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A beleza cintilante do lago Serra da Mesa pode encantar os olhos e proporcionar atividades recreativas, mas a recente cheia dessa massa d’água tem causado preocupação entre os especialistas em meio ambiente, pois traz consigo uma série de impactos negativos para o ecossistema local, alterando a vida aquática, a vegetação e a biodiversidade da região.

Segundo dados da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o lago atingiu quase 84% de sua capacidade máxima, com isso, novas preocupações vêm surgindo.

A ONS divulga boletins diários da operação com dados atualizados e tem como objetivo reduzir os riscos de falta de energia elétrica e contribuir para a ampliação do serviço de eletricidade alavancando recursos para investimentos pelas empresas.

Lago Serra da Mesa. Foto: Reprodução/Rogerio Pacheco/Goiás Turismo.

A principal razão pela qual a cheia dos lagos reservatórios prejudica o ecossistema está relacionada à sua origem. Esses lagos são criados pela construção de barragens em rios, com o objetivo de reter água para usos múltiplos, como abastecimento humano, geração de energia elétrica e irrigação agrícola.

Deslocamento de Espécies e Destruição de Habitats

Uma das principais consequências da cheia de reservatórios de lagos é o deslocamento de espécies e a destruição de habitats naturais. Com o aumento do nível da água, animais terrestres que vivem nas margens dos lagos são forçados a buscar abrigo em áreas mais altas, muitas vezes alterando suas rotas migratórias e padrões de reprodução. Além disso, o alagamento das áreas próximas aos lagos resulta na perda de vegetação, o que compromete a disponibilidade de alimento e abrigo para diversas espécies.

Senhor Antônio Raimundo, aposentado e morador de um condomínio de chácaras próximo ao lago, conta que após a cheia, é comum ver animais silvestres como tatus, capivaras, cobras passando pelo seu quintal. “Antes, para acessar o lago, nós tínhamos que caminhar aproximadamente 700m, agora basta andar um pouquinho que chegamos lá”, acrescenta.

Acesso ao lago pelo quintal do sr. Antônio. Foto: Antônio Raimundo.

Em uma de suas pesquisas, o professor doutor em zoologia André Regolin estuda sobre os impactos que a inundação de territórios causa na distribuição espacial de uma certa espécie de tartaruga e conclui que a maioria das usinas são projetadas para áreas de alta e moderada prioridade de conservação e é necessária a atualização do estado de conservação das espécies.

Leia mais sobre essa pesquisa clicando aqui.

Outro fato recente, foi a criação de uma equipe de biólogos para liderar uma operação de resgate dos animais que vivem nas ilhas do lago. Um trabalho muito difícil, mas cerca de 220 animais de espécies variadas já foram resgatados.

Desequilíbrio Ecológico

Segundo a pesquisadora Ludmilla Oliveira, bióloga e doutoranda em espécies que vivem na bacia Araguaia Tocantins, a cheia do lago também pode resultar em desequilíbrio ecológico. Levando, assim, a um declínio na população de certos organismos, enquanto outros podem se proliferar, causando efeitos negativos em toda a cadeia alimentar.

Outro aspecto significativo é a alteração do regime hidrológico natural. Com o aumento do volume de água, o fluxo dos rios que abastecem os reservatórios dos lagos é afetado, podendo haver um equilíbrio nas condições de oxigenação e temperatura da água.

No lago Serra da Mesa, por exemplo, é comum que os níveis de água variem bastante. Com isso, cenas de vegetações quase desertas, quando na seca, ou cenas de alagamento e destruição de florestas são comuns de se ver. Veja a comparação a seguir:

Imagem da esquerda (1): Lago Serra da Mesa em 2016. Foto: Reprodução/Paulo Schneider
Imagem da direita (2): Lago Serra da Mesa em 2023. Foto: Rui Faquini/Banco de Imagens ANA

A imagem número 1 mostra o período durante a seca histórica do lago em 2016, com capacidade de armazenamento próxima a 6%, cenário desértico, inúmeros caules expostos, alto teor de liberação de gás carbônico, desmatamento em toda a região.

Já a imagem número 2 corresponde ao ano de 2023, já com o cenário bem diferente, o altíssimo nível de água avançando para as florestas e diminuindo a área verde.

Consequências Socioeconômicas

Além dos impactos ambientais, as cheias de lagos reservatórios também podem ter consequências socioeconômicas significativas. A inundação de residências ilegais construídas fora dos limites autorizados pela usina Furnas gera prejuízos para os antigos moradores, além de poluir os lagos.

Para José Fagundes, ex-vendedor e morador das proximidades do lago, a pesca também foi prejudicada. “Antes, era mais fácil encontrar os peixes, fácil de acessar a ‘balsinha’ que eu construí, agora eu fiquei um pouco prejudicado, porque eu vendia peixes lá em Uruaçu”, afirma José.

Diante desses desafios, especialistas defendem a necessidade de um gerenciamento mais eficiente e sustentável dos lagos. Para Ludmilla, é de suma importância que essas questões sejam levadas em consideração para a construção de novas usinas.

“É muito importante analisar o quadro de espécies locais, distribuição geográfica dessas espécies, e acompanhar de perto para que casos de mortes em larga escala, ou até extinções não venham a acontecer”, explica a pesquisadora.

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