Relações Liquidas na sociedade pós-moderna: o impacto das redes socias nos laços humanos

Psicólogo Clínico aprofunda-se na temática das relações liquidas, desenvolvendo as adversidades e circunstancias dos relacionamentos e laços humanos efêmeros, produtos da falsificação da realidade pelas redes sociais
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Lucas Rossato, Psicólogo clínico graduado em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro e doutorando pela USP/Ribeirão Preto, discorre, em entrevista, sua perspectiva sobre as relações líquidas na sociedade pós-moderna e as diluições da realidade e dos laços humanos pelo avanço da sociedade e das redes sociais.

LN: Na sociedade pós-moderna, as redes sociais tornaram-se parte da vida do indivíduo, interferindo nos laços humanos e relacionamentos. Qual sua opinião sobre essas interferências nas relações modernas afetivas, principalmente entre os jovens? Quais os aspectos positivos e negativos desse entremetimento?

Lucas Rossato: As redes sociais são uma via de mão dupla. Por um lado as pessoas podem se comunicar por mensagens, chamadas e de voz, ou vídeo chamada a qualquer momento. Isso faz com que haja uma aproximação entre os sujeitos, basta ter um celular ou computador. Por outro lado, as mesmas redes sociais que aproximam estas pessoas estão criando relações que são pouco fortalecidas e duradouras. Você pode ter muitos amigos, mas pode não ter absolutamente nenhum vínculo afetivo relacional significativo com eles. A relação se tornou virtual. Não há momentos para encontros, para estarem presentes.

As redes sociais também tem feito com que algumas pessoas fiquem ansiosas, pois o contato é mais imediatista. No passado as respostas para determinadas questões levavam dias para chegar. Na atualidade se não é respondido instantaneamente, começam as inquietações. Para as crianças e adolescentes a utilização das redes sociais está demarcando novas formas de interação, que ainda não sabemos se são totalmente saudáveis, mas que certamente são diferentes do que víamos no passado.

Nos atendimentos que realizo é comum ouvir sobre os efeitos das redes sociais nas relações do cotidiano. As pessoas demonstram estarem cansadas da vida real e parecem buscar nas redes sociais algo que não encontram no mundo material. Acontece que as redes sociais criam um metaverso que nem sempre corresponde com a realidade. Esse falseamento da realidade é muito complexo, pois vemos cada vez mais pessoas que não conseguem lidar com problemas da vida cotidiana, não são resilientes e encontram estratégias de enfrentamento para lidar com as adversidades.

De acordo com o Sociólogo Zygmunt Baumann por exemplo, estamos vivendo em uma época de amores líquidos e de uma modernidade líquida, sob influência direta das redes sociais. Esse pensamento atribui uma veracidade sobre as relações afetivas na modernidade?

Certamente as relações amorosas estão passando por transformações e parte desse movimento é em função das tecnologias que surgiram. Historicamente os modos de vinculação amorosa passaram por significativas mudanças, como nos casos que os vínculos eram estabelecidos por interesses econômicos, políticos etc., até chegarmos na atualidade onde as relações estão cada vez mais fluídas e se distanciando da romantização e daquela ideia do “até que a morte os separe”. Isso está cada vez mais raro.

As formas de estabelecimento das relações amorosas são diversas e as pessoas agem e se vinculam de acordo com seus interesses íntimos e não mais pelo interesse coletivo ou familiar, por exemplo: os casamentos têm tendenciado a não ser mais longevos como no passado. Quando as pessoas não veem mais sentido nas relações, rompem, partem para outra.

As formas de se conectar a outro alguém também mudaram e na atualidade podem ser das mais diversas e ocorrerem por meio de aplicativos de relacionamento. Esses aplicativos podem possibilitar desde o estabelecimento de uma relação estável, até um encontro com a finalidade exclusivamente sexual. Também é comum a não nomeação da relação como um namoro ou casamento. As pessoas estão juntas, estabelecem relações de afeto, mas não possuem um “contrato” que limita determinadas regras do que podem ou não fazer, do que é aceito ou reprovado na relação. Isso faz com que os relacionamentos sejam mais abertos… diria até mais “democráticos”, pois certas coisas podem ser negociadas. Porém, as vezes não funcionam, pois uma significativa parcela das pessoas criam expectativas que nem sempre são atendidas. Todas essas relações tem repercutido nas formas de organização e vinculação social, principalmente nos diferentes arranjos familiares que podem ser encontrados.

Com o avanço da sociedade e das tecnologias e redes sociais, o esvaziamento da interatividade humana nas práticas amorosas atuais, tende a aumentar cada vez mais?

Acredito que o relacionamento amoroso presencial sim. As pessoas têm cada dia mais direcionado suas relações para o ambiente virtual e esse universo virtual tem se expandido de forma rápida. Escuto muito das pessoas que elas querem ter relacionamentos duradouros, amorosos e fixos, mas que tem sido muito difícil encontrar outro alguém disposto a compartilhar isso. Além disso, parecem estar significativamente exigentes em relação ao perfil de quem querem junto de si, determinando aspectos físicos, comportamentais, posicionamento político, entre outros aspectos que nem sempre serão atendidos em sua completude por alguém. Essa idealização, tem sido potencializada pelos padrões que são estabelecidos pelos ideias de vida plena que as redes sociais determinam.

Aplicativos como Instagram e TikTok tendem propositalmente a não distanciar a realidade do conteúdo produzido? Há uma idealização do bem-estar social e da felicidade nessas mídias?

Com certeza. Existe o mundo real e o mundo das relações sociais. O mundo das redes sociais é mais intenso em todos os aspectos, mas não simboliza uma realidade concreta. Além de tudo, o ambiente virtual é apelativo e, na minha opinião, destoa da realidade em que a maioria das pessoas vivem. Cotidianamente é possível ver pessoas colocando frases motivacionais, fotos de academia, viagens e festas. A maior parte do conteúdo das redes sociais versa sobre status. É uma apelação como se sempre o sujeito devesse se sobressair em relação ao outro. A exposição a esses conteúdos muitas vezes leva as pessoas a questionarem suas vidas, fazem com que se sintam angustiadas, pois deveriam estar em busca de uma vida plena e com conquistas e realizações.

São muitos gatilhos para determinados sentimentos. Nas redes sociais a vida do outro sempre parece perfeita. Conheço pessoas que utilizam de todos os recursos possíveis para demonstrar uma vida plena, glamurosa, fitness, mas na realidade vivem constantemente angustiadas, com constantes crises de ansiedade e estressadas. Essa necessidade está em todos os locais. Você sempre tem que mostrar que é mais. Veja bem, em tudo o sujeito deve se mostrar como o melhor. São várias redes sociais, vários aplicativos de relacionamento. Até para a vida profissional tem Lattes, Research Gate, Orcid, Linkedin, etc. Todos para as pessoas vendem uma imagem do que “são”.

Jovens e adolescentes encontram-se entre os principais consumidores de aplicativos como Instagram e TikTok, dessa forma eles são os mais influenciados por essas mídias sociais. Os conteúdos consumidos por eles em sua maioria, expõem uma vida praticamente perfeita e feliz de pessoas aleatórias, principalmente de casais. Essa tendência pode acarretar quais problemas na vida dos jovens?

Quando há um falseamento da realidade e a pessoa não tem a percepção correta de que o mundo virtual é diferente do mundo real, isso certamente ocorre. Atendo muitos estudantes que estão ingressando no ensino superior. As principais dificuldades apresentadas são as referentes a terem que lidar com aspectos da vida adulta para os quais não foram preparados, as responsabilidades e a desconstrução de ideologias ou aspectos que tinham sobre a vida universitária e que acaba sendo outra realidade quando passam a vivenciar.

A saúde mental e os processos de adaptação podem ser fortemente impactados por esse falseamento da realidade. Como já mencionei, isso dificulta a capacidade de enfrentamento e afeta a resolução dos problemas. Temos jovens que estão sobrecarregados com as demandas das redes sociais e que não conseguem lidar de modo satisfatório com os aspectos da realidade cotidiana.

Além das redes sociais, o que torna os relacionamentos frágeis, efêmeros e cada vez mais superficiais?

A visão de homem e de mundo, o senso de utilitarismo das pessoas com o outro, a falta de empatia e cuidado. Particularmente acho que estamos em um momento delicado em termos sociais. Certos aspectos já deveriam ter sido superados. A noção do que queremos para nós e para os outros precisa ser refletida. Na atualidade temos visto várias cisões em função da política, por exemplo, e do caminho que tomamos nos quatro anos do governo Bolsonaro. As pessoas estão adotando posicionamentos preocupantes.

Nós vivenciamos uma ditadura no país e tem pessoas desesperadas em volta de quartéis pedindo intervenção militar. Elas estão, democraticamente se manifestando, pedindo para acabarem com os direitos delas de se manifestarem. É preocupante a ausência de reflexão crítica do contexto que vivem. Vivenciamos o holocausto e o secretário de cultura do governo federal faz um discurso em que todos os elementos da transmissão são semelhantes ao de Joseph Goebbels.

Pessoas são cotidianamente e sistematicamente vítimas de racismo. Meninas são vítimas de violência sexualmente e integrantes do poder público se manifestam a favor de manter a menina com a gestação, mesmo ela não tendo condições psicológicas de manter isso. O padre que acolhe pessoas em situação de rua é constantemente ameaçado. Onde deixamos nossa condição humana? As nossas relações estão em transformação, mas tomamos um caminho que às vezes me preocupa. No que estamos nos transformando?

Os seres humanos são seres socias, precisam se relacionar, necessitam de convívio, de pessoas, e com o avanço da sociedade, ocorre grandes mudanças nas formas de se relacionar. Portanto, como devemos lidar com as interferências da pós-modernidade nas relações e laços humanos?

Nossas relações sociais sempre estiveram em transformação em função dos processos históricos, políticos, econômicos, etc. Mas na atualidade essas mudanças têm sido mais rápidas e significativas. Acredito que precisamos nos adaptar e principalmente parar e refletir sobre o que vivemos e como vivemos certos elementos de nossas relações cotidianas.

O contato humano é uma necessidade dos sujeitos, pois somos seres sociais, compartilhamos de aspectos subjetivos, comportamentais. É o outro que dá afirmação e sentido para a maior parte do que vivemos. Mas só conseguimos estar com o outro se estamos bem com nós mesmos. É uma questão de encontrar um equilíbrio nesse turbilhão de coisas que permeiam nossas vivências.

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