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Um dos cargos mais importantes nas redações dos jornais afora são os editores, responsáveis por revisar, checar, atualizar métodos de trabalho e montar cada publicação. Então, para falar mais sobre o mundo da edição, o jornalista Deusmar Barreto responde perguntas sobre os desafios da editoria. 

Deusmar foi editor-executivo do Diário da Manhã por 10 anos, repórter da editoria política do O Popular e colunista no Jornal Opção. Também consolidou carreira no setor público, tanto na assessoria de imprensa no Governo Estadual na pós-redemocratização, quanto como superintendente de Imprensa e Redes Sociais da Prefeitura de Goiânia. Além disso, fez carreira internacionalmente como consultor de Comunicação Social para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e participou de missões comerciais em países da América do Sul, Europa e Ásia.

Caleb: Quais as diferenças mais notáveis da vida de um repórter, para a vida de um editor-executivo ?

Deusmar Barreto: Da reportagem para a edição, em primeiro lugar, é necessário que você tenha uma certa experiência. A experiência da reportagem, ela é o que a gente pode qualificar no jornalismo de vivencia real, na sequência, o exercício da escrita que exige é uma praticidade também muito grande, porque quando se chega à redação, você está por sua vez diante de inúmeras normas e padrões. E tudo isso portanto exige que você tenha um ao mesmo tempo acuidade no processo de reportagem, nesse caso você portanto terá que demonstrar o conhecimento da língua portuguesa para transformar o produto jornalístico, para que possa chegar ao grande público de uma maneira inteligente e compreensível.

Agora, o trabalho da edição, vai numa outra dimensão. A edição vai traçar o que a gente chama uma de uma organização, uma revisão dos textos. A função do editor é ser um guardião da credibilidade, da qualidade, da informação e da sintonia entre o veículo de comunicação e seu público. Em tempos novas tecnologias e mudanças no consumo de notícias e a constante ameaça da desinformação, os desafios do editor se multiplicam, ele tem que ser um guardião extremamente eficaz para evitar que o produto final não seja deformado. Ou seja, o editor, precisa de uma formação muito sólida, ter uma acuidade extrema e uma capacidade constante de adaptação.

Caleb: Quando você conquistou o cargo de editor-executivo, qual foi o nome de um grande editor que inspirou o senhor a exercer o cargo?

Deusmar Barreto: o diretor de redação era o jornalista João Bosco Bittencourt, que já vinha de uma experiência anterior muito sólida, na medida em que a família dele é constituída de de jornalistas. Digamos que ele foi a minha base, foi ele que foi que me instruiu sobre os diversos parâmetros que se colocavam na época, a influência maior foi dele. Eu acho que um editor, antes dele assumir uma função, especialmente uma função de do executivo, ele tem que acompanhar muito de perto a evolução dos grandes jornais.

Caleb: Você pode contar uma história na sua época como editor que valha a pena ser contada?

Deusmar Barreto: No período eu não tinha internet e nem redes sociais. Nesse período em que eu fui editor executivo, a principal publicação era o jornal impresso, aquele que você depois de pronto você não tem como mais modificar. O período do jornal impresso, você não pode errar. Se você errar, o erro vai ser exibido para milhares de pessoas. Você tem um “horário x” para entregar o seu material porque senão a gráfica vai atrasar e aí você vai comprometer a circulação, então você tem também uma questão de tempo a cumprir. Posso dizer que a guerra em relação ao tempo é o componente mais dramático quando se pensa em edição.

Então, nesse sentido, eu acho que os fatos mais inusitados foram aqueles em que nós editores, assegurávamos que as máquinas retardasse a publicação para esperar alguns fatos que passavam do horário, portanto, pelo fato de que eram acontecimentos da madrugada, nós poderíamos ser no dia seguinte, os únicos a publicar. Ás vezes fazíamos essa ousadia de esticar na madrugada, quando existiam fatos relevantes que ultrapassavam o período, dentro de um processo de contribuição da gráfica para que a gente trouxesse determinadas informações importantes que os outros jornais não publicariam devido ao horário.

Caleb: Uma das responsabilidades de um editor executivo, é trabalhar pela atualização dos meios de comunicação do Jornal. Para você, os jornais tradicionais têm conseguido fazer um bom trabalho na era das redes sociais?

Deusmar Barreto: Essa é uma questão um pouco complexa, evidentemente, vou expressar minha opnião, porque eu não tenho certeza de que esse meu pensamento seja referencial do que está acontecendo na prática. Eu acredito que os grandes jornais, os chamados jornalões, ela não conseguiu alcançar a repercussão devida nas redes sociais.

A linguagem dos dos grandes jornais e o conteúdo que eles trazem, a cultura, a linguagem, os temas, a abordagem nada disso na minha opinião acompanhou as redes sociais, os grandes veículos, eles ainda estão muito presos. As redes sociais elas se interessam por o que pelo que eu qualificaria como a periferia dos acontecimentos, elas estão mais em busca de determinadas situações que se forjam enquanto grandes atrativos. E não economia, mercado financeiro, aspectos políticos, como o Trump e a Extrema-Direita e até mesmo o esporte, não são o interesse principal dessas mídias. As tragédias, questões inusitadas, a vida das celebridades, pegadinhas, situações de cotidiano que acabam viralizando.

Então, eu acredito que gradativamente os grandes jornais quando perceberem que não poderão acompanhar os processos evolutivos do mundo da internet, será necessário fazer determinadas adaptações.

Caleb: O senhor falou da Extrema-Direita no poder atualmente, devido o cenário atual, você acha que o jornalismo tenta combater a polarização ou ele apenas é convivente e se aproveita dele dela?

Deusmar Barreto: Eu acho que de uma maneira geral há um enorme comprometimento dos grandes jornais, de não incentivar a polarização. Eu acho que sobre esse ponto de vista, os jornais tem agido com extrema retidão e um sentido ético de bastante lucidez. O fator ideológico hoje não está mais sedimentado nos veículos de comunicação, a gente não sente mais o respirar deste sentimento ideológico que no passado era muito intenso.

E também acredito que os veículos de comunicação estão muito comprometidos com uma questão que é fundamental, a defesa das instituições democráticas especialmente depois dos acontecimentos do Brasil como dos Estados Unidos, tudo isso forjou uma o realinhamento dos grandes jornais na perspectiva da garantia das instituições.

A partir das redes sociais, que a explosão ideológica se tornou extremamente danos, ao desenvolvimento do processo democrático. No caso, a extrema direita demonstrou uma capacidade muito grande de articulação com as redes. E as forças de esquerda, não tinham o preparo para lidar com essa situação. Tudo isso criou um um cenário em nível mundial bastante explosivo e cujo desfecho ainda não sabemos eh qual será.

Caleb: Qual deve ser, no seu entendimento, a postura dos jornais para enfrentar a crise das mídias tradicionais?

Deusmar Barreto: Em relação às mídias tradicionais, eu tenho insistido com efetividade, é que as mídias tradicionais façam um processo de gradativa transição, em que elas possam manter o seu sistema tradicional. Mas que possa agregar os novos valores que surgiram na comunicação, que em síntese são as produções independentes.

Eu acho que a mídia tradicional, ela vai perceber que mais cedo ou mais tarde, ela vai ter que se abrir para essa essa nova cultura que surgiu a partir das redes sociais. Mesmo que essa produção não seja o processo da aplicação do jornalismo em si, fazer jornalismo dentro daquilo que tradicionalmente se estabeleceu, mas eu acho que por uma questão de sobrevivência, eu acho que os jornais devem fazer a adaptação possível para permitir que não reflitam apenas as ações do processo institucional. Mas também as ações do processo social.

Caleb: Posteriormente o senhor mencionou o enfrentamento que os jornais vem passando com as fake news. E com esse fenômeno crescente, como os jornais podem enfrentar a desinformação ?

Deusmar Barreto: Bom, é, em relação à questão das fake news, é preciso dizer que esse enfrentamento ele é complexo e ele exige por parte dos veículos constituídos uma atenção redobrada. Nós já estamos vendo aí inúmeros veículos constituem comissões específicas para avaliar se a notícia é verídica ou não.

Essas comissões que já se constituem nos jornais, elas para mim é o início de um processo para mostrar realidades e para confrontar o processo das fake news.

Eu acredito que portanto os grandes veículos tem que fortalecer as suas comissões estruturadas para avaliar se a notícia é verdadeira ou não. E nesse sentido, combater as fake news com instrumentos de averiguação permanente. Os instrumentos de averiguação permanente são a única forma de se impedir que esse processo, que é um processo de destruição da verdade, possa prosperar.

Caleb: O senhor pode exemplificar um desses instrumentos?

Deusmar Barreto: Então, sempre que surgem fatos que estão nas redes e que demandam grande atenção do público, os jornais às vezes querem utilizar esses fatos nos seus noticiários. vou citar um exemplo para mais claro. No sepultamento do Papa, houve uma revoada de gaivotas no Vaticano, as redes sociais trataram o caso como sendo um fenômeno espiritual, pelas imagens bastante contundentes, os jornais da Europa se dedicaram ao tema para que pudessem dar mais dentro do que eles constatassem como sendo o real motivo de ter existido uma revoada de pássaros sobre o Vaticano após o sepultamento.

Essas comissões se lançaram a investigação e constataram que era um fenômeno natural dessa época do ano, e não era verdadeiramente uma relação espiritual. Eles deram o fato a partir da vertente natural e não a partir da vertente espiritual. Também especificar a interpretação que segmentos da comunidade cristã deu para aquele evento em si, isso não significa a reprodução de uma fake news, significa que você trouxe os dois fatos e os levou à confrontação.

Caleb: Qual foi a maior dificuldade que o senhor enfrentou quando trabalhava como editor-executivo no Diário da Manhã?

Deusmar Barreto: Eu fui editor executivo numa fase bastante promissora do Jornal Diário da Manhã, contava com uma redação muito vibrante, uma redação jovem, uma redação de grandes talentos, eu fui muito agraciado por um período assim de ouro do jornal.

As dificuldades aconteceram na sequência desse trabalho em que infelizmente um jornal desse porte acabou por não por não suportar o processo financeiro. Então, você estava diante de uma de uma redação numerosa, de um jornal impresso e de um custo elevado, gradativamente, o jornal não conseguiu eh cumprir as suas exigências. Especialmente as suas exigências no âmbito trabalhista e aí se viu diante de um um processo de de crise.

Caleb: Como você acha que os jornais devem trabalhar para se manterem como a mídia relevante no futuro na sociedade.

Deusmar Barreto: Os jornais, eles precisam ter uma capacidade de atualização constante. É preciso que eles englobem novas tecnologias, novas plataformas, novas linguagens, novas expectativas do público para formar o ambiente jornalístico cotidianamente.

Eu acho que se os jornais tradicionais se manterem preso apenas aos métodos já concebidos corre o risco de se tornarem de se tornarem irrelevantes no futuro muito próximo. É preciso adaptar-se, e principalmente, sempre irmão dos princípios éticos, especialmente em face do enorme desafio da era digital.

Portanto, os jornais estão diante de um de um processo que exige alta responsabilidade, uma formação técnica refinada, sensibilidade apurada, senso crítico aguçado, criatividade inovadora e um compromisso inegável com a verdade e com a sociedade. A sociedade ela tem que pulsar nas páginas dos jornais e ela tem que ter o seu lugar, ela não pode ficar à margem. Os jornais não podem ser reflexos apenas dos agentes políticos, os agentes institucionais. Para que os jornais tenham um processo de vida longa, do ponto de vista de influência, é preciso que ele se abra para as verdades da sociedade.

Colaborou para a montagem do roteiro e edição das perguntas os professores Francisco Barros e Raniê Solarevisky

2 thoughts on “‘A função do editor é ser um guardião da credibilidade’: Deusmar Barreto fala sobre a importância dos editores e sobre o futuro do Jornalismo”
  1. Parabéns. Pesquisa muito interessante, o entrevistador soube articular bem as perguntas para coletar o máximo de informações plausíveis para o assunto, sem deixar a matéria enrolativa ou maçante.👏👏👏

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