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GABRIEL RODRIGUES
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As eleições estão chegando e volta a surgir no horizonte uma esperança vacilante: as pesquisas de intenção de voto, como a mais recente (23 de junho) do Datafolha, que aponta para uma vitória de Lula, com 47% contra 26% de Bolsonaro. O presidente lida com queimaduras de terceiro grau em sua imagem já muito abalada por escândalos que vão da rachadinha, passando pelo superfaturamento de vacinas contra o corona vírus, à prisão de Milton Ribeiro, enquanto o valor de necessidades básicas como o gás de cozinha e o combustível batem recordes consecutivos. As tentativas de restauração da popularidade de Bolsonaro também parecem ter sido um tiro no pé: o auxílio no valor de R$400,00 aos caminhoneiros sofreu extrema rejeição pela categoria que o apoiou em peso nas eleições de 2018 e que vê o aumento do tal auxílio para R$1000,00 como uma reparação não mais que obrigatória.

Às vistas de muita gente que já decidiu votar em Lula, por preferência ou necessidade, basta manter crentes os que já foram convertidos, uma vez que a incompetência de Bolsonaro fala por si só em um exagero de obviedade que dispensa análises ou debates: quem persiste em apoiá-lo, o faz por interesse próprio ou por uma densa estupidez aliada a teimosia, desumanidade e/ou arrogância, situações em que a argumentação é inútil. Embora este raciocínio se aplique à parcela mais fervorosa e barulhenta de bolsonaristas ferrenhos, ele falha em representar realisticamente a totalidade do eleitorado. Na mesma pesquisa do Datafolha, mencionada anteriormente, há uma diferença de 16% entre os indecisos ao serem perguntados em quem votariam sem opções preestabelecidas (27%) e ao serem abordados com os nomes dos candidatos (somando os brancos aos que não sabem: 11%). Estes números apontam para a existência de uma parcela relevante do eleitorado que pode mudar de ideia ou ainda não se decidiu. 

Abordar essa galera pode ser complicado, no entanto. Frequentemente, ambos os lados de uma discussão incorrem em falácias argumentativas. Destas, vale ressaltar a chamada falácia do espantalho: um interlocutor se indispõe a compreender os argumentos do outro e cria um espantalho –  ou, em outras palavras, uma caricatura da pessoa e de suas ideias. Esse simulacro então se torna o alvo do ataque argumentativo. Um exemplo disto é quando alguém, ao defender a redução da jornada de trabalho e o aumento do salário mínimo, é taxado como um preguiçoso que deseja tudo fácil ou como um comunista cujo maior sonho é destruir a nação. É bem óbvio que as falácias geram um sentimento de ataque pessoal, uma desconfiança quanto à honestidade do outro e rapidamente evoluem para discussões incineradas, com muitas ofensas e pouca abertura para a mudança de ideias – o que era, afinal, o objetivo da coisa inteira. 

Alguns conceitos da psicologia comportamental também podem explicar o sucesso ou o fracasso das discussões sobre política, entre eles o viés de confirmação, nome que se dá à tendência que a mente humana possui de buscar e aceitar como verdade informações que reforcem o que a pessoa já pensa. De forma a evitar o sentimento de desconforto causado pelo enfrentamento das contradições entre as próprias ideias e as de outros, ou mesmo, entre o que se pensa e a realidade. Outro conceito relevante é o efeito de Dunning-Kruger, que ocorre quando um indivíduo, justamente por ter pouco ou nenhum conhecimento em um determinado assunto, é incapaz de se auto avaliar de forma precisa, tendendo a superestimar as próprias habilidades. Um exemplo em que ambos os fenômenos ocorrem simultaneamente é a defesa, por parte de cidadãos comuns, do restabelecimento da ditadura civil-militar. Observa-se a conexão com valores morais já estabelecidos, como ordem, disciplina e justiça, bem como a ignorância ou resistência a informações que desfazem essa conexão (corrupção, assassinatos, tortura e impunidade durante a ditadura). Tudo isso enquanto se equipara as próprias ideias às de historiadores e cientistas políticos e sociais. 

Apesar de tudo isso, a mudança de ideias não só é possível, como também pode ser observada no aumento da reprovação ao governo de Bolsonaro ao longo do mandato. Certamente ninguém muda de ideia sendo constrangido ou ofendido, mas sim quando exposto a informações verdadeiras que façam sentido e dialoguem com seu sistema de valores. Por exemplo, a preservação da vida. Bolsonaro não apenas fez uma gestão terrível durante a pandemia como também minimizou várias vezes as suas consequências, inclusive a morte de crianças. Essa é uma posição que dificilmente será compartilhada por uma pessoa com a qual valha a pena discutir.

Por mais clichê que seja, o processo argumentativo deve ser construtivo e não destrutivo. É muito mais fácil convencer alguém a mudar a decoração de casa ao visitá-lo/a, trazer um presente que ela aprecie e, com educação, jogar sugestões no ar do que, ao arrombar a porta, dizer que tudo não presta e tentar destruir objetos e substituí-los. O implícito desta analogia é que não se faz visitas onde não se é bem-vindo. As maiores chances estão em familiares e amigos que estejam abertos a escutar. Mesmo assim, é preciso entender que este processo leva tempo e pode não ser bem sucedido. Mas é fundamental para minar pouco a pouco as bases moralistas do bolsonarismo e garantir a sua derrota no primeiro turno em outubro.

4 thoughts on “Como e com quem discutir política?”

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