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Os “Zoomers” — apelido dado à geração Z, formada por pessoas nascidas entre o final dos anos 1990 e os anos 2010 (com variações entre 1995 e 1998, dependendo do estudo) — têm sido cada vez mais alvo de críticas no mercado de trabalho e em debates online sobre o tema.
Entre as diversas discussões, algo que se destaca é um ritmo constante na publicação de reportagens e matérias jornalísticas que tratam sobre a presença desses jovens no trabalho de forma negativa.

Em alguns dos casos, esses textos vem acompanhados de termos em inglês, que expressam supostas novas tendências da geração Z no mercado de trabalho e, por conta de conteúdos absurdos, acabam se tornando memes.

“Job Ghosting“, “Polywork“, “Quiet Quitting” e “Task Masking” são exemplos de termos estrangeiros associados à comportamentos dos Zoomers dentro do ambiente do trabalho. E naturalmente passam a ser tratados com a mesma ironia pelos usuários das redes sociais.
Além do uso excessivo de termos em inglês quando o assunto é tratado, as frequentemente chamadas de “novas tendências da Geração Z” passam a contribuir diretamente para a consolidação de estereótipos sobre o comportamento dessa ampla porcentagem de trabalhadores ativos dentro do mercado.
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Clique nos termos em inglês encontrados nas matérias sobre o assunto para ver uma rápida definição
De acordo com o Metrópoles, estimativas da consultoria McKinsey apontam que a Geração Z já responde por 27% da força de trabalho global, com esse percentual podendo chegar a 30% nos próximos 5 anos.
Dessa forma, essa faixa tão grande dos trabalhadores vem sendo retratada pela imprensa como “desafiadora”, “questionadora”, “insubordinada” e até mesmo “inexperiente”, característica que costuma vir acompanhada por um discurso profundamente etarista.
Apesar de normalmente ser associado a discursos negativos e preconceituosos em relação a idosos, o etarismo trata-se, segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de “Discriminação etária e geracional é qualquer tipo de preconceito baseado na idade cronológica e pode ser manifestada de diversas formas em situações do cotidiano, como na desvalorização da experiência dos mais velhos e na falta de oportunidades para os mais jovens“.
Isso tem se traduzido na realidade do jovem trabalhador?

Guilherme Gomes (21) é estagiário de educação física, já tendo trabalhado em supermercados e na área de vendas. Para ele, receber matérias como as citadas em suas redes sociais é frequente, passando a observar esse tipo de texto chegando até ele através de perfis que nem mesmo segue.
Analisando brevemente seus trabalhos anteriores, é fácil de se chegar a uma conclusão brutal sobre as ofertas de emprego que viveu: “São trabalhos em que você vai dar sua vida, de domingo a domingo, para receber um salário mínimo e fazer uma função que nem é sua. Eu já trabalhei em supermercado, sei bem como é que é.”
Ao ser perguntado sobre algum tipo de experiência em relação a qualquer tipo de constrangimento ocorrido tanto com ele, quanto com colegas, a resposta vem rápida: “Já passei por isso em todo serviço, todo serviço… não tem o que fazer.” — Enquanto trabalhava como vendedor, presenciou o caso de um colega que era constantemente prejudicado por um superior, sendo mal avaliado (mesmo com o melhor desempenho entre os vendedores) e tendo sua função desviada, pois sua eficiência parecia ameaçadora: “[o superior] sabia que ele iria tomar o seu cargo”.
Situações como essa eram frequentes na vida de Guilherme enquanto estava na área de vendas, chegando até mesmo a gerar conflitos dentro do ambiente de trabalho: “[já aconteceu de falarem] pô, ele é jovem, sabe de nada, não. Já ouvi: você vai acreditar mais nele do que em mim? — isso vindo de uma pessoa mais velha.”
Visão de empreendedores

Reinaldo de Souza, que já toca o Pet Shop Tchutchucão há 18 anos e para Mauro Tavares, dono da Academia Tavares há 17, são empreendedores de Goiânia que possuem relatos e vivências parecidas quando se diz respeito à experiências com contratados da geração Z.
Em entrevistas individuais, ambos relataram que hoje a maioria de seus funcionários são da geração Z (dos sete funcionários de Reinando, cinco são Zoomers — dos dez funcionários de Mauro, sete pessoas são dessa geração).
Contrariando grande parte das matérias que abordam o assunto (como as já citadas), Mauro não enxerga uma mudança notável no trabalho de funcionários da geração Z em relação aos trabalhadores mais velhos e diz também que nunca teve nenhum problema com os jovens que trabalham em sua empresa.
Apesar disso, nota que o caso de sua empresa parece ser um ponto fora da curva: “Pra mim, se eu levar o meu universo como um fato real, seria uma grande inverdade sobre o que falam sobre a geração Z… Em partes eu diria que o meu caso é uma exceção, porém eu não diria que o que eu vejo nas redes sociais, ou relatos de colegas e amigos empresários são exageros.”
A contratação tem sido um problema

Para eles, o o ponto mais problemático e desafiador está na hora da contratação desses funcionários. Segundo Reinaldo, em sua outra unidade, localizada no Setor Marechal Rondon, teve problema em achar um funcionário qualificado, ficando cerca de 60 dias nesse processo de busca até firmar a contratação de um novo empregado.
Ele cita que outros problemas para a contratação vem da situação atual em relação ao contratante, citando também a dificuldade de lidar com a alta taxa de impostos. O problema de contratação vai além da busca pelos possíveis novos funcionários e se estende para o momento em que patrão e (possível) contratado se encontram: “A pessoa vem aqui querendo trabalhar, mas quando você começa a falar com a pessoa ela parece que não sabe nem conversar. Ela não sabe nem te explicar o que ela quer fazer.” — complementa Reinaldo.
Mauro cita experiências parecidas, enquanto não teve nenhum problema com funcionários da geração Z após a contratação, nas entrevistas de emprego o cenário é bem mais complicado: “Acontece muita dor de cabeça é na seleção. Na seleção é complicado, hoje mesmo estou com um anúncio para estagiário, tem um [interessado na vaga] que manda mensagem às uma da manhã. É um anúncio, um panfleto explicando a vaga, e ele não sabe o que é estágio.”
Em um tom um pouco mais cômico, Mauro contou até sobre “uma vez que um candidato pra vaga de estágio veio fazer a entrevista e trouxe a mãe junto […] Eles as vezes não tem muita noção das responsabilidades das coisas.”
Contraponto

Anna Clara Pires (22), profissional da área de Relações Internacionais, diz que “vagas de emprego absurdas é o que eu mais vejo dentro da minha área“. Exemplificando que todo esse processo entre a vaga de emprego ser publicada e a contratação tem sido estranho também para quem está buscando, e não somente para os patrões.
“Como as Relações Internacionais se tratam de uma área muito interdisciplinar, as vagas tendem a esperar que você faça muito mais do que você faria em outras áreas. Você vai tentar conseguir um cargo júnior em uma situação hipotética, dentro da minha área, normalmente vão exigir experiências relativas a um cargo sênior, como a fluência em três idiomas ou mais, ou o pré-requisito de algo como duzentas horas já trabalhadas na área.” — Isso tudo, claro, com um salário proporcional apenas a um funcionário de nível júnior, ou em suas palavras: “um salário patético.”
Existe uma frequência grande de posts com viés de ataques à geração Z chegando até ela, sobretudo no que chamou de “formas de comunicação mais direta”, como o X (antigo Twitter). Exemplificou dizendo que “aparecem muitos posts falando que essa geração não se engaja em muitos empregos pois são mais preguiçosos ou não querem se comprometer propriamente com o trabalho.”
Em sua visão, esse discurso mostra uma visão de que o vínculo empregatício não é interessante aos olhos dos jovens. Porém, particularmente, como alguém da geração Z que está já está no mercado de trabalho há três anos, a realidade em sua visão é ainda mais complexa: “a gente já chegou a um nível de exaustão, e massificação do trabalho tão grande que é como se não valesse a pena em comparação a uma época anterior.”
Citada a questão da exaustão, segundo o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), em uma pesquisa que investiga o desligamento voluntário de trabalhadores, referente ao ano de 2024, o adoecimento mental pelo estresse do trabalho alcançou 26% dos jovens de 18 a 24 anos que se demitiram nesse ano.

Esse estudo, disponível no site gov.br e apresentado no dia 29 de abril pela subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho do MTE, Paula Montagner, durante o evento Empregabilidade Jovem Brasil, promovido pelo CIEE, em São Paulo, ainda fornece dados interessantes, mas que devem ser analisados com cuidado.
Segundo a pesquisa, no último trimestre de 2024, o Brasil registrou 14,5 milhões de jovens ocupados, superando os 14,2 milhões observados no mesmo período de 2019, antes da pandemia. Contudo, é muito importante ressaltar a palavra “ocupados“, que não pode ser lida aqui como um sinônimo de empregados, isto é: não se trata, necessariamente, de jovens empregados dentro do trabalho formal, com carteira assinada, e que desfrutam de direitos trabalhistas.
Para Anna Clara, tanto o aparente desânimo dos Zoomers, quanto a precarização do trabalho, não se tratam de um problema exclusivo da geração Z, mas passam a ser um sintoma de uma situação em que nos encontramos no mundo atual, podendo ser exemplificados pelo “capitalismo tardio” e “problemas ambientais“.
Em sua visão tudo isso corrobora para colocar essa geração em “uma redoma de escassez e cansaço tão gigante que, de certa forma, fica difícil que as prospecções de trabalho sejam claras e que a gente tem algum tipo de interesse a longo prazo em relação a isso, ou que mesmo a gente veja um futuro dentro do trabalho.”
Perspectiva positiva
Anna Clara, a partir de suas experiências profissionais, vai contra as definições de estereótipos da geração apelidada de forma pejorativa como “nem-nem” (nem trabalha, nem estuda). Para ela, a geração Z se trata de jovens que, idealmente, “tem muito bem definido o que quer, o que precisa e como quer chegar“, dessa forma, a esperança é que o mercado passe a cada vez mais se moldar em relação aos funcionários que estão chegando por agora, e não o contrário.
“As empresas precisam se flexibilizar mais em relação a como vão receber essas pessoas. Se você [como contratante] não prover o básico em relação a benefícios, ou algo nesse sentido, essas pessoas não vão ser quem facilmente se adaptar ao que é proposto ali [nessas vagas]. Não acho que será 100% assim, ou que vai ser uma mudança estrutural de um dia para noite, mas acho que as pequenas coisas do dia-a-dia dentro do trabalho vão se adaptando para esse público, até para que o trabalho seja mais chamativo para eles.”