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Recentemente a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Consumidor (DECON) deu início, junto com Vigilância Sanitária, à operação Receita em Branco, cumprindo diversos mandados judiciais em casas, empresas e drogarias de Goiânia, nos quais receitas médicas falsificadas e medicamentos armazenados de forma irregular foram apreendidos.

O delegado Khlisney Kesser, servidor público desde 2009 e pós-graduado em Direito Tributário, Processo Penal e Direito Digital, é o responsável pela investigação e explica que há cerca de um ano a delegacia tem recebido muitas denúncias de empresas específicas na cidade e a partir disto, houve uma apuração para delimitar o espaço territorial a ser explorado e as informações foram armazenadas.

Centenas de receitas médicas em branco apenas com as assinaturas de médicos goianos deram nome à operação que cresceu e que extrapola as barreiras da região metropolitana da capital, alcançando diversas cidades do interior de Goiás.

O foco dos policiais, atualmente, é apreender medicamentos psicotrópicos e que geram dependência. Além disso, o cruzamento de dados é realizado pela Vigilância Sanitária e é levado aos agentes para prosseguir até a segunda fase do processo. Apesar da abordagem inicial ser mais restrita, a equipe também recolhe anabolizantes e outros remédios restritos que são vendidos sem a prescrição de um profissional ou que estão estocados irregularmente.

Foto: Polícia Civil de Goiás

Por que as pessoas consomem esses medicamentos sem orientação médica?

O Conselho Federal de Farmácia realizou, em parceria com o DataFolha, uma pesquisa em 2019 que afirmou que 77% dos brasileiros entrevistados se automedicam e que a maior prevalência do consumo é entre as mulheres. Cerca de 53% desse público declarou ingerir tais substâncias, por conta própria, ao menos uma vez por mês.

Imagem: CREDEQ

Danilo Fiorotto é médico psiquiatra formado pelo Hospital Geral de Goiânia (HGG), membro do Centro de Referência e Excelência em Dependência Química (CREDEQ) e explica que esse uso indiscriminado pode gerar danos imensuráveis ao procurar, por exemplo, o alívio imediato das angústias geradas pelo dia a dia.

Para o especialista, nem sempre é preciso muito esforço para que o paciente comece uma automedicação. Pesquisas na internet e lives de influenciadores digitais podem ser suficientes para que as pessoas se sintam seguras e iniciem tratamentos sem um acompanhamento adequado e de qualidade.

Um dos fatores causadores desse problema envolve a busca do alívio imediato das angústias.

Danilo Fiorotto, médico psiquiatra pelo HGG

Neste sentido, o médico afirma que têm ocorrido mudanças sociais significativas, como questões econômicas negativas e a presença da COVID-19, que aumentam a sensação de sofrimento e causam a elevação das vendas, principalmente dos psicofármacos. Além disso, a crescente exigência da sociedade em cobrar seres humanos produtivos também estimula a dependência de drogas estimulantes e estabilizadores de humor. Fiorotto ainda declara que há casos, inicialmente, tranquilos e que seriam facilmente tratados, mas devido ao uso inadequado de diferentes fármacos ser tão comum, se tornam graves e até mesmo irreversíveis.

Imagem: SVCHS

A automedicação aumentou apenas na pandemia?

Um levantamento feito pelo Conselho Federal de Farmácia revela que quase 100 milhões de caixas de medicamentos controlados foram vendidos em 2020, um salto de 17% na comparação com as vendas dos últimos 12 meses.

Rivian Alves é farmacêutica, atendeu durante toda a pandemia (inclusive no período mais crítico) e afirma que inicialmente as receitas médicas eram incrivelmente semelhantes e ainda que as vendas de algumas composições tenham crescido, ela acredita que a problemática não tenha surgido nos anos pandêmicos e que a falta de informação e de educação corroboram com a crítica situação.

Entre os produtos mais populares, a profissional declara que os indutores do sono e antidepressivos estão sendo vendidos de forma avassaladora para um público que, cada vez menos, consegue ser definido e caracterizado.

A gente não consegue fazer uma distinção. Realmente, entre os pacientes há pessoas tanto da classe social mais alta quanto da mais baixa, em qualquer gênero e em qualquer idade. Nós atendemos tanto um idoso com muitas receitas de antidepressivos quanto um garoto de 16 anos.

Rivian Alves, farmacêutica goiana formada pela Faculdade Alfredo Nasser

Rivian alerta aos riscos relacionados à saúde dos indivíduos: alergias, desarranjos intestinais, tonturas, dependência física e psicológica são algumas das consequências de interações medicamentosas mal sucedidas ou de seu uso inadequado.

Outrora, os danos podem ainda ser fatais. Para a farmacêutica, entre os maiores perigos está o mascaramento de outras doenças e a dificuldade da obtenção do diagnóstico rápido e correto.

“A busca do alívio imediato das angústias”

Jakeline Araújo tem 30 anos, é tocantinense e, atualmente, mora em Goiânia. Em meio às dificuldades da vida, tentou solucionar sozinha sua situação.

“Eu desenvolvi depressão pós parto, tive acompanhamento somente por um período, mas parei. Depois veio a morte da minha mãe. Veio também uma bola de neve desse mundo nas minhas costas que não resolvi. Coisas que não sei lidar, situações mal resolvidas… Nos últimos 4 meses comecei a ter ausência de sono, pensamentos acelerados e negativos. Fiquei 3 dias sem dormir, chorando com medo de ter uma crise forte e machucar meu filho. O medo tomou conta de mim e desenvolvi síndrome do pânico. Eu tinha medo quando chegava a noite e eu estava sozinha. Um dia uma amiga minha me falou que tinha uma medicação que ela conhecia alguém que tomava e que era muito boa pra dormir. Tomei e depois perguntei pra ela se ela conseguia mais e ela conseguiu. Eu dormia bem, mas depois comecei a ficar mais ansiosa e quando as crises pioraram ele não resolveu mais, porque estava tomando de forma errada. Uma coisa desencadeou a outra, mas sempre fui ansiosa e depressiva, principalmente desde a morte da minha mãe. Agora estou sendo medicada com outro, indicado por um psiquiatra, e estou melhor.”

Jakeline Araújo, 30 anos

Como evitar?

Casos como o da jovem tocantinense são comuns, mas quando recebem acompanhamentos médicos adequados podem ser solucionados. Em Goiânia, há diversos locais que oferecem atendimentos gratuitos ou com valores acessíveis, com psicólogos ou psiquiatras, que conseguem evitar o avanço e o desenvolvimento de diversos transtornos psicológicos, a fim de não resultar em situações desesperadoras, nas quais os indivíduos procuram qualquer psicofármaco sem receita para aliviar suas dores.

Se não for possível entrar em contato com nenhum profissional e você queira apenas conversar sobre sua situação, acesse o chat do Centro de Valorização da Vida (CVV) ou ligue através do 188 (a ligação é gratuita e o serviço está disponível 24 horas por dia).

5 thoughts on “O comércio ilegal de medicamentos controlados em Goiânia e os riscos do consumo desenfreado”
  1. Não somos valorizados pelo que sabemos ou por aquilo que temos, mas por aquilo que FAZEMOS… é de ações e atitudes que mostram na essência QUEM VOCÊ REALMENTE É … Como tenho orgulho dessa Jornalista…Deus continue te abençoando cada dia mas nessa nova jornada….Como sempre eu falo sempre será minha menina…Luara 💗

  2. Matéria muito necessária, devido o grande risco que tem oferecido para a população ,o uso da automedicação traz prejuízos enormes . Luara ,
    Como sempre se destacando em tudo que se propõe a fazer ,parabéns a todos envolvidos . 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

  3. Matéria muito necessária, devido o grande risco que tem oferecido para a população ,o uso da automedicação traz prejuízos enormes . Luara ,
    Como sempre se destacando em tudo que se propõe a fazer ,parabéns a todos envolvidos .

  4. Que reportagem incrível! Eu amei a escrita, o tema, o relato, tudo… Parabéns Luara, vc está no caminho certo! Vem aí uma enorme jornalista!!

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