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Muitas relações familiares são atravessadas por dor e sofrimento, muitas vezes causadas pelas próprias pessoas envolvidas. Abandono, morte e abuso, tudo isso se transformam em traumas que vão marcar e trazer problemas para os relacionamentos futuros. Para que isso não aconteça muitas pessoas defendem o uso da Constelação Familiar Sistêmica, por prometer benefícios rápidos e eficientes.
Porém, é importante salientar que a prática não tem comprovação científica e não é reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia(CFP), nem pelo Conselho Federal de Medicina(CFM).
O que é a Constelação Familiar?
A constelação familiar é uma prática que busca resolver conflitos familiares, alguns que até atravessam gerações. Durante as sessões, que podem ser em grupo ou individual, são recriadas situações em que o constelado (como é chamado o paciente nas sessões) trabalhará os sentimentos e sensações envolvendo sua família.
Para a recriação das cenas o constelador (como é chamado o terapeuta) utiliza-se de bonecos em sessões individuais, ou de voluntários em sessões de grupo. Após delimitar quem são os representados naquela constelação há um trabalho de tentar solucionar os conflitos, trata-se de uma técnica subjetiva e empírica, não existe uma comprovação científica dos métodos utilizados, por isso o CFP e outros especialistas não classificam essa prática como uma terapia.
A prática foi criada e difundida na década de 1980 por Bert Hellinger (1925-2019), que foi um filósofo e teólogo alemão.
Diferença entre Terapia Familiar Sistêmica e Constelação Familiar Sistêmica?
Para entender a diferença dessas duas abordagens é preciso, primeiramente, saber em quais princípios elas se baseiam. Segundo o artigo “A constelação familiar é sistêmica?”, das psicólogas Sueli Marino e Rosa Maria S. Macedo da PUC-SP, o pensamento sistêmico se baseia em três coisas: complexidade, instabilidade e intersubjetividade. O princípio da complexidade considera as múltiplas facetas e a importância do contexto no estudo de um acontecimento. A instabilidade diz sobre a forma imprevisível em que a vida se comporta, já que ela passa por diversas mudanças. A intersubjetividade admite que a realidade depende de quem a observa, logo não se pode ter um conhecimento objetivo e único da vida.
Já a constelação familiar se baseia em alguns fatores: A “alma familiar” e as “ordens do amor”. A alma familiar, segundo o próprio Hellinger, seria uma alma comum, algo que nos une a nossa família, e influencia em nossa alma individual. As “ordens do amor” são três leis que vão explicar de forma objetiva como funciona o relacionamento familiar; A lei do pertencimento pressupõe que todos têm o direito de estar na família, estando vivos ou não; A lei da ordem afirma que os primeiros a chegarem tem preferência, sendo os filhos do primeiro casamento, os mais velhos pelos mais novos, a primeira esposa e assim por diante; A lei do equilíbrio pressupõe que o sistema familiar irá impulsionar os indivíduos, ali presentes, a agir de certa forma para equilibrar o sistema para que não ocorra nenhum problema.
Mesmo que as duas práticas carreguem o mesmo nome, a Terapia Familiar sistêmica é um método terapêutico comprovado cientificamente, e segundo ela a família não é um sistema, mas pode ser entendida como tal, já que não se analisa os indivíduos mas sim as relações, onde o terapeuta faz parte daquilo e não se coloca numa posição de entendimento total. Dessa forma, a Constelação familiar se distancia dessa prática, primeiramente por não ser um método comprovado cientificamente e reconhecido pelos conselhos de psicologia e medicina, e também durante sua aplicação o constelador busca entender as relações familiares a partir de pressupostos, tirando a subjetividade de cada caso e se colocando numa posição de superioridade em relação aos constelados.
Uso da constelação familiar no sistema judiciário e na saúde pública.
Com a finalidade de desafogar o sistema judiciário brasileiro, foi criado o Novo Código de Processo Civil em 2015, onde houve incentivos para o uso de métodos alternativos para a resolução de conflitos, dentre eles as audiências de conciliação e mediação e a constelação familiar. Mesmo sem uma comprovação científica e o aval do CFP essa prática vem sendo utilizada em processos de família. Por conta disso, um grupo de pesquisadores brasileiros enviou uma carta ao Ministério dos Direitos Humanos pedindo providências em relação a essa prática, segundo eles, pseudocientífica.
Mesmo que haja um incentivo de soluções alternativas no judiciário, não se encontra em todos os tribunais do Brasil práticas de constelação familiar, apenas cinco afirmam que utilizam: Tribunal de Justiça da Bahia(TJBA), de Minas Gerais(TJMG), de Santa Catarina(TJSC), de São Paulo(TJSP) e do Ceará(TJCE).
Segundo relatos, a prática da constelação familiar em alguns casos chega a ser imposta para as partes envolvidas, como aconteceu na 5° Vara da Família e Registro Civil de Recife, em um caso que tramita em sigilo sobre regulamentação de visitas, diz a juíza Wilka Pinto Vilela em despacho.
“Considerando, que este juízo vem aplicando o projeto ‘Um Novo Olhar para conciliar’ desde o ano de 2016, e através da Resolução de nº 410/2018 e Instrução Normativa do nº 23/2018 do Nupemec do TJPE, através da constelação sistêmica familiar que é uma ferramenta terapêutica muito útil, que atua dentro do sistema familiar indo na causa do problema apresentado com a finalidade de resolução dos conflitos. Considerando que o presente processo se encontra apto a julgamento e tendo o juízo que obedecer ao disposto do § 3º do art. 12 do CPC, Resolvo, por colocar o presente feito, para participar da PALESTRA VIVÊNCIA SOBRE CONSTELAÇÃO SISTÊMICA FAMILIAR, a ser ministrada por essa magistrada, enquanto o feito segue a ordem cronológica, deste modo, ficando as partes, convocadas para comparecerem a esta Unidade Judiciária no dia 17 de maio de 2019 às 09h00.”
Em entrevista ao site Consultor Jurídico, Mateus França, que é Mestre em Direito e é signatário da carta enviada ao Ministério dos Direitos Humanos, diz
“O que acontece em uma Constelação Familiar não são as partes se manifestando como elas se sentem, como elas acham que o conflito deve ser solucionado. O que temos é um ‘constelador’ que, analisando supostas informações vindas de um campo morfogenético, essa pessoa faz a análise do que aconteceu, a causa do conflito e a solução do conflito. Isso é muito diferente de se pensar nos meios consensuais”
Dentro da saúde pública brasileira as terapias de Constelação Familiar também são empregadas e indicadas. Na portaria n° 702 de 21 de março de 2018 do Ministério da Saúde está:
“A constelação familiar é uma abordagem capaz de mostrar com simplicidade, profundidade e praticidade onde está a raiz, a origem, de um distúrbio de relacionamento, psicológico, psiquiátrico, financeiro e físico, levando o indivíduo a um outro nível de consciência em relação ao problema e mostrando uma solução prática e amorosa de pertencimento, respeito e equilíbrio. A constelação familiar é indicada para todas as idades, classes sociais, e sem qualquer vínculo ou abordagem religiosa, podendo ser indicada para qualquer pessoa doente, em qualquer nível e qualquer idade, como por exemplo, bebês doentes são constelados através dos pais.”
Porém, o emprego dessa prática demonstra um grande risco a saúde mental dos constelados devido à sua falta de comprovação científica e metodologia aprovada pelo CFP, que em nota oficial publicada em março de 2023, diz
“Por fim, a inconsistência científica e epistemológica da Constelação Familiar, bem como a sua dissonância com o Código de Ética Profissional do Psicólogo e legislações profissionais, levam os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia a concluírem que a prática é, no momento, incompatível com o exercício da Psicologia […] Além disso, percebe-se que a Constelação Familiar tem potencial para fazer emergir conflitos de ordem emocional e psicológica tanto individuais quanto familiares, de modo que pode desencadear ou agravar estados emocionais de sofrimento ou de desorganização psíquica, exigindo assim um acompanhamento profissional psicológico e/ou psiquiátrico que não é oferecido durante as sessões.”