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Apesar de ingressar na faculdade ser a realização de um sonho para muitas pessoas, a intensa rotina, a sobrecarga e a pressão acadêmica podem se tornar um desafio e impactar na saúde mental dos universitários, como com a estudante de Sistemas de Informações Beatriz Guimarães, que diante do desgaste que enfrenta durante a graduação, relata “Quando entrei na universidade, eu me senti muito perdida, como se estivesse vagando sem saber para onde ir ou o que fazer” o sentimento da jovem é o mesmo que o de grande parte dos estudantes universitários que após ingressarem na universidade se sentem muito pressionados.
Buscando compreender o real sentimento dos graduandos, a equipe do Lab Notícias entrevistou alunos de diferentes cursos. A estudante de historia, Eduarda Rios Moreira, 19, relata que estar no ambiente acadêmico piora o quadro da sua ansiedade, “muitas vezes a pressão de se estar dentro de uma universidade e até mesmo conseguir sair dela piora bastante o quadro de ansiedade, principalmente no quesito de ‘comparação’”. O estudante de ciências biológicas, Walter de Souza Rodrigues, 19, também relata problemas de piora em sua saúde após entrar na universidade: poucos meses após ingressar na faculdade, seu quadro de vitiligo teve piora. “Periodicamente as manchas costumam aparecer ou aumentar de tamanho por vários fatores, e um deles é ansiedade e estresse.“
Os entrevistados falam como foi complicado se adaptarem à nova rotina. Beatriz Guimarães, 22, conta que sentiu que não sabia para onde ir ou o que fazer, se sentia perdida, “nas primeiras semanas de aulas foram apresentados vários programas que a universidade e o instituto ofereciam, muitas atividades de pesquisa, extensão e extracurriculares. Mas eu sentia muito medo e insegurança de iniciar ou fazer parte de alguma coisa“, O sentimento de Beatriz é o mesmo que o de muitos outros discentes como Nicolas Arantes, 20, que estuda design gráfico, ele conta que a parte mais difícil foi ter que tomar iniciativa e estudar sozinho, “é muito difícil para mim começar a fazer as coisas, e quando começo tenho dificuldade para terminar”, o estudante também conta que apesar de tudo ele acabou se acostumando e consegue “se virar bem”.
Ah também insegurança em relação ao futuro no curso, as maiores queixas são de que seus cursos são desvalorizados, e isso acaba os desanimando, Eduarda fala que tem certeza que nasceu para o curso escolhido porém o descaso do governo e da própria universidade com a área de humanas faz com que ela duvide um pouco desse caminho, “Somos muito desvalorizados, não temos as mesmas oportunidades”, já a angústia de Walter é que a profissão de biólogo não é bem remunerada e é desvalorizada no Brasil, o que causa receio, mas não pretende abandonar o curso: “ Acho que o amor à profissão me motiva a ficar e continuar”.
Os discentes contam como fazem para conciliar os estudos, trabalho e vida pessoal. O estudante de jornalismo, Piter Salvatore fala sobre conseguir conciliar seu trabalho de escritor, influencer digital, e a faculdade, e que só é possível pois seu curso tem uma flexibilidade maior do que os de outras áreas. Ressalta também o contexto privilegiado que vive atualmente, de poder trabalhar de forma digital.
Diferente de outros acadêmicos, ele tem uma flexibilidade maior em horários e o último fator que o permite conciliar trabalho e estudos é ser bastante organizado, “ tendo uma agenda mental ou mesmo uma lista de tarefas para serem feitas durante a semana. As demandas surgem e tento encaixá-las de acordo com minha disponibilidade. É uma luta eterna entre conciliar escrita, trabalho digital e estudos. Mas, com esforço e disciplina, é possível.”
Walter também fala sobre a questão da organização, ele faz iniciação científica e acredita que não toma o tempo dele como se estivesse em um trabalho, ele tem conciliado tudo organizando seus horários e geralmente estuda todas as noites e dias durante a semana e deixa os finais de semana livre.
Dados da saúde mental dos universitários
Um estudo “Global Student Survey” realizado pela Chegg.org, e publicado pelo G1, que ouviu 16,8 mil estudantes de 18 a 21 anos, em 21 países, mostra que em razão da pandemia da Covid-19 durante o ano de 2020 até o início de 2023, cerca de 87% dos estudantes universitários brasileiros justificaram que tiveram seus níveis de estresse e ansiedade aumentaram por consequência de ter que passar por esse período.
A pesquisa também mostra que 76% dos universitários brasileiros declaram que a pandemia trouxe impacto na saúde mental, o maior índice registrado entre os países analisados.
Dentre os países ouvidos, o Brasil foi o que teve mais estudantes declarando ter desenvolvido problemas psicológicos. A pesquisa aponta que 61% dos universitários afirmaram ter dificuldade de pagar as contas. A média entre os outros países é de 53%. Entre os problemas relatados, 40% afirma ter dificuldade para quitar serviços públicos, 25% com alimentação, 25% com contas médicas, e 19% com aluguel ou hipoteca.
Também foi destacado que os principais desafios que a geração irá enfrentar são três principais pontos: a desigualdade (34%), a dificuldade de acesso a empregos de boa qualidade (24%) e a garantia de educação de qualidade para os mais jovens (14%)
O que desencadeia esse quadro?
A Psicóloga Escolar e Educacional Laynara Cardoso, em conversa com a equipe do Lab Notícias, busca esclarecer os motivos que levam a essa pressão acadêmica. Ela disserta sobre o novo ambiente ser um dos fatores que contribui para esse quadro, conta que a mudança de ambiente gera um choque no estudante, pois ali ele é autônomo não há pessoas para cobrarem o que ele deve fazer, ele vai precisar assumir responsabilidades maiores, “na universidade é você que é responsável pelo seu ensino, eu digo de fazer as atividades e os trabalhos, ninguém vai estar te cobrando, se você não fez, você não tem nota, e se você não tem nota consequentemente você vai demorar a receber um diploma.”
Laynara ainda fala sobre os fatores além dos acadêmicos que podem adoecer os universitários, como o meio social, pois de acordo a psicóloga se o estudante está inserido em um ambiente doentio ele irá acabar adoecendo também, a autocobrança que leva a pensamentos como “eu preciso ser um bom profissional, eu preciso ser o melhor, preciso dar orgulho”, e também a cobrança da sociedade “ se ele só faz faculdade por que ele está se comportando assim?”, ela conta que há vários contextos que podem influenciar e se o estudante não souber identificar para procurar ajuda ele não irá conseguir lidar com isso.
Ela também fala sobre os estudantes que vem de fora, seja de estado ou de outra cidade, a psicóloga conta que geralmente eles vêm sem família, e chegam aqui sem aquele apoio familiar. E então começa uma realidade totalmente diferente, além de precisarem lidar com o novo ambiente acadêmico, precisam se acostumar com uma nova cidade, novos ciclos sociais, então acaba dando um choque de realidade que causa angústia e ansiedade, “sair daquele ciclo ali que ele estava confortável, que ele já sabia lidar e vir para um outro lugar, onde tudo é diferente e que só tem ele, é ele por ele, tudo isso vai acarretando uma série de desconfortos.”
Ao ser questionada sobre possíveis estratégias para a situação, Laynara diz que a mais eficaz e melhor é procurar um tratamento, um que o estudante consiga pagar ou de forma gratuita, e também entender que o estudante é um ser humano comum, que está passivo de errar, e entender pontos de como “nossa se eu estou aqui para aprender, então por que eu estou me cobrando?”, ela disserta sobre as pessoas precisarem falar, que o corpo necessita que solte, quanto mais você aprende dentro do corpo ele vai responder porque ele precisa liberar aquela sensação ruim, se a pessoa fala ela libera essa sensação e fica mais leve.
Gerenciamento de tempo
Os estudantes ao entrarem na universidade encontram um novo “universo”, são muitas as possibilidades, deslumbramentos e uma liberdade absurda que se é oferecida. Com todo esse “banquete” que é oferecido, eles acabam não conseguindo gerenciar o que é um dos fatores para a pressão que sofrem. Por esse fator a equipe do Lab Notícias entrou em contato com Isabella Siqueira, Psicóloga Organizacional, para descobrir quais seriam boas estratégias para contornar essas situação.
Ela conta que atualmente, desfrutamos do poder do imediatismo. Por ter acesso a informações, experiências e pessoas de uma forma muito rápida, e isso nos permite flexibilizar as prioridades das áreas da nossa vida a qualquer momento, e ter clareza do objetivo final acadêmico (nesse caso), possibilita definir as etapas de como finalizar esse processo e com grande redução de danos.
Isabela fala que é importante identificar suas afinidades e avaliar suas habilidades e competências. Quando se inicia uma graduação se tem contato com diversas áreas, e no dia a dia se identifica mais com algumas matérias/abordagens do curso e menos com outras, com isso já se consegue definir o primeiro crivo. E é importante entender que mais que goste de algo, nem sempre essas serão as habilidades inatas. É preciso se perguntar: O quanto irá se dedicar ao desenvolvimento dessa competência, não pode esquecer que dedicação leva tempo, persistência e compromisso.
Quando falamos sobre outros fatores como trabalhos ou estágios e a vida pessoal, a psicóloga fala sobre ser impossível dizer que não levamos problemas de casa para o trabalho/faculdade/relacionamentos e vice-versa, mas é importante assumir esses papéis em seus respectivos momentos. Lembrar que naquele momento se está assumindo o papel de acadêmico(a), e busca focar 100% da atenção e energia nas entregas da faculdade; se em outro momento se assume o papel de estagiário(a) colaborador(a), se foca 100% a atenção nessas entregas. E ressalta, “sempre vai dar certo? Não. Somos humanos, e quando percebemos, já estamos pensando inconscientemente em outras atribuições que não são aquelas que preciso executar. Mas se lembrar dos papéis a serem exercidos e buscar o foco conscientemente, auxiliará nesse processo.”
Programa Saudavelmente
Atualmente os estudantes da universidade federal de Goiás (UFG) contam com o programa Saudavelmente, que é um serviço de saúde mental que atua como acompanhamento terapêutico e ações de promoção da saúde (rodas de conversa, palestras, orientações, entre outras).
O programa visa o acolhimento de todos o estudantes da UFG que procuram algum tipo de ajuda em saúde mental, dando prioridade aos estudantes com condição socioeconômica vulnerável e em risco. Para participar do programa, os estudantes devem se inscrever para o Acolhimento, que é um primeiro atendimento individual. É possível encontrar informações adicionais no site do programa fornecido pela Pró- Reitoria de assuntos estudantis (PRAE-UFG).“