Tempo de leitura: 6 min

Em um mundo gelado, todos os relógios começaram a congelar. O sol veio e se foi entre rajadas de vento e nevascas que apagaram toda a vida. Neste mundo vivia um fogo, e neste fogo, dois amantes fizeram sua morada.

Assim se inicia Fire of Love, que recebeu em terras brasileiras o título não tão sublime de “Vulcões – A tragédia de Katia e Maurice Krafft”. A obra está concorrendo ao Oscar 2023 pela categoria de Melhor Documentário e, com um charme que comove desde o começo do longa-metragem, não é difícil de se imaginar que também conquiste a Academia, sendo um forte candidato à vitória.

Os protagonistas são Maurice e Katia, dois vulcanólogos que nutrem uma paixão mútua pelas grandes estruturas geológicas e se aventuram estudando vulcões ao redor do mundo. A história do casal parece saída diretamente da ficção: duas almas que se encontram ao acaso e são unidas pelo amor por algo belo e que pode ser fatal na mesma medida, mas que merece o risco que advém do estudo dele em nome do avanço científico. Até mesmo visualmente, parecem duas figuras que se veria em um filme de Wes Anderson.

Katia, mulher branca usando óculos e um gorro vermelho, olha sorrindo para Maurice. Os dois usam roupas de proteção e atrás parece ter cinzas vulcanicas.
Katia e Maurice Krafft. Reprodução: National Geographics/Image’Est

Logo nos créditos iniciais, somos apresentados a personagens tão responsáveis pelo documentário quanto o par francês: Mauna Loa, Nyiragongo, Krafla, St. Helens, Pico da Fornalha, Una Una e muito mais – todos vulcões. Embora sejam apenas figuras da natureza, Katia e Maurice não os veem assim. Mostrando que a lente científica também tem lugar para subjetividade, os dois caracterizam cada um deles por sua personalidade própria e singular.

Ocorrendo ao longo de décadas, o documentário captura o olhar do espectador através de suas imagens efervescentes extraídas do arquivos pessoais de Katia e Maurice Krafft, nas quais se arriscavam para gravar a beleza da lava a metros de distância e para documentar as suas façanhas. O deleite visual mostrado faz com que os vulcões que cativaram o casal de vulcanólogos ao longo de suas vidas também seduzam quem assiste. Já o carisma inegável dos dois cientistas torna óbvio o porquê de terem sido estrelas no seu campo, com suas diversas entrevistas para os programas franceses que são mostradas ao decorrer do longa. Embora diga não ser um cineasta, mas sim um “vulcanólogo itinerante”, as filmagens feitas por Maurice relatam o contrário: há uma expressividade cinematográfica de tirar o fôlego.

Silhueta de pessoa usando trajes de proteção. Ao fundo está lava vermelha brilhando.
Silhueta em contraste com a luminescência da lava. Reprodução: National Geographics/Image’Est

A trilha sonora cativa e combina perfeitamente com o que é proposto. Quando nos é apresentada a história de como os amantes vulcânicos se conheceram e começaram as suas aventuras, há uma das cenas mais singelas presentes em Fire of Love: o momento em que eles presenciam uma erupção e, ao fundo, toca The Big Ship de Brian Eno. A combinação visual com a canção é o suficiente para emocionar qualquer espectador. Nas palavras de Katia Krafft: “Quando você vê uma erupção, não consegue mais viver sem, porque é tão grandioso, tão forte. O sentimento de insignificância. Encontrar-se entre estes elementos”.

Retrata-se também a importância dos dois para além do estudo físico dos vulcões, com o seu trabalho para a conscientização em casos de erupções e sobre a necessidade de evacuação. Os filmes feitos pelos pesquisadores foram essenciais para que governos entendessem que era necessário ouvir o casal para impedir mais mortes causadas pelos chamados “cinzas”, denominação dada por eles a vulcões que causam destruição.

Imaginamos desde o começo o desfecho dos personagens-título deste documentário, mas isso não torna menos intragável. Torcemos para que seja só uma tradução dramática para gerar mais visibilidade, afinal, quem não se interessaria por assistir algo que tem a extrema palavra “tragédia” no subtítulo?

Quando finalmente chega o fatídico 3 de junho de 1991, sabemos que é o momento em que nos despedimos de Katia e Maurice Krafft, os cientistas que dedicaram a sua vida a desmistificar os imponentes expelidores de magma, e é deixado um gosto agridoce: como pode algo tão magnificamente capturado pelas câmeras do casal, adorado por eles até o fim da vida, ter sido o motivo de seu falecimento? Nem mesmo a explosão Monte Unzen, no Japão, os separou: morreram lado a lado, fazendo o que mais amavam.

Ainda também se destaca a parte técnica do documentário, pois não adianta de nada uma história tão instigante quanto a retratada aqui sem uma ótima execução. A diretora Sara Dosa sabe fazer um excelente trabalho com o material, o que rendeu a ela a vitória por Melhor Direção em Documentário no Director Guild of America (DGA), prêmio promovido pelo Sindicato de Diretores.

“Gosto quando ele vai na frente, pois ele tem o dobro do meu tamanho, e sei que por onde ele passar, eu também posso. Eu o sigo sempre, pois se ele morrer, prefiro ir com ele. Então eu sigo. Às vezes eu vou na frente.” – Katia Krafft

Fire of Love mostra que a realidade pode ser ainda mais fantástica do que a ficção. É retratado um romance tão tocante que ultrapassa o relacionamento entre duas pessoas, pois o amor que Maurice e Katia possuíam pelos vulcões só não era maior do que aquele que destinavam um ao outro.

Esse texto foi produzido pela equipe do Correio Cultural, de autoria de Hayane Bonfim.

One thought on “A explosiva poesia do documentário “Fire of Love””

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *