade para demonstrar quem você é, mas com o passar do tempo você também quer ser valorizado e isso pode gerar algum atrito. Mas acho que de maneira geral é muito interessante, hoje é possível transmitir a segunda divisão do Campeonato Goiano e levar esse jogo para diferente lugares do Brasil e do mundo, os canais dos clubes também hoje tem as suas transmissões ou das próprias ligas, como é o caso da NBB. Dos anos para cá, o rádio fazia mais coisas, as equipes esportivas tinham muitos narradores, transmitia-se vários eventos, hoje já não é assim, as rádios têm menos narradores, menos espaço para se construir um narrador dentro do rádio, mas hoje você pode começar no streaming e ir embora. Tem bons narradores que se formaram em streaming e conseguiram abrir bom mercado em grandes cidades do Brasil. É o momento, tem que surfar na onda e dá para aproveitar legal.

Você falou que está expandindo os esportes que têm transmissão e também disse que começou na ESPN a narrar o futebol americano. Eu gostaria de saber como que você enxerga essa crescente que está tendo dos esportes americanos de modo geral no país.

Para nós é muito bom lá na ESPN, porque a gente transmite e consegue atingir um público muito grande, ainda é um nicho, o público que gosta da NBA, da NFL, por exemplo, mas é um nicho muito maior do que era há 20 anos. Hoje eu acho que tem várias explicações. Primeiro que aquilo que é consumido nos Estados Unidos se expande muito facilmente para o mercado global. Então, seja um filme, uma série, os esportes, o jeito de viver dos americanos, é muito difundido aqui no Ocidente. E nós consumimos muita coisa dos americanos e os esportes acho que seria obviamente, uma tendência que isso acontecesse aqui e com a internet nos aproxima muito mais dos americanos. Acho que a NBA já é grande aqui há muito tempo. A NFL há menos tempo e isso é uma questão até de construção das ligas. A NBA nos Estados Unidos ela é grande, porém ela tem um teto. A NFL é muito maior que a NBA em termos de visibilidade e audiência dentro dos Estados Unidos, muito maior. A NBA já há muitos anos descobriu que uma fórmula de sucesso para ela era expandir fora do território americano e a NFL demorou demais a entender isso. Tem o fato também de ser um esporte que era só disputado entre os americanos, com regras muito difíceis, era necessário um mínimo entendimento da língua inglesa para ter um maior entendimento. Então a NFL demorou para se expandir mas chegou e os brasileiros são grandes entusiastas do futebol americano. Tanto é que hoje as duas ligas olham muito para o Brasil. A NFL já fez jogo aqui, vai continuar fazendo. A NBA tem o sonho de fazer um grande jogo aqui no Brasil também. Até o beisebol que é menos forte também já olha para o mercado do Brasil. Então isso é ótimo. Nós temos aqui mais de 200 milhões de pessoas muitas ávidas por consumir esses esportes, esses eventos e para nós que transmitimos é uma honra um prazer se conectar com os brasileiros com uma paixão que não é só dos americanos é global.

Nesse período, narrando esses esportes americanos, já teve algum lance assim que te marcou mais? Em específico, que você gostou mais de narrar, a emoção ali do momento. Porque eu sei que na Hail Mary do Jayden Daniels era você que estava narrando. Eu gostaria de saber se tem algum nesse nível ou se foi esse mesmo.

Acho que é esse mesmo. Claro que há transmissões mais importantes, fazer um playoff da NBA é muito legal, da NFL também eu tive a oportunidade de fazer. Tem um jogo dos Bills no playoff contra os Steelers na temporada 24, que eu adorei fazer. Foi muito legal. Foi uma jogada em que o Josh Allen carrega a bola e vai até a endzone. Mas esse aí foi o mais bacana mesmo. O que mais repercutiu, porque é muito inédito, você é pego de surpresa, a chance daquela jogada acontecer é muito, muito pequena. E acontece. Quando acontece, você tem que se virar ali. Até aquele dia, foi um dia que eu estava mais cansado, porque pouco tempo antes, eu tinha narrado um jogo de futebol que tinha terminado 4×4. Foi um jogaço, uma coisa apoteótica. E eu entrei para fazer uma hora depois, o jogo de futebol americano, que dura três horas e tanto. E o último lance foi esse aí. Saí esgotado aquele dia e feliz, claro.

Depois de falar um pouco desses esportes americanos. Como que foi a sua experiência de voltar ao seu estado natal, onde você começou tudo, para narrar esse Goiás e Vila Nova?

Foi muito legal, faz pouquíssimo tempo, não tem nem duas semanas, e para mim foi muito, muito, muito bacana apresentar uma grande rivalidade para o público nacional. A ESPN, quando comprou os direitos, percebeu, e as pessoas lá dentro também, que é muito importante a gente dar muito valor à cultura local, à forma como os times se relacionam com seus torcedores dentro das cidades e tentar expandir isso para dentro do Brasil, para a Série B não ficar escondida. A Série B é um grande evento. É um campeonato que reúne as cinco regiões do Brasil. Norte, Centro-Oeste, Nordeste, Sul e Sudeste. Coincidentemente, o primeiro grande clássico do campeonato foi esse em Goiânia. A empresa decidiu mandar uma grande equipe para Goiânia, não só isso, dar uma atenção grande enorme em sua programação. Acho que o Goiás e Vila nunca teve em uma emissora nacional o espaço que a ESPN deu para esse jogo semana passada. Então mais do que voltar para a minha cidade e fazer um jogo em Goiânia, ver que aquele clássico tinha condições de ser muito bem apresentado para o público nacional e a ESPN fazer isso. Isso eu acho que foi mais legal até do que voltar para casa. Inclusive, meu TCC foi um livro junto com um amigo falando sobre a rivalidade Goiás e Vila. Fora de Goiás até se imagina que o maior clássico é Atlético e Goiás porque muitos não conseguem dimensionar o tamanho da popularidade do Vila porque nunca jogou a Série A desde que existe acesso e rebaixamento. Então as pessoas não percebem tão bem e até meus colegas que foram, voltaram com a impressão:  ‘Nossa rivalidade é muito grande, se odeiam mesmo’. E é assim já desde os anos 70 entre Goiás e Vila é sempre um momento que para a cidade. 

Gostaria que você contasse um pouco mais esse seu TCC sobre a rivalidade Goiás e Vila. Como que você tratou isso nesse trabalho?

A gente escolheu o ano de 1973 para definir que aquele foi o marco na rivalidade Goiás e Vila, porque, nos anos 60, a maior rivalidade do estado era Vila Nova e Atlético. Lá nos anos 40, 50 era Goiânia e Atlético, mas já nos anos 60, o Goiânia não tinha uma grande torcida mais, o Atlético tinha uma grande torcida, o Vila também, o Goiás não. O Goiás era um time com uma torcida muito pequena. Mas no fim dos anos 60 e início dos anos 70, o Goiás consegue bons resultados, é bicampeão goiano em 71 e 72 e passa a ser o time alvo dos adversários, o time a ser batido. Em 73 tem uma final de campeonato que é muito lembrada entre Goiás e Vila, disputada no Estádio Olímpico. O Goiás era um time melhor do que o Vila, jogou mais do que o Vila na final, teve dois jogadores a mais em campo, só que acabou a energia do Estádio Olímpico. Dizem que foi um torcedor do Vila que interrompeu o fornecimento de energia ao ver que seu time era superado em campo. O jogo foi retomado horas depois, na madrugada, e o Vila ganhou nos pênaltis, aquele campeonato imaginava-se que daria automaticamente uma vaga para o primeiro representante do estado no Campeonato Brasileiro que tinha começado em 71. Não era um critério esportivo, ser campeão te dá essa vaga, era por convite, a CBD antiga CBF, escolhia por critérios seja lá políticos, financeiros, um time e o Goiás foi o escolhido não o Vila. Dizem que era porque a escolha foi até antes do campeonato de 73, embora o anúncio tenha sido depois, e o Goiás era o campeão antes dessa final. Isso machucou muito os vila-novenses, porque ali começou já uma disparidade econômica entre os clubes. Goiás passou a ter mais receita, mais visibilidade e foi construindo uma linda história em campeonatos nacionais. Pouco tempo depois vieram o Vila, o Atlético também para disputar, mas o Goiás foi o primeiro e foi isso foi isso que a gente contou no nosso TCC. 

Qual é a sensação que você tem de ter conseguido chegar nesse patamar?

Meu sentimento é que eu dei muita sorte. Eu gosto muito do que eu faço. Tenho um talento para isso mas trabalhei muito, continuo ouvindo muito, gosto muito de ouvir pessoas que tenham o que me acrescentar, porque erro demais nas transmissões, erro bastante, preciso estar sempre melhorando. Dei sorte de já na minha primeira etapa em Goiânia, ter uma universidade que me abriu portas, de ter um projeto para eu colocar em prática os meus sonhos e ver se era aquilo mesmo que eu queria. Gostei demais. Fui trabalhar numa rádio, que era a 730, tive ali pessoas que me ajudaram demais. Dei muita sorte de convencer um chefe no Rio e abrir um mercado fora, essa pessoa me levou para São Paulo. Em São Paulo conheci pessoas incríveis, incríveis, incríveis, que foram me colocando num caminho para o meu crescimento profissional. Conheci o Oscar Ulisses, ali foi o divisor de águas da minha carreira, quem me ensinou a narrar mesmo. E muita sorte também em entrar na ESPN e conhecer pessoas que me ajudaram muito a me aperfeiçoar. Então, o meu sentimento é sorte, muita, muita sorte, porque tinha tudo para dar errado, por enquanto está dando certo.

Gostaria também que você deixasse alguma mensagem para essa nova geração que sonha em poder algum dia alcançar também esse patamar.

Acho que tudo é feito com muito trabalho. Com muito trabalho, muita humildade. As pessoas no mercado gostam muito de jovens que, claro, tenham conhecimento do mercado que elas querem abrir, mas que também sabem ouvir, que não acham que sabem mais do que quem já está lá há muito tempo, que tenham perseverança mesmo, que tenham dedicação, vontade para trabalhar, cuidado com aquilo que está fazendo, amor. Isso encanta a todos, fazer cada transmissão muito bem feitinha, estudar o jogo, ter um bom ouvido para ver como os outros comunicadores fazem, porque eles se destacam, o que eles fazem de diferente. Acho que esse é um recado que dou. E ter a cabeça muito aberta para tudo, eu, por exemplo, só fiz esporte em toda a minha trajetória, mas me faltou em algum momento fazer outras coisas. Acho que quem tem essa oportunidade já deve fazer, já deve pensar, porque a gente nunca sabe qual porta vai abrir. Pode não ser a porta do jornalismo esportivo, pode ser uma porta de assessoria de imprensa, pode ser a porta do jornalismo geral, de economia, não sei. A gente é levado pelo destino, pelo que o caminho vai se apresentando. Então abrir a cabeça para tudo, estudar bastante. Para quem está na universidade, ouvir sempre os professores. Isso não quer dizer que a gente tem que concordar com tudo, a gente não concorda com tudo, com ninguém, mas ouvir é uma arte. Isso é muito importante, trabalhar e tentar se aproximar das pessoas que podem ajudar, abrir uma porta no futuro. E aproveitar muito esse período de universidade. Tem que aproveitar muito, assim, para se desenvolver, para crescer, para perguntar, para ler. A UFG tem projeto de TV, tem projeto de rádio, aproveita a chance, porque passa muito rápido esses quatro anos.

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