Mal súbito: descompassos do coração atingem 1 a cada 4 pessoas no Brasil

Tecnicamente chamado de morte súbita, o mal súbito ocorre de maneira rápida e inesperada, tendo como causa, na maioria das vezes, problemas relacionados ao coração - que atingem 1 a cada 4 brasileiros. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC), ele é responsável por cerca de 320 mil mortes todos os anos no país.
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A principal causa da morte súbita, especialmente em homens adultos acima dos 50 e mulheres acima dos 60 anos, é o infarto. Normalmente, o acarretamento não parte de um adoecimento progressivo, mas de fatores genéticos, como incidência de casos familiares e/ou fatores que predispõem para arritmia maligna, tais como hipertensão, colesterol alto, diabetes e tabagismo. No caso dos jovens, embora seja comum a incidência de infarto, existem outras causas, como a cardiomiopatia hipertrófica, por exemplo, onde músculo do coração fica hipertrofiado e pode levar à morte. 

Para o médico cardiologista Israel Guilharde, formado pela Universidade Federal de Goiás, o tratamento pré-hospitalar é crucial, visto que a cada 1 minuto a chance de um indivíduo se recuperar de uma morte súbita cai em 10%. Ele ressalta a importância da população saber identificar esse tipo de ocorrência:

“Se quem estiver por perto tiver noção de reanimação, orienta-se que se faça a checagem de pulsação de grandes artérias. Classicamente, utilizamos a artéria carótida (que fica na região lateral do pescoço). Quando não há pulso detectável, diagnostica-se a parada cardiorrespiratória e podemos iniciar as manobras de ressuscitação (massagem cardíaca), além de fazer contato imediato com o serviço de urgência (SAMU)”.

Dr. Israel Guilharde, médico cardiologista. Reprodução: Instagram.

O cardiologista cita que os sintomas da morte súbita são semelhantes aos de outros problemas de saúde, por exemplo, tontura, vertigem, perda de equilíbrio, náuseas e visão embaçada. 

“Interessante notar que muitos casos iniciam-se com sinais que lembram uma convulsão, causada pela súbita interrupção de circulação de sangue no cérebro. Além da massagem cardíaca bem feita, é também importantíssimo que se tenha disponível em locais de grandes aglomerações o aparelho chamado de Desfibrilador Externo Automático  (DEA). Este aparelho identifica automaticamente arritmias malignas e efetua uma descarga elétrica quando apropriado. Quanto à respiração, apesar de termos a imagem do ‘boca a boca’ como parte do processo, ela é secundária e pode ser dispensada no ambiente extra hospitalar  quando o atendimento é feito por uma equipe de não médicos”.

Já no pronto-socorro, é fundamental que o paciente seja levado com a circulação de sangue já restabelecida e com as manobras de reanimação devidamente realizadas pela equipe de resgate, para assim, ser transferido à unidade de terapia intensiva (UTI) e esteja pronto para receber o tratamento necessário, além de fazer o monitoramento de agravos. 

“Durante a internação faremos rastreio das possíveis causas da parada cardíaca para prevenção de novos eventos. Dentre os exames, frequentemente lançamos mão do cateterismo – inserção de um cateter  que avalia a existência de obstrução de artérias no coração (que leva ao infarto)”. 

Ainda segundo a SOBRAC, 86% das paradas cardíacas ocorrem nos próprios lares das vítimas, sendo que metade desse número são casos assistidos por menores de idade, sem nenhum adulto por perto. Já os outros 14% ocorrem em lugares públicos, como aeroportos, shoppings, academias, parques e estádios esportivos. 

Guilharde lembra que, apesar de algumas condições apresentarem alertas, existem casos em que o primeiro sintoma é a morte súbita, como o do jogador de futebol dinamarquês Christian Eriksen, que teve uma morte súbita abortada durante um jogo pela Eurocopa, em 2021.

Jogador Christian Eriksen sendo retirado de campo pela equipe de salvamento. Foto: Divulgação.

Eriksen sofreu uma parada cardíaca e precisou ser ressuscitado por mais de 15 minutos em campo. As imagens chocaram toda a torcida presente e os telespectadores que acompanhavam o jogo Dinamarca x Finlândia, no estádio Parken, em Copenhague. O que chamou a atenção foi o fato de Christian ser um jogador profissional, que certamente passava periodicamente por exames cardiológicos e mesmo assim, estes não foram capazes de detectar nenhuma doença que justificasse o ocorrido. 

AGRAVOS RELACIONADOS À COVID-19

Muito além da contaminação, as consequências deixadas pelo coronavírus podem afetar a saúde de imediato e no decorrer dos anos, principalmente pela piora de problemas já existentes antes da pandemia. Por ser uma doença com tendência para a hipercoagulabilidade – formação de coágulos sanguíneos, a COVID, principalmente quando se tem uma situação agravada, aumenta o risco de desenvolvimento de condições cardiovasculares que podem culminar em morte súbita, incluindo o infarto fulminante e a miocardite (inflamação das células do coração causada pelo vírus). 

“De fato, algumas vacinas estão associadas com um discreto aumento do risco de miocardite, mas em proporção muito menor do que a própria doença. Além disso, os casos registrados que tiveram relação com a vacina foram todos leves e não levaram à morte”.

O cardiologista ainda destaca que, mesmo com a disseminação de informações que levantam dúvidas da população, a vacinação é uma forma de prevenção tanto contra as cepas do coronavírus quanto às chances de morte súbita pela COVID-19. Visto que, de acordo com uma pesquisa de realizada pela Universidade Federal de Londrina, em 2022, a vacinação reduziu óbitos em todas as faixas etárias, enquanto os não vacinados representam 75% das mortes pela doença.

CASOS

Em entrevista ao Lab Notícias, Márcio José Firmino de Oliveira, técnico em enfermagem e radiologia, relata o caso de um paciente que teve um mal súbito quando recebia atendimento em um hospital onde ele trabalhava, em Goiânia: “O homem deu entrada, aparentemente, sem gravidade, com um quadro de pressão alta, relatava dor torácica e um incômodo nas costas. Logo foi estabilizado, a pressão foi controlada e a dor passou. Como já estava medicado e aguardava o resultado de exames, pediu permissão à enfermeira para ir para o lado de fora do pronto-socorro e ela autorizou, só que no caminho até a porta, ele caiu. Tudo aconteceu muito rápido e de forma inesperada, suspeitamos até que pudesse ser o calor, já que estava muito quente naquele dia. A equipe toda se assustou, afinal, ele havia apresentado melhoras. Apesar do atendimento rápido, infelizmente, ele veio a óbito. A parte complicada é ter que avisar a família sobre a fatalidade logo após avisar que o paciente estava normalizado”. 

Em 2019, o caso de Tales Cotta chamou a atenção da mídia. O modelo teve um mal súbito durante um desfile da grife Också, na 47ª edição da São Paulo Fashion Week (SPFW). Após se desequilibrar e cair na passarela, o público presente pensou que se tratava de uma performance programada, o que atrasou em 3 minutos o resgate de Tales – que foi levado inconsciente para o hospital – diminuindo suas chances de sobreviver. Cotta tinha hábitos saudáveis, praticava atividades físicas, além de ter apenas 25 anos. De acordo com o laudo necroscópico divulgado pelo Instituto Médico Legal (IML), o uso de álcool e drogas foi descartado e a causa da morte do jovem foi declarada como um edema pulmonar agudo, em decorrência de uma cardiopatia não detectada.

Tales Cotta. Reprodução: Instagram.

PREVENÇÃO 

Como forma de prevenção, é fundamental a realização de avaliações periódicas com um médico cardiologista, além da adoção de hábitos saudáveis e o abandono do consumo de tabaco, reforça o Guilharde. Segundo o Conselho de Educação Física (CONFEF), a prática de exercícios físicos regulares, alinhada à uma alimentação balanceada, são importantíssimas para evitar a ocorrência de um mal súbito.

Tálita Angélica da Silva, professora de educação física e personal trainer, esclarece que uma avaliação médica e física são essenciais para identificar os limites de cada indivíduo: “Antes de iniciar em uma academia, é muito importante que a pessoa entenda até onde o seu corpo vai. A prática de atividades físicas é sinônimo de qualidade de vida, é a busca pela saúde, mas nós temos que entender que cada organismo é diferente de outro. Os casos de overtraining têm sido muito comuns, onde ocorre o sobretreino, a forma excessiva e prolongada. É importante estar em alerta”.

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