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Em O Holocausto Brasileiro, livro-reportagem da jornalista Daniela Arbex, são retratadas milhares de pessoas, mais precisamente 60 mil, vítimas de uma das maiores atrocidades cometidas contra os brasileiros: o manicômio Colônia, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais.
A jornalista traz relatos de sobreviventes do hospital para loucos, que saiam de lá sem vida ou chance de entender o porquê de estrarem naquele lugar. Mulheres adúlteras, adolescentes grávidas, surdos, pessoas autistas, negros, homossexuais, todos eram descartados no Colônia.
Embarcavam no “trem de doido”, sem saber o destino: um abismo para a morte, sem quê, nem por quê. Eram pessoas marginalizadas pela sociedade para não manchar nome de famílias nobres, entregar maridos que traíam as esposas, jovens que perderam a virgindade com um homem que não fosse seu noivo, filhos bastardos ou pessoas livres que escolheram amar alguém do mesmo sexo.
Pessoas inocentes eram dadas como loucas e entregues para um manicômio para morrer. Pessoas que só queriam ser livres e donas de seus próprios corpos, eram obrigadas a enfrentar julgamentos e ordens de loucos.
Caso você, caro leitor, ache que isso aconteceu há centenas de anos, saiba que o Colônia existiu por volta dos anos 60, tempo da Bossa Nova, Movimento Hippie e momento mais crítico da Guerra Fria. Tempo em que pessoas lúcidas, começaram a ditar o que inocentes deveriam fazer com seu corpo e entregar sua alma a um Deus não tão piedoso.
Quase 60 anos depois do Colônia, em 2022, as pessoas não querem falar sobre manicômio e de pessoas lúcidas-dadas-como-loucas. No entanto, quase 60 anos depois, as pessoas-de-bem continuam julgando e decretando ordens para pessoas inocentes, em nome de um Deus mais piedoso, mas menos criterioso.
Um Deus que não quer saber sua história, cor da sua pele ou do seu direito sobre o seu corpo, apenas um Deus que defende a vida, o supro-master-blaster vida, ou melhor, a vida de um bebê ainda na barriga. Em 2022, as pessoas querem condenar uma mulher ao Colônia e ao inferno, por querer um direito: abortar com segurança.
Recentemente, a atriz Klara Castanho parou a internet ao anunciar que foi vítima de um estupro e que por isso doou a criança, fruto deste crime. Em troca, a jovem recebeu contragolpes de milhares de pessoas que disseram que isso não era o certo. Que a mulher violada deveria cuidar da criança, gerada em seu corpo, por conta de uma atitude sem escrúpulos de um homem irracional.
O tal caso da atriz levantou uma discussão que muitas pessoas evitam de falar e outras preferem apenas opinar, sendo contra ou a favor. Mas é um tal caso tão recorrente entre as mulheres que, ricas ou pobres, todas escolhem doar, legalmente, ou abortar, ilegalmente.
No Brasil, segundo o governo federal, uma mulher morre a cada dois dias por conta de um aborto inseguro. Essa é uma das principais causas de mortes maternas do país, principalmente quando se trata de mulheres negras e carentes.
Até que ponto as pessoas vão palpitar sobre o corpo da mulher e sua liberdade de escolha? Até que ponto, vão deixar inúmeras mulheres pretas nas favelas abortarem em becos e amantes de ricos deputados terem acesso a clínicas clandestinas, mas especializadas?
O aborto no Brasil é uma questão de saúde pública. 1 milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos e levam 250 mil mulheres à hospitalização, segundo o Ministério Público em 2018. A criminalização não vai impedir elas de abortarem, por isso, não é hora de falar de céu ou inferno. É hora de falar sobre as 250 mil hospitalizadas e as milhares que morrerem diariamente sem um amparo hospitalar.
O Brasil precisa abrir os olhos e aceitar que inúmeras mulheres, todos os dias, doam e abortam, por conta de crimes, por ausência de condição, por medo, por falta de preparação, por simplesmente não querer. Porém, inúmeras mulheres ainda são vítimas de pensamentos de loucos-coloniais, que só querem julgar e determinar os pedidos de Deus, sem pensar em porquês ou na vida desta que possui o ventre.
Inúmeras mulheres ainda são dadas como loucas e entregues a um manicômio sem muros, entrando em um “trem de doido” sem fim da linha. São mulheres que só queriam ser livres e donas de seu próprio corpo.
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