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A discussão sobre mulheres no universo dos esportes sempre ganha fôlego de tempos em tempos. Desta última vez, durante a Copa do Mundo masculina, que ocorreu em novembro do ano passado, o assunto ressurgiu graças ao ganho de perfis femininos na cobertura do evento. Mesmo com esse espaço, é possível dizer que ainda existe alguma barreira entre as mulheres e os esportes?
No Brasil, as mulheres foram historicamente colocadas em posições limitantes em relação aos homens. Um retrato disso foi o acesso à educação superior. Enquanto eles estudavam e trabalhavam, a elas foi relegado o papel de “donas de casa”. Somente em 1879 passou a vigorar o direito da mulher frequentar a faculdade, 100 anos depois chegou ao fim a lei que proibia a prática de futebol a esta parcela da sociedade e, apenas há pouco mais de 30 anos, aconteceu a primeira Copa do Mundo de Futebol feminina.
A partir desses fatos históricos é possível refletir sobre como de fato é o estado desta área: quais são os desafios que enfrentam e se realmente há uma concretização de um maior perfil feminino nas produções deste setor.
Perfil do Jornalismo no Brasil
Para melhor compreensão do cenário do jornalismo esportivo brasileiro, entender primeiro o perfil geral desta profissão é primordial.
Embora o jornalismo apresente diversos recortes, pouco estampa a diversidade nacional. Isso se demonstra em uma pesquisa promovida pela Universidade Federal de Santa Catarina, em 2021, com apoio de entidades da área, a exemplo da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Algumas empresas antenadas a essa discussão já possuem iniciativas para mudar o perfil do mercado jornalístico brasileiro. Esse é o caso da criação da editoria de diversidade no jornal Folha de São Paulo, em 2019, e a parceria da Rede Bandeirantes com a agência de notícias Alma Preta Jornalismo, em 2022.
Este perfil traçado pela pesquisa acima chega como um alerta para a Comunicação Social brasileira. Com maioria branca e centrado na região Sudeste do país, o jornalismo produzido nacionalmente necessita passar por transformações para que comece a representar de maneira mais significativa a colcha de retalhos chamada Brasil.
Indo além: cenário do jornalismo esportivo brasileiro
Quando o foco deste perfil se volta à editoria de esportes, os dados mostram algumas diferenças. Um elemento diferenciador bastante notável é o número de profissionais homens comparado ao de mulheres. De acordo com um levantamento feito pela German Sport University Cologne (Escola Superior de Desportos da Alemanha), no Brasil, apenas 7% dos textos de cobertura esportiva são escritos por mulheres.
Segundo Raphaela Ferro, jornalista e pesquisadora da área esportiva, isso se deve a uma herança machista, misógina e sexista. Em entrevista ao Lab Notícias, a profissional conta sobre como era na época em que atuava na área.
Tem várias coisas que hoje, depois que eu comecei a estudar sobre o assunto especificamente, que eu percebo que foram situações de preconceito, de machismo. Na época, eu não tinha essa consciência: eram muito como piadas, como se duvidassem daquilo que eu fazia, da forma como eu conseguia uma informação. Você [mulher] está sempre sob um questionamento.
Ainda em sua fala sobre jornalismo esportivo, Raphaela compartilha sua visão sobre a participação feminina na cobertura dos jogos da Copa do Mundo que ocorreu no final de 2022.
Eu vejo que é muito representativo ter essas mulheres, porque a gente não estava lá [Copa]. Então, você pensar que só agora, em 2022, a gente teve a primeira vez que uma mulher narrou um jogo de Copa do Mundo, na Globo [TV aberta]. É muito importante também que a Ana Thaís tenha tido a oportunidade de ser a primeira mulher a comentar um jogo de Seleção Brasileira. Demorou muito para isso acontecer. Há de se comemorar, mas entendendo que o destaque maior ainda se dá pelo fato de ser uma mulher fazendo isso e não a função que estão exercendo, a capacidade.
A vivência como mulher na área
Aprofundando ainda mais na vivência de mulheres dentro do jornalismo esportivo, não é difícil encontrar relatos que reforçam o comentário de Raphaela Ferro sobre casos de assédio no ambiente de trabalho.
Como a repórter Victoria Leite, jornalista da TV Anhanguera (afiliada à Rede Globo em Goiás), que diz: “Eu aprendi a ter casca no jornalismo esportivo, é algo que uso como sobrevivência. Hoje, eles te respeitam mais, mas sempre, sempre, sempre vai ter alguém pra te falar algo por você ser mulher.”
A repórter ainda afirma que:
A gente [mulher] não tem espaço para errar. Se um homem erra numa transmissão ‘acontece’, se uma mulher erra ‘mulher não entende de futebol mesmo’. Hoje é bem menor e bem mais velado [o preconceito]? Isso ajuda a gente a crescer mais? Claro, principalmente porque as empresas estão vendo que precisam de mais rostos femininos.
As experiências de Raphaela Ferro e Victoria Leite não são diferentes de outras profissionais no jornalismo como um todo. Em uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em 2017, 92% das mulheres participantes afirmaram já ter ouvido “piadas” machistas no ambiente de trabalho e quase 66% disseram ter tido sua competência questionada devido ao seu gênero.
Mesmo diante deste cenário ainda desafiador, estudantes de jornalismo demonstram esperança quanto ao futuro na área. Para Lara Fabian, graduanda em Jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFG):
Rafaela Cirqueira, também estudante de Jornalismo na UFG, demonstra positividade quanto ao setor esportivo assim como Lara. Segundo Rafaela, “A quantidade de mulheres no jornalismo esportivo tem aumentado, tivemos uma Copa do Mundo com narração feminina na TV aberta e isso já é um passo gigante. Claro, ainda não é o ideal, mas temos comentaristas e narradoras conquistando espaço em diversos esportes, abrindo portas para novas jornalistas. O apoio do público, principalmente o masculino, ainda é um desafio, mas creio que chegaremos lá.”
As expectativas para as coberturas de 2023
Ao escutar estes relatos, fica evidente a concretização da participação feminina dentro do jornalismo esportivo, mesmo que singela. O que se espera para os próximos anos é a continuação deste processo de mudanças na área, com a valorização cada vez mais destas profissionais, superando preconceitos e as diferenças ainda existentes entre os gêneros.
Para este ano de 2023, as expectativas das jornalistas da área e dos telespectadores são altas. No mês de fevereiro, entre os dias 5 e 12, será aberta a temporada nacional da Supercopa Feminina; ainda no mesmo mês, dia 26, começará a série A1 do Brasileiro Feminino e, em julho, teremos a Copa do Mundo de futebol feminino.
Neste ano, as transmissões da série A1 do campeonato feminino acontecerão na TV aberta, desta vez exclusivamente na Rede Globo. Também é esperado que a cobertura da Copa do Mundo feminina neste ano de 2023 seja maior do que em 2019, visto que os jogos acontecerão de madrugada graças aos fusos-horários diferentes entre os países-sede – Austrália e Nova Zelândia – e o Brasil.
As equipes de cobertura destas competições na Globo contarão com os nomes femininos já conhecidos da emissora, como as narradoras Renata Silveira e Natália Lara e as comentaristas Ana Thaís Matos e Renata Mendonça.