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Lorena Bôsso, de 33 anos, é estudante de políticas públicas no curso de Ciências Sociais na UFG (Universidade Federal de Goiás) e nos conta sobre a importância do Dia Mundial do Veganismo, comemorado hoje,1 de novembro. A ativista começou sua trajetória tem quase de 10 anos, quando em 2014 criou um grupo no Facebook chamado “Vegalumes”, com o objetivo de organizar eventos na cidade voltados para o público vegano. Pouco tempo depois, foi convidada pela ONG Mercy for Animals, para ser coordenadora de ação em Goiânia, na qual atuou durante 1 ano.
Ana Beatriz: Quais são os principais objetivos do Dia Mundial do Veganismo na sua opinião?
Lorena: Creio que é basicamente o objetivo de conscientização, pois o veganismo é um assunto que ainda é um tabu e as pessoas não entendem muito bem do que se trata. Acham que é um “bicho de sete cabeças”, mas às vezes algo que elas comem já é vegano, mas ainda sim, existe essa estranheza. Então acho que o objetivo principal é este de conscientizar sobre a importância, do que se trata e quais as pautas, pois são bem amplas.
Ana Beatriz: Como você acredita que a conscientização sobre o veganismo pode contribuir para um mundo mais ético e sustentável?
Lorena: São diversas as formas de contribuição. Para início de conversa, nós já sabemos, isto é comprovado por dados e pesquisas [da ONU, Organização das Nações Unidas], que o consumo de animais representa um impacto muito nocivo para o meio ambiente. Assim, acredito que a medida que a pessoas forem tomando consciência e adotarem um consumo reduzido de produtos de origem animal, como por exemplo o Segunda Sem Carne, isto vai auxiliar de forma direta na redução desses impactos. E também, na relação de ética para com os animais, então temos por exemplo alguns cursos de Filosofia e Direito que já estão estudando a ética animal, ou seja, é uma mudança tanto no âmbito ambiental, quanto de paradigma, de estudo e progresso científico.
Ana Beatriz: Quais são os principais desafios enfrentados pelos veganos em sua jornada para promover o veganismo, principalmente aqui em Goiás?
Lorena: A oferta de produtos ainda é muito complicada para pessoas que estudam ou trabalham. É difícil encontrar produtos de fácil acesso ou com preço justo, por exemplo aqui, em Goiânia é um caso curioso, pois, é uma capital relativamente grande que você não encontra restaurantes 100% veganos. Se não me engano, temos somente o Loving Hut. Então, há pouca opção no mercado, e outro exemplo disso, é que na lanchonete da UFG [Universidade Federal de Goiás] não encontro nada que eu possa comer. Logo, a principal dificuldade é esta, a de conseguir levar uma rotina na qual, não há tempo para cozinhar e conseguir se alimentar fora de casa.
Ana Beatriz: O veganismo é muitas vezes associado a questões de direitos dos animais. Como as ações tomadas no Dia Mundial do Veganismo podem impactar positivamente a vida dos animais?
Lorena: A medida que as pessoas tomam conhecimento da cadeia produtiva e de tudo que está por trás dela, verão a crueldade que é cometida. Como Paul McCartney diz “se os abatedouros tivessem paredes de vidro, todos seriam vegetarianos”. Além disso, ao longo do avanço da humanidade, passamos a entender que certas coisas já não são mais aceitáveis. E assim, campos novos vão se abrindo no debate acadêmico, ou para fora também, na Filosofia, no Direito Social, impactando diretamente a vida das pessoas e também dos animais.
Ana Beatriz: Uma alimentação vegana tem sido apontada como uma forma de combater as mudanças climáticas. Como o veganismo contribui para a sustentabilidade do planeta?
Lorena: São coisas intrínsecas, por exemplo, a partir do momento em que entende-se que uma das indústrias que mais impacta o meio ambiente é a da soja, você percebe que não é mais sustentável manter um determinado estilo de vida. Então assim, não tem como desassociar como principal degradador da natureza a indústria alimentícia. Por isso o veganismo tenta mostrar para as pessoas que a alimentação também é uma maneira de ativismo e de salvar o planeta, ou pelo menos tentar.
Ana Beatriz: Existem mitos comuns sobre o veganismo, você gostaria de desmistificar alguns que você já ouviu por ser vegana?
Lorena: O principal que mais me afeta é o seguinte: gosto bastante de beber, principalmente uma cerveja, e sempre escutei as pessoas indagarem o porquê de eu beber sendo que sou vegana. Com certeza, é o principal mito que eu enfrentei e o mais curioso, pois nunca compreendi a origem dele, muito provavelmente as pessoas não sabem como funciona o procedimento de fabricação da cerveja. Outro mito também é achar que veganos não poderiam ser atletas, o que está longe de ser verdade pois existem vários atletas de alta performance veganos. Inclusive, o homem mais forte do mundo [Patrik Baboumian] é um vegano ,assim como o piloto de Fórmula 1, Lewis Hamilton. Além disso, é também comum acharem que veganos são anêmicos [têm deficiência de ferro], mas particularmente, nunca tive anemia. Entretanto, eu tenho vários conhecidos que comem carne todo dia e tem anemia profunda.
Ana Beatriz: Para aqueles que estão considerando adotar o veganismo, quais conselhos você daria para facilitar a transição?
Lorena: O primeiro conselho que eu daria, sem sombra de dúvidas, é buscar uma rede de apoio, porque fica mais leve e divertido quando temos com quem sair, quando há aqueles que entendem sua escolha e vão te abraçar. No geral, ir atrás de pessoas que estejam dispostas a trocar informações, receitas e dar suporte. Isso porque, vejo alguns depoimentos de veganos que não tiveram o apoio de familiares, e ouviram coisas como “acabou com a vida da família” ou “foi uma decisão muito egoísta”. E depois disso, também é indispensável buscar algo para fazer dentro do veganismo, por exemplo, o ativismo. Aqui em Goiânia especificamente, tem um grupo de meninas chamado Servindo Amor, que se reúne e faz marmitas, arrecadação de alimentos, produtos de higiene e mantimentos para doação. Então buscar algo para além deste estilo de vida: um grupo de leitura ou outras atividades extracurriculares ligadas ao veganismo.
Ana Beatriz: Como a indústria alimentícia e a sociedade em geral podem apoiar os veganos e promover escolhas alimentares mais sustentáveis?
Lorena: De início, cabe aos indivíduos da sociedade em geral apenas respeitar nossas escolhas. Caso um amigo, namorado ou colega te convide para um restaurante é importante tentar fazer a pessoa compreender seu estilo de vida e não fazer disso um empecilho, afinal, basicamente só a alimentação foi modificada. E em um nível mais institucional ou público, é preciso que haja mais oferta de alimentos veganos em refeitórios de empresas, creches e escolas. Por fim, sobre a indústria, ainda temos a ideia de que ela está ofertando opções veganas para acolher essas pessoas, mas na verdade isso não passa de uma demanda capitalista, ela não se importa com a ética animal. Temos empresas pequenas e multinacionais que produzem comidas veganas e continuam fazendo o uso de insumos de origem animal, mas se pudermos optar por negócios 100% veganos, é mais coerente com as pautas do veganismo.
Ana Beatriz: Há alguma iniciativa específica ou evento programado para comemorar o Dia Mundial do Veganismo em sua região? Pode nos contar mais sobre isso?
Lorena: Hoje em dia não conheço nenhum tipo de iniciativa, pois os grupos no WhatsApp são muito pequenos e não vi manifestação da parte deles, seja para organizar palestra ou um encontro. Mas, há alguns anos, nós tínhamos uma feira chama Go Vegan, enorme e 100% vegana, onde as pessoas usavam daquele espaço para socializar e compartilhar produtos e comidas. Porém, infelizmente ela acabou devido à pandemia.
Ana Beatriz: Como as redes sociais e a tecnologia desempenham um papel na conscientização sobre o veganismo e na promoção de mudanças positivas?
Lorena: Primeiramente, o ativismo digital é muito forte a partir do momento que ONGs, como a Mercy for Animals, junta grupos de pessoas para avaliarem empresas no Google, como forma de boicote. Outra maneira, é a conscientização através de documentários e filmes, que podem facilmente impactar na vida do telespectador e fazer com que ele mude seu comportamento. Um exemplo disso, é a obra Terráqueos [documentário norte-americano, escrito e dirigido por Shaun Monson, e provoca diversas reflexões sobre a crueldade que essa dependência causa para os animais] que fez com que muita gente parasse de comer carne depois de assisti-lo. Além disso, através do Instagram ou Youtube, os influenciadores digitais conseguem compartilhar receitas e ideias para difundir o veganismo para aqueles que seguem seus perfis. Mas hoje em dia, vejo uma mudança na maneira de produzir conteúdo com o surgimento do TikTok, os vídeos têm segundos e ninguém mais tem paciência para assistir coisas mais longas.
Ana Beatriz: Além da alimentação, quais outras áreas da sua vida mudaram para reduzir seu impacto ambiental?
Lorena: Acho que o principal é a aquisição de itens. Desde que me tornei vegana, cada vez menos me interessava por maquiagem ou acessórios, a ponto de descobrir que em determinada época eu tinha somente dois sapatos. Assim, ao longo do tempo o desejo de consumir produtos no geral diminuía, provavelmente em decorrência de não ter muitas opções veganas disponíveis. Além disso, cada vez menos eu tenho ido em locais novos, hoje em dia prefiro ficar mais restrita ao ambiente domiciliar seja para beber ou comer algo.
Ana Beatriz: Por fim, quais são seus planos e esperanças para o futuro do veganismo e dos direitos dos animais?
Lorena: Penso no fato de que: mais e mais pessoas vão aderir ao veganismo. Nós já vemos parte da população nascendo intolerantes à alguns derivados de animais, como a lactose, então acho que em 30 ou 40 anos haverá uma redução drástica na quantidade de pessoas que comem carne. O maior exemplo disso é: umas das maiores empresas de carne dos Estados Unidos [JBS Beef] ter comprado ações de uma companhia desenvolvedora de carne de laboratório [Believer Meats, start up israelense]. Então com essa tendência, penso que pode sim, reduzir bastante o consumo e o sofrimento dos animais. Possivelmente, de início pode ser que as pessoas não parem de consumir carne por estarem preocupadas com a saúde, mas quando elas verem como é o processo de produção, talvez isso impacte na sua alimentação. Para além disso, acredito que mais para frente o veganismo vai ser estudado em diversos cursos e áreas do conhecimento, como em escolas e universidades.