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Dezembro Verde é uma campanha nacional contra o abandono de animais e os maus tratos, além de incentivar a conscientização da tutoria responsável, a campanha busca trazer orientações para os tutores dos animais e para a população em geral com palestras, eventos e cursos. Em Goiânia, a campanha ganhou legitimidade após a aprovação da Lei (PL 578/2021), de autoria da vereadora Sabrina Garcez (Republicanos), que estabelece o mês de dezembro como verde.

Foto: Reprodução/Câmara Municipal

O mês de dezembro foi escolhido como símbolo da campanha de conscientização devido a ser uma data característica de presentes, como comenta a Médica Veterinária e Vice-Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Goiás, Ingrid Bueno: “Em dezembro as pessoas têm o hábito de dar animais como presente de natal. É uma fase de se presentear, para se lembrar de que o animal não é um brinquedo, um objeto, ele é um ser vivo, e que vai ser necessário que tenha responsabilidade com esse ser vivo, por isso se intensifica a campanha de conscientização nessa época”.

Foto: Reprodução/Prefeitura de Luzinópolis

As inúmeras causas pelas quais esses animais são abandonados fazem parte de uma cultura do abandono enraizada na população. Ainda faltam campanhas de conscientização que expliquem para a comunidade que adotar um cachorro ou gato exige responsabilidades e compromisso. Um animal não é apenas um ser sem sentimentos, vazio de sensações e emoções, assim como discorre a estudante de Medicina Veterinária, Esther Lopes: “É muito triste ver a situação dos animais de rua. A maioria são encontrados em uma condição deplorável. As pessoas precisam entender que a partir do momento em que elas tomam posse de algum animal, por meio da adoção ou resgate, elas têm total responsabilidade sobre a vida deles. E que precisam garantir o seu bem-estar animal.” Esther ainda completa:

“A cultura do abandono precisa ser desconstruída. A sociedade ainda não enxerga os animais como seres sencientes. Eles também sentem sede, fome, frio e medo. E isso é responsabilidade de todos.”

Esther Lopes, Graduanda de Medicina Veterinária.

CONSEQUÊNCIAS E LEIS

Como consequência dessa cultura, esses animais sofrem bastante, principalmente por estarem acostumados em uma casa com convívio, se deparam de repente com a rua, sem alimentação e o tratamento adequado. Alguns conseguem espaços em ONGs e Abrigos, entretanto é uma mudança drástica e muitos deles possuem dificuldades com a adaptação ou até mesmo na formação de vínculos para serem adotados novamente. Além disso, outro importante fator, é que esses animais se tornam uma questão de saúde pública, já que podem estar expostos a doenças e zoonoses — que são doenças que podem ser transmitidas para seres humanos.

É importante ressaltar que abandonar animais em lugares públicos ou privados é crime, conforme o artigo 32 da Lei de nº 9.605/98, anteriormente com pena de três meses a um ano, com multa. Em 2020, houve uma majoração da pena e essa conduta passou a ter a pena máxima de cinco anos, incluída pela Lei nº 14.604 prevista no artigo 32 da Lei nº 9.605/98, e é aplicada contra quem machuca animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.

Segundo a Médica Veterinária, Ingrid Bueno, as leis estão sendo aplicadas e seguidas: “Sim, nós temos o artigo 225 da Constituição Federal e a lei 9.605/98 que é a lei dos crimes ambientais e agora mais recentemente têm a lei sansão, que torna os crimes como não mais crimes de menor potencial ofensivo, mas já envolve reclusão de três a cinco anos. Então sim, elas estão sendo cumpridas, as polícias estão mais atentas, porém nós temos uma situação de que nosso sistema carcerário não comporta [os presos/detidos]. Pelo menos eles têm sido indiciados, tem havido inquérito e pode ser que em algum momento eventualmente as penas possam ser substituídas, mas já foi uma grande evolução.

Nathan Borges, estudante de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Goiás, ainda completa:

“Abandono de animais é crime, sejam eles domésticos ou exóticos, nenhuma vida merece passar por essa situação, animais não são descartáveis”.

Nathan Borges, Graduando de Medicina Veterinária.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Que o abandono animal é um problema evidente para a população e para os próprios animais está claro, porém ainda faltam políticas públicas mais afirmativas que minimizem essa cultura e ajudem no aconselhamento da comunidade. Um exemplo de política pública é a comentada pela médica veterinária Ingrid Bueno: “as pessoas abandonam muitas vezes por não poder pagar um tratamento médico, então é importante que as políticas públicas envolvam também aconselhamento e tratamento veterinário. Precisa ter hospitais veterinários públicos, hoje o animal é um ente familiar. Então, se a gente tivesse, por exemplo, um hospital público, ajudaria a diminuir o abandono de animais. Evitaria bastante [o abandono] pois as pessoas teriam aconselhamento e tratamento.”

Em novembro de 2020 o então Prefeito da Capital Iris Rezende inaugurou o primeiro Centro de Saúde e Bem-Estar Animal do Centro Oeste, porém o centro de saúde possui capacidade para apenas 30 animais por dia, e só com atendimentos laboratoriais de baixa complexidade. Outro problema é que falta adequação e regulação para que o centro funcione como um hospital, contudo já existe uma busca por parcerias para que o centro amplie suas atividades e possa atender a população em geral.

Foto/Reprodução: Prefeitura de Goiânia

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Se tratando da cultura do abandono, a comunidade universitária possui dezenas de cães e gatos que são abandonados pelos prédios da Universidade, como conta um dos estudantes da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, Nathan Lopes: “nós estudantes do curso de medicina veterinária estamos a certo ponto ‘acostumados’ a conviver com cães abandonados na EVZ, mas presenciar o ato de abandonar é diferente, pois percebemos que essa problemática é real e muito presente em nosso cotidiano”.

É muito comum diversos estudantes presenciarem esses cachorros e gatos vivendo na comunidade universitária e a Diretora do Hospital Veterinário da EVZ, Rosângela Carvalho, conta um pouco sobre isso: “Uma coisa que a gente precisa pensar é que podem existir animais comunitários, só que precisa ter um tema da posse responsável, mesmo quando um animal é comunitário precisam ter algumas pessoas que se responsabiliza pela alimentação dele, pela observação se ele está bem, se ele precisa de um atendimento veterinário. Precisa ter alguém que se lembre que nos períodos de férias o Campus fica com menos estudantes, então não pode ser um período que esses animais ficam sem cuidados ou sem alimentação. Então precisa ter uma política tanto de conscientização quanto de regulação da presença desses animais nas áreas abertas do campus, que teoricamente não são animais que possuem um dono ou tutor, mas são animais que fazem parte da nossa comunidade”.

A diretora ainda completa sobre esses animais serem abandonados na comunidade: “não é específico da UFG, o abandono de animais existe em todo lugar, infelizmente. Nós visitamos por exemplo o Centro de Saúde e bem-estar animal da AMA – Agência Municipal de Meio Ambiente, que fica aqui no Balneário. Eles têm que monitorar o tempo inteiro, senão as pessoas abandonam os animais na frente da vigilância, na frente de clínicas particulares. Então é uma prática que ainda precisa de muita conscientização, as pessoas precisam compreender que ter um animal em casa é uma escolha e é uma escolha que demanda tempo e demanda recursos para cuidados. Vai demandar então em algum momento o gasto financeiro além de uma demanda afetiva”.

A UFG, nos últimos anos, tem investido em placas de Outdoors e posts nas redes sociais informando e conscientizando sobre o abandono de animais, assim como na fiscalização por videomonitoramento, com o objetivo de reduzir o número de animais abandonados dentro da comunidade.

Foto: Arthur Oliveira

ATROPELAMENTO

Entretanto, em Dezembro, um dos cachorros da comunidade universitária da EVZ, o “Cleitinho”, foi atropelado no Pátio da Escola de Veterinária e Zootecnia , segundo a Diretora Rosângela Carvalho:

“O caso que aconteceu aqui dentro da escola foi um caso singular, a gente não tem histórico de outros casos. A princípio foi um acidente, mas ainda é uma situação que está passando por uma sindicância interna, para que as partes envolvidas possam ser ouvidas e para que se chegue a uma conclusão do que realmente foi o acontecimento do atropelamento aqui. O Animalzinho foi trazido ao hospital veterinário, mas infelizmente em virtude das lesões que sofreu no atropelamento ele não resistiu. Ele já chegou aqui numa condição muito grave e foi atendido pelos serviços de emergência, mas ele não resistiu”

Rosângela Carvalho, Diretora do Hospital Veterinário da UFG.

RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO

Contudo, uma das funcionárias do Restaurante Universitário – RU da UFG, Divina Maria comenta sobre os animais que são abandonados e ficam no restaurante aguardando alimentação: “Ali na faculdade, no famoso RU as pessoas têm mania de soltar muitos cachorros lá e abandonar, eu acho que maltrata os cachorros, não quer mais e deixa lá. Jogados a Deus Dará passando fome e sede. É triste ver essa realidade, porque penso eu se você não é capaz de criar um cachorro, um animal porque você pega para criar? Um animal, um cachorro, um gato é como se fosse um filho, eles não têm com quem se defender.

Foto/Reprodução: Universidade Federal de Goiás

ABANDONO

Um dos estudantes da EVZ, Nathan Borges que já presenciou o abandono de um cachorro na universidade, comenta sobre o ocorrido: “No primeiro período presenciei um dos atos mais cruéis e infelizmente muito comum  em nossa sociedade, o abandono de animais de estimação. Uma moça parou seu automóvel na Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, desceu do veículo e abriu o porta mala, no qual, retirou um filhote de cachorro sem raça definida e abandonou, foi uma cena muito rápida, eu e uma colega pegamos o cão que estava extremamente assustado e levamos ao hospital veterinário da Universidade e assim, receber os devidos cuidados, para a moça foi algo tão simples e insignificante deixar um animal em situação vulnerável, eu que presenciei tal atrocidade foi realmente triste e para o cachorro nem sei como explicar, ser abandonado por seu dono, uma pessoa que deveria te amar e cuidar”.

Foto/Reprodução: Jornal Opção
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