Cinema Documentário Brasileiro: cenário atual

Em comemoração a semana em que é celebrado o Dia Nacional do Documentário Brasileiro, por que assistir essas produções?
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O Dia Nacional do Documentário Brasileiro é comemorado no dia 7 de agosto, instituído em homenagem ao aniversário de Olney São Paulo pela Associação Brasileira de Documentaristas (ABD). O cineasta foi um dos precursores do cinema documentário brasileiro e foi preso e torturado por seu filme “Manhã Cinzenta” durante o período da Ditadura Militar.

A data é então usada para celebrar as produções nacionais, ao mesmo passo que dá visibilidade a elas. Entretanto, ainda é pouco conhecida pela população em geral, sem ter destaque nos jornais. Esse é um problema apontado pela doutora em Antropologia e professora das disciplinas de audiovisual no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás, Fernanda Ribeiro de Lima:

A existência dessa data é válida, a gente tem excelentes produções nacionais de documentário e acho que precisava dar mais destaque, falta uma cobertura mesmo da imprensa, dos jornalistas em cima desse trabalho que é feito pelos nossos documentários e que é muito vasto. Mesmo durante esse último trágico Governo Federal, muita coisa boa foi produzida e precisa da nossa divulgação.

O financiamento

A doutora ressalta a importância de políticas de incentivo, como a Lei Rouanet, em nível nacional, e a Lei Goyazes, em nível de estado. Ainda há a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que também contempla a produção de documentários. Entretanto, uma produção audiovisual a partir dessas leis de incentivo à cultura é submetida à burocracia intensa, sendo exigido que o pré-roteiro já esteja pronto.

O tempo de abertura dos editais geralmente é de 30 a 60 dias para que seja feita a inscrição que será analisada por uma banca e todo projeto, depois de aceito, é submetido à prestação de contas.

O que é a Lei Rouanet?

De acordo com informações da Secretaria Especial da Cultura, é a “principal ferramenta de fomento à Cultura do Brasil, a Lei de Incentivo à Cultura contribui para que milhares de projetos culturais aconteçam, todos os anos, em todas as regiões do país. Por meio dela, empresas e pessoas físicas podem patrocinar espetáculos – exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural – e abater o valor total ou parcial do apoio do Imposto de Renda.”

O que é a Lei Goyazes?

Segundo o site do Governo de Goiás, “publicada em 16 de maio de 2000, a Lei n° 13.613 instituiu o Programa Estadual de Incentivo à Cultura – Goyazes, que objetiva:

  • preservar e divulgar o patrimônio cultural, histórico e artístico do Estado;
  • incentivar e apoiar a produção cultural e artística relevante para o Estado de Goiás;
  • democratizar o acesso à cultura e o pleno exercício dos direitos culturais, garantindo a diversidade cultural, e
  • incentivar e apoiar a formação cultural e artística.”

E a Lei Municipal de Incentivo à Cultura?

No site da Prefeitura de Goiânia, é informado que:

“A Lei Municipal de Incentivo à Cultura oferece incentivo fiscal para empresas da capital goiana, que se dispor a fomentar projetos culturais.

Ela permite que o contribuinte utilize 100% (cem por cento) de seu Recibo de Investimento para pagamento de até 50% (cinquenta por cento) do IPTU ou ISSQN por ele devido.

O principal intuito é oferecer recursos financeiros a projetos artísticos. Por meio dela, profissionais e grupos de diversas áreas da arte têm conseguido capital para se desenvolver e realizar filmes, projetos musicais, peças teatrais e todos os tipos de manifestações culturais.”

Outro caminho possível é através das plataformas de streaming. “Quando você tem uma ideia legal de documentário, vale a pena, se você não tem dinheiro para poder bancar a produção, tentar oferecer o projeto para as plataformas de streaming, como Globoplay, Netflix e várias outras. Essas plataformas aprenderam que os documentários, além de ser um conteúdo legal, novo e às vezes exclusivo, têm muito para oferecer pro assinante. As pessoas se adaptaram mais a assistir documentários depois da pandemia”, relata Fernanda.

Ressalta-se que a produção audiovisual é cara, pois depende de equipamentos, como câmeras, microfones e iluminação. Porém, segundo a professora, dependendo do propósito do documentário, dá para ser mais criativo com os recursos escassos, como utilizar o celular (um recurso mais acessível) para construir a estética. O ideal é que haja os equipamentos e recursos financeiros, que podem ser captados através dos métodos mencionados anteriormente.

De acordo com os dados abertos de 2023 da Ancine (Agência Nacional de Cinema), dos 873 documentários que constam como “Obras Não Publicitárias Registradas na Ancine”, apenas 99 foram realizados com a Lei de Fomento e 35 produções foram com o Fundo Setorial do Audiovisual.

Como funciona o roteiro de um documentário?

De acordo com a professora Fernanda Ribeiro, as pessoas têm a falsa ideia de que documentário é apenas gravar a realidade, quando na verdade há a pré-produção e exige-se um planejamento muito grande. O planejamento otimiza tempo e recursos financeiros, existindo, ao contrário do cinema, dois roteiros:

  • Roteiro de gravação: depois que é decidido qual história vai ser contada, é feito um levantamento de informações sobre o tema e pensado quais são os personagens e os cenários em que serão colocados, além de planejar a melhor forma de captar as imagens e áudios;
  • Roteiro de edição: é analisado o que foi gravado e captado, muitas vezes tendo sido extraídas informações que não se esperava no roteiro de gravação, podendo ter mais destaque do que se imaginava inicialmente.

A produção etapa por etapa

A doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás e editora-geral da TV UFG, Kamyla Maia, se interessou por cinema documentário durante sua graduação através do coletivo Magnífica Mundi e analisou festival de cinema documentário para seu mestrado. Ela explica as cinco etapas de um documentário:

Como produzir um documentário? de acordo com a drra. kamyla maia
ETAPA 1: pRÉ-PRODUÇÃO
DEFINIR A ABORDAGEM ESPECÍFICA, ESTUDAR O ASSUNTO, REALIZAR PESQUISAS, PENSAR A MELHOR FORMA DE CONTAR A HISTÓRIA
ETAPA 2: PRODUÇÃO
PENSAR LOCAÇÕES, PESSOAS QUE SERÃO ENTREVISTADAS, CENAS DE APOIO, SE HAVERÁ INTERAÇÃO DO CINEASTA NA REALIDADE E A REALIZAÇÃO DOS AGENDAMENTOS
ETAPA 3: GRAVAÇÃO
FILMAR AS CENAS, COMO AS ENTREVISTAS, AS IMAGENS DE APOIO, A DRAMATIZAÇÃO
ETAPA 4: PÓS-PRODUÇÃO
PRODUÇÃO DO ROTEIRO DE DECUPAGEM, EM QUE É PENSADO A LINHA DE CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA ATRAVÉS DO MATERIAL GRAVADO
ETAPA 5: eDIÇÃO
HÁ A FINALIZAÇÃO DO MATERIAL, EDITANDO O VÍDEO E O ÁUDIO

Ela salienta que é necessário ter um cuidado na hora de se contar a histórias, já que são pessoas reais que estão sendo retratadas e a forma como se utiliza a imagem dessas pessoas pode interferir na maneira como elas vivem e em sua realidade.

Documentário no Brasil

A Dra. Kamyla Maia conta que no governo Collor (1990-1992), as políticas de incentivo à cultura foram cortadas e chegou-se a não produzir nenhum filme no Brasil, afetando o cinema documentário. Para se produzir cinema, precisa-se de um nível de investimento para conseguir bons equipamentos e bons profissionais. Assim, o problema atual com as verbas destinadas para a produção audiovisual, principalmente documental, não é algo recente.

Sobre a importância do cinema documentário no Brasil, ela diz:

O nosso cinema documentário tem uma marca forte na discussão de temas que marcam a nossa realidade, em discutir as nossas mazelas desde os primórdios, quando ele se estabelece mesmo como uma narrativa. [Após isso,] deixa de ser apenas para registrar imagens do país, ele sempre tenta falar sobre essa realidade, falar sobre temas preocupantes, como desigualdade e violência. E é uma produção, que assim como outras artes, foi censurada e combatida durante o Regime Militar.

Produções para conhecer o Cinema Documentário brasileiro

Petra Costa como uma filmadora na mão
Petra Costa, diretora de “Democracia em Vertigem“. Foto: Diego Bresani

Para quem não tem contato com essas obras, a professora Fernanda Ribeiro Lima recomenda:

  • Ilha das Flores“, disponível no Youtube e no Telecine Play;
  • Ônibus 174″, disponível no Telecine Play;
  • Democracia em Vertigem” disponível na Netflix;
  • Olhos de Ressaca”, disponível no Youtube;
  • e “Quem matou Eloá?.

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