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Luciene de Oliveira Dias. Mulher, negra, membro da comunidade LGBTQIAPN+, Comunicadora Social, Mestra em Ciências do Ambiente, Doutora em Antropologia, fundadora do grupo Pindoba, Professora Associada da UFG. Existem muitas palavras, mas como definir alguém que constantemente se quebra e se refaz como nova? Luciene Dias é, entre muitas coisas, fonte de inspiração.

Foto por: Luciene Dias

O LIVRO

Os caminhos em que a vida nos coloca são tortos. Chegar onde chegamos não é fácil. Luciene começa sua formação acadêmica com a graduação de Comunicação Social, trabalhando na área como jornalista e assessora por 12 anos, onde teve contato com as quebradeiras de coco babaçu – grupos de mulheres extrativistas – da região do Bico de Papagaio. Através dessa experiência, despertou-se a vontade de estudar, de pesquisar, de entender como funcionavam aquelas formas de vida.

Resolveu fazer a seleção para o mestrado (Ciências do Ambiente) e doutorado (Antropologia) e com a decisão de abandonar o Jornalismo, surge o edital de 2009 para vaga no corpo docente da FIC-UFG, onde é aprovada. Porém os caminhos se entortam, e a chegada da pandemia em 2020 se torna um obstáculo na vida da população como um todo, principalmente na vida da população marginalizada.

“Por ocasião da pandemia eu retomei contato com as minhas interlocutoras de pesquisa lá no Tocantins, via WhatsApp. O que eu queria saber? Eu queria saber como elas estavam, queria saber se estavam vivas. Estava um momento de morte horrível no mundo inteiro, enfim, eu estava preocupada com elas e comecei a conversar de novo. E aí descobri uma série de coisas, inclusive, que o governo federal tinha aprovado a titulação das terras que elas ocupavam um percentual relativo a 1,09%. E aí o Incra cedeu, concedeu o título dessas terras para o grupo e aí eu resolvi escrever um livro. O livro se chama ‘Aquilombamento’ “

– Luciene Dias

Seu novo livro, “Aquilombamento”, vem de uma experiência de 15 anos trabalhando com o grupo, às vezes de longe, às vezes de perto, às vezes só para perguntar se tudo estava bem. Após trabalhar durante 1 ano na escrita do livro, chega finalmente a hora da publicação. O nome carrega não apenas a experiência etnográfica pela qual Luciene Dias passou, mas também a necessidade de teorizar sobre estratégias de vida da população negra, as suas vivências, suas estratégias de aprimoramento.

PINDOBA

O Pindoba – Grupo de Pesquisa em Narrativas da Diferença – é um reflexo claro de Dias, que é sua fundadora. O grupo desenvolve pesquisas sobre negritude, orientação sexual, gênero, infância, velhice, pobreza, arte. O objetivo é mostrar que essas pessoas divergentes estão por aí trabalhando, vivendo, por toda a parte, e valorizá-las: o Pindoba tem a intenção de transformar a pesquisa em algo vívido.

Foto por: Luciene Dias

Elas [integrantes do Pindoba] querem saber por que as pessoas morrem, porque as pessoas nascem, porque nós amamos algumas e odiamos outras, porque estabelecemos determinadas relações, porque adoecemos. E eu queria trazer para as pesquisas dentro do Pindoba essas coisas, sabe? Essas coisas que nos afetam.”

– Luciene Dias

A Doutora Antropóloga revela ainda que em seu próprio livro o Pindoba se faz presente em diversos trechos que trazem sua experiência com pesquisa. O grupo é uma oportunidade para se mudar uma vida, é um lugar seguro onde se pode conhecer pessoas, lugares, conhecer-se, acima de tudo.

ESCRITA E VIDA

“O que eu quero é que elas [minhas estudantes] acreditem que elas vão fazer pesquisa e vão fazer até melhor que eu. Porque esse é o sentido. É deixar a pessoa que está começando agora entender que ela pode fazer e que ninguém tem o direito de tirar dela essa sensação de poder. Porque poder é isso, não é uma coisa que você ganha, é uma coisa que você conquista.”

– Luciene Dias

A escrita sempre foi algo presente em sua vida: ajudava seus irmãos mais novos com sua alfabetização. Mais tarde, entra no Jornalismo pensando que seria ali onde faria o que gostava, mas após anos exercendo a profissão percebe que não era bem o que procurava. O que realmente queria era uma escrita profunda, e a busca por essa profundidade a levou à pesquisa, à escrita de livros, artigos, ensaios, à escrita de narrativas.

Outro aspecto que molda sua vida é a pluralidade, e é assim que pretende continuar. Leva uma vida com máximo de respeito para com a pessoa em sua frente, quer salas de aula cada vez mais diversas, quer bater de frente com a diferença, se colocar em xeque, aprender, ensinar.

Se não acreditarmos que precisamos fazer com que as pessoas se sintam bem, eu acho que não dá certo. Entender a educação dessa forma, na minha opinião, é uma conquista. Não é fácil, né? […] Mas quando você vê que você pode aprender todos os dias e fazer a troca dessa aprendizagem, é muito mais interessante.

– Luciene Dias

Por fim, Luciene é alguém que acredita na mudança, que gosta de sair de sua área de conforto, de se alterar, desde suas relações mais íntimas até as mais profissionais, é grata por isso e considera que estamos aqui para experimentar e fazermos cada vez melhor.

PLANOS, UNIVERSIDADE E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o futuro, a professora intende passar por todos os espaços possíveis, espaços que a Universidade oferece. Deseja ver uma reitora negra, deseja ver pessoas com deficiência tendo espaço, deseja que o espaço seja de acolhimento, de potência para pluralidade.

“E eu sofro junto, porque todo mundo tem ação limitada. E aí eu avanço só até onde eu dou conta.  […] Eu dou conta da sala de aula, eu dou conta do grupo de pesquisa, eu dou conta de uma ação de extensão. […] Mas eu não dou conta do que é estrutural […] Eu não dou conta disso, e aí eu vou sofrendo junto. Mas é um sofrimento que me mobiliza pra ação.”

– Luciene Dias

Diz que o que a mobiliza é essa “pulsão para a vida na Universidade” então a usa para pensar, para ouvir. Se vê ainda em um caminho universitário, de pesquisa, de escrita, de mudança. Luciene Dias ainda tem luta, todos temos luta, muita luta pela frente.

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