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Retorno de telefones móveis sem funções inteligentes levanta questões importantes sobre a saúde humana e o nosso vício nas redes sociais

Positivo P70s, um dos principais “telefones burros” à venda no Brasil – Foto: Canaltech

Os avanços tecnológicos recentes permitiram que vários aparelhos eletrônicos, como computadores e celulares, ultrapassassem os seus propósitos iniciais. Os celulares, por exemplo, evoluíram ao ponto de terem sido usados para a filmagem de longas-metragens independentes, como “Tangerine”, de Sean Baker, e “Distúrbio”, de Steven Soderbergh. A cada novo smartphone lançado, novos recursos são adicionados, aumentando ainda mais o valor simbólico desses aparelhos.

Em face a essas mudanças, por quê os chamados “telefones burros” (tradução livre de “dumbphone”, antítese de smartphone, que significa “telefone inteligente”) têm tido um recente ressurgimento na vida das pessoas? Seria por uma questão de nostalgia, por uma vontade de reviver tempos mais fáceis? Ou seria por uma questão mais importante, como a overdose de conteúdo disponível na Internet ou o vício dos seres humanos em redes sociais?

“Telefones burros”: o que são?

“Telefones burros”, ou “dumbphones”, são telefones celulares bem mais simples do que, por exemplo, um iPhone. Ao invés de terem uma infinidade de aplicativos ao seu dispor, os “dumbphones” apenas fazem e recebem ligações e trocam mensagens de texto por SMS. Tais aparelhos são similares aos telefones celulares vendidos no final da década de 1990. Uma das principais marcas conhecidas por seus “dumbphones” é a Nokia, cujo modelo 3310 ganhou fama por ser “indestrutível”, devido à sua resistência. O modelo ficou tão famoso que ganhou uma versão repaginada em 2017, contendo algumas das mesmas funções que tornaram o original um ícone.

(Foto 2: Comparação entre o Nokia 3310 original, lançado em 2000 e sua versão repaginada, lançada em 2017. – IBTimes UK)

O mais interessante é que os “dumbphones” não pararam de ser produzidos, mesmo com a ascensão dos smartphones. Um exemplo de “telefone burro” recente é o Nokia 6310, atualização do aparelho lançado em meados de 2001, lançada para comemorar os 20 anos do modelo original, em 2021. Além de vários recursos novos que não estavam no primeiro aparelho, o celular retém aquilo que garantiu um lugar no coração de todas as pessoas que tiveram um Nokia: o nostálgico jogo Snake, mais conhecido como “o jogo da cobrinha”.

(Foto 3: Divulgação do novo Nokia 6310, lançado em 2021. – Nokia/Divulgação)

Robin West e o ressurgimento dos “dumbphones”

Em março de 2022, uma matéria da BBC escrita por Suzanne Bearne relatou a história de Robin West, uma jovem de 17 anos que não possui um smartphone, tomando a decisão de comprar um “telefone burro” de 8 libras em 2020, por perceber o quanto os smartphones estavam ocupando sua vida. “Eu tinha muitos aplicativos de redes sociais e não conseguia fazer minhas tarefas porque estava sempre ao telefone”, diz West, ressaltando estar mais proativa devido ao telefone “tijolo”.

E parece que a jovem Robin West não foi a única. A mesma matéria da BBC relata que a busca por “telefones burros” no Google saltou em 89% entre 2018 e 2021, com as vendas globais alcançando quase um bilhão de unidades no ano passado; um feito bem considerável, levando em conta que o número de smartphones vendidos no mesmo ano foi bem próximo, com 1,4 bilhões de celulares vendidos.

Mas por quê o interesse nos telefones “burros” cresceu nos últimos tempos? Presença no Tik Tok? Talvez. Porém, para a especialista em tecnologia Sandra Wachter, pesquisadora em Oxford, no Reino Unido, a demanda por tecnologias mais simples vem da overdose de funções que um smartphone tem. De acordo com Wachter, as inúmeras funções do smartphone “[podem deixar o usuário] apreensivo e até agitado”, com o “dumbphone” permitindo que o usuário foque em uma tarefa de cada vez, de uma maneira mais objetiva.

Wachter não foi a única a perceber que a overdose de informações providenciada pelo smartphone era um problema. O psicólogo polonês Przemek Olejniczak comprou um Nokia 3310 para substituir seu smartphone em 2017, pelo menor consumo de bateria. Porém, não demorou para ele perceber que a nova aquisição foi de grande ajuda. “Antes, eu ficava sempre preso ao telefone, verificando tudo e qualquer coisa, navegando pelo Facebook, pelas notícias ou por outros fatos que eu não precisava saber. […] Agora, tenho mais tempo para mim e para minha família. […] Agora, tenho mais privacidade”, ele conta.

(In)Dependência tecnológica

Outra razão que pode ter despertado o interesse das pessoas nos “dumbphones” é a dependência tecnológica, e o desejo de se ver cada vez mais independente dessas tecnologias mais avançadas e sobrecarregadas de conteúdo. De acordo com o El País, existem estudos que conectam o uso contínuo das redes sociais durante a pandemia de Covid-19 com um maior número de problemas de saúde mental.

A matéria relata um estudo do Instituto Superior de Estudos Psicológicos da Espanha, que diz que a dependência tecnológica tem os adolescentes como maior alvo, causando síndrome de abstinência, mal-estar emocional, disforia, insônia, irritabilidade e inquietação devido ao uso abusivo das redes sociais. Porém, os adultos não ficam de fora da mira desse fenômeno, podendo causar afastamento da vida real, ansiedade, redução da autoestima e perda da capacidade de autocontrole.

O veículo finaliza dando cinco dicas para recuperar o controle e se desintoxicar das redes sociais: 1) desativar as notificações dos aplicativos; 2) o estabelecimento de limites, ou seja, “definir momentos do dia em que é ‘proibido’ mexer no celular ou entrar nas redes”; 3) procurar um hobby, com o objetivo de ocupar o tempo que seria gasto nas redes de uma forma produtiva; 4) transformar o uso das redes em uma recompensa, “se premiando” com tempo na rede por ter conseguido algo produtivo; e 5) apagar aplicativos que não serão mais usados, eliminando a sensação de necessidade.

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