Social Media: atuação dos profissionais face ao discurso de ódio nas redes

Apenas entre 2021 e 2022, houve um aumento total de denúncias de crime de ódio online de 67,50%.
Tempo de leitura: 9 min
Foto desenho digital sobre cyberbullying.
Desenho digital sobre cyberbullying.

No início do último mês, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) lançou o “Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil”. O documento foi produzido pelo Grupo do Trabalho (GT) e instituído por Silvio Almeida, ministro do MDHC, com intuito de debater e propor políticas ligadas ao tema. O relatório reúne um diagnóstico, diretrizes e recomendações a serem adotadas.

As 15 reuniões realizadas pelo GT, entre março e julho, contaram com a participação de representantes de instituições de Estado, representantes de sociedade civil (acadêmicos, comunicadores, influenciadores, etc.) e observadores internacionais convidados. Foram então listados os grupos, instituições e sistemas que se encontram em situação de vulnerabilidade e sob ataque.

Discurso de ódio

Com isso, conclui-se uma importância de se educar a respeito de como agir, enquanto profissional, ao se deparar com esse tipo de postagem e/ou comentário. Porém, antes disso, é importante entender o que é e como funciona o discurso de ódio e os crimes ligados a ele.

Discurso de ódio consiste, de acordo com Samanta Ribeiro Meyer-Pflug, na “manifestação de ideias que incitem a discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, a minoria” (2011, p. 575). Logo, abrange todo comentário hostil a determinado grupo.

Violência nas escolas, atos antidemocráticos, racismo, xenofobia, homofobia e misoginia estão entre os principais temas, aponta o documento do MDHC. Ademais, de acordo com indicadores da Central de Denúncias da SaferNet – dados de 2017 até o primeiro semestre de 2022 – constatou-se um crescimento das denúncias de crime de ódio online. Apenas entre 2021 e 2022, houve um aumento total de 67,50%. Desse modo, 2022 registrou o terceiro ano eleitoral consecutivo em que houve aumento de denúncias de crimes de ódio em relação aos anos anteriores.

Central SaferNet

A SaferNet é uma Organização Não Governamental (ONG) brasileira fundada em 2005, pioneira na abordagem multissetorial que visa proteger os Direitos Humanos dentro do ambiente digital. Sendo assim, a ONG criou a Central Nacional de Denúncias de Violações contra Direitos Humanos (Hotline), o Canal Nacional de Apoio e Orientação sobre Segurança na Internet (Helpline) e ações de conscientização acerca do uso cidadão da Internet.

Portanto, são 16 anos com experiência de entrega de projetos com impacto social no Brasil. Desde 2009, a SaferNet coordena o Dia Mundial da Internet Segura no Brasil e, em 2013, foi homenageada com o Prêmio nacional de Direitos Humanos, entregue pela Presidência da República do Brasil. Para mais informações, clique aqui.

A Central Nacional de Denúncias de Violações contra Direitos Humanos é um espaço virtual onde é possível ao usuário realizar denúncias anônimas. No site, estão catalogados 11 tipos de crime online, sendo eles:

  • Pornografia Infantil;
  • Racismo;
  • Apologia e incitação a crimes contra a vida;
  • Xenofobia;
  • Neonazismo;
  • Maus tratos contra animais;
  • Intolerância Religiosa;
  • LGBTfobia;
  • Tráfico de pessoas;
  • Violência ou discriminação contra mulheres;
  • Fraude eleitoral.

Dessa maneira, a organização conta com parcerias com a iniciativa privada, autoridades policiais e judiciais e os usuários das própria redes sociais. O indivíduo, ao se deparar com qualquer conteúdo atentatório aos Direitos Humanos, pode denunciar, fornecendo o URL do site e o comentário. Além disso, pode ainda acompanhar a sua denúncia através do número de protocolo.

Aumento das denúncias de crimes online

Outro detalhe é que os indicadores da Central de Denúncias da SaferNet constataram que as eleições se tornaram um momento propício para a disseminação do discurso de ódio, apontado um aumento de denúncias desde 2018 no período eleitoral.

Sendo assim, apenas em 2020, as denúncias de racismo e a xenofobia dobraram em relação à 2019, enquanto as de neonazismo cresceram uma porcentagem de 740,7%.

Em 2018, os dados consoantes a misoginia, xenofobia e neonazismo tiveram os maiores percentuais de crescimento.

O discurso de ódio nas redes é usado como uma plataforma política para engajar a audiência, dar notoriedade ao emissor e assim trazer mais votos, por isso a abordagem do tema precisa ser estratégica. Acreditamos que a educação para qualificar o debate e o incentivo de conteúdos que promovam diálogo são caminhos para se alcançar um ambiente em que se conquiste votos por meio de ideias, não no grito”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da SaferNet.

Infográficos elaborados pela equipe LabNotícias

Outro agravante são as denúncias de pornografia infantil online que, nos primeiros quatro meses de 2023 em relação a 2022, sofreram um aumento de 70%. Portanto, de 1º de janeiro a 31 de abril de 2023 a SaferNet recebeu 23.777 denúncias únicas. Desde 2019, o número de links únicos compartilhados pela SaferNet com as autoridades vem crescendo cada vez mais.

Veja aqui uma evolução desse tipo de registro desde 2019. 

Como acontece?

Por fim, as dúvidas que restam são: quais as consequências do discurso de ódio, como lidar com ele e qual a razão pela qual ele acontece?

Com isso em mente, a equipe LabNotícias entrevistou o psicoterapeuta Lucas Fadul, que atende no Pará para fazer alguns comentários e tentar responder a essas dúvidas.

“Pensando a nível de redes sociais e disseminação de ódio, se você consome ou entra em contato com muito discurso de ódio a tua percepção vai ficar limitada a isso. Então, você vai realmente imaginar que no mundo só existe conflitos, só existem pessoas brigando, que não existe espaço para diálogo, e quando isso se torna já um ataque a qual você pode se considerar pessoal é pior ainda, você só vai perceber ataques pessoais vindo de todos os cantos. A sua percepção vai ficar orientada pra isso”, diz Lucas.

Dessa forma, o indivíduo pode vir a desenvolver ansiedade, depressão, transtornos de caráter persecutório (achar que todos estão contra você), entre outros. As possíveis motivações que leva alguém a fazer esse tipo de comentários, entretanto, é incerta.

“Na lógica dos algoritmos, eles visam o maior número de cliques, o maior número de visualizações, a maior produtividade para aquela rede. E a gente sabe que o conflito em si dá mais visualização, traz mais gente, chama mais atenção. A gente também consegue refletir que todo mundo acaba indo pra rede social pra poder expor o seu ponto de vista. E aí ninguém se entende e a rede social alimenta esse conflito, vira na verdade um ciclo vicioso”, explica o psicólogo.

Finalizando, Lucas Fadul explica a forma pessoal com que lida com esse tipo de postagens:

“A minha recomendação, que não é a recomendação ideal, é a recomendação possível, é você filtrar esse conteúdo, né? Você fechar a sua bolha,  educar o seu algoritmo para que apareçam apenas os conteúdos que você de fato deseja e que não sejam voltados para esse tipo de polemização do debate, do discurso de ódio. É a forma como eu penso e é o que eu faço, eu não fico não fico acompanhando essas coisas porque realmente me adoece.”

Social Media; Relatório de Recomendações ao discurso de ódio

Agora compreendidos o conceito e a dimensão do discurso de ódio no Brasil, é preciso entender como ele afeta diversos profissionais digitais na atualidade.

Em entrevista à equipe do LabNotícias, Anna Clara Rodrigues, que trabalha na assessoria do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Goiás (CRMV-GO), conta um pouco de sua experiência em ter de enfrentar o discurso de ódio nas redes.

“Não existe um preparo, você aprende fazendo, lidando com os comentários. Porque a regra geral mesmo é de apagar os comentários ou responder no particular. Não tem uma medida preventiva anterior a eles terem feito (os comentários) não”, conta a assessora.

A falta de preparo profissional é uma grave característica do cenário digital atual, onde não se vê um cuidado anterior ao lidar com esse tipo de conteúdo, que requer uma maior delicadeza e malabarismos para contornar, denunciar e impedir mais atos como esse de acontecerem.

O artigo “Disseminação do ódio nas mídias sociais: análise da atuação do social media” aborda a disseminação do ódio na Internet, para isso, entrevista 7 profissionais de diversas áreas de social media para refletirem acerca da temática. Os resultados do artigo não apresentam regras específicas para a interação haters e usuários. Entretanto, os profissionais entrevistados destacaram para a importância do diálogo com usuários para solucionar ou minimizar a situação. A exclusão de comentários causa controvérsias no meio, alguns optando por até mesmo banir os indivíduos causadores da confusão.

Por outro lado, o “Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil”, do MDHC, apresenta um conjunto de estratégias para enfrentar e combater esse male digital, e devem ser aperfeiçoadas pelas instituições competentes por cada uma delas. Os temas estão organizados nos seguintes subcapítulos:

  • Educação e Cultura em Direitos Humanos;
  • Escola e Universidade promotoras da Paz e da Convivência Democrática;
  • Internet Segura, Educação Midiática e Comunicação Popular e Comunitária;
  • Proteção às Vítimas dos Discursos de Ódio;
  • Dados e Pesquisas para subsidiar as Ações e Políticas Públicas;
  • Boas Práticas para Jornalistas e Comunicadores para enfrentar o Discurso de Ódio.

Uma das indicações é, por exemplo, a criação, por parte do MDHC, de um “Fórum Permanente de Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo”, para participar, acompanhar e articular projetos e ações de combate aos problemas. 

Além disso também se observou uma necessidade da promoção da paz e da convivência democrática nas escolas, estruturar a política de educação midiática, direcionamento de esforços para ratificar e implementar a “Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância”, até o momento não ratificada pelo Brasil, entre outros.

Leia também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *