30 milhões de animais estão nas ruas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde

Leia agora entrevista com Patrícia Daunt, fundadora da Associação de Socorro e Proteção aos Animais de Itu
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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existiam cerca de 30 milhões de animais abandonados nas ruas do Brasil em 2022, sendo 10 milhões de gatos e 20 milhões de cachorros. Esses animais sofrem todo dia com o abandono, doenças físicas e mentais, fome e maus-tratos, sem ter voz para se defender eles dependem de iniciativas governamentais e ongs que trabalham com o resgate, cuidado e adoção.

Algumas delas, como a Associação de Socorro e Proteção aos Animais de Itu (ASPA Itu), fundada por Patrícia Gollitsch Daunt em 2006, com o objetivo de socorrer, abrigar e promover a adoção desses animais. Para entender melhor essa questão, conversamos com a fundadora da ONG ASPA Itu.

Saúde e Cuidados

No Brasil, uma das maiores causas de abandono são problemas comportamentais e a falta de espaço, mas é preciso ter consciência do que esse animal pode sofrer enquanto está na rua e os riscos tanto para a sua saúde mas também os riscos para a saúde dos humanos.

“A gente tem que levar em conta que quando ele está com a família, que ele já foi castrado, que ele já foi vacinado, que ele tem toda uma boa alimentação. A partir do momento que ele é abandonado, ele não tem mais nada disso, então ele vai estar sujeito a sarnas, carrapatos, ao mau tempo, a falta de alimentação, a sede e a fome[…]Esses ‘animaizinhos’ podem transmitir zoonoses para os seres humanos, como a sarna e a doença do carrapato.”

As doenças físicas são muito graves quando se pensa em animais abandonados, pois estão extremamente vulneráveis, mas algo que é pouco discutido e muitas vezes negligenciado por tutores é a saúde psicológica desses animais. Viver acorrentado, passar fome, sede, frio, ser abandonado por alguém em que se confia gera diversos traumas e da mesma forma que sofremos psicologicamente os animais também sofrem, desenvolvendo depressão ou medo de seres humanos que acaba se convertendo em muita agressividade.

“Em 18 anos de abrigo, nós já tivemos animais com todos os tipos de problemas, inclusive animais que chegaram em depressão, conseguiram sair e foram adotados. Animais que chegam, são adotados e são devolvidos porque não conseguem passar por essa fase e animais que entram em depressão e vão a óbito, porque não conseguem superar o fato do abandono. O ser humano não entende que o animal tem sentimento. Grande parte da população não entende que o animal é um ser consciente, é um ser que sente dor, sente fome, sente frio, sente medo.”

Cães e gatos, quando vão para abrigos ficam a espera de serem adotados e acolhidos por uma família, e que assim possa pôr um fim em todo o sofrimento, mas mesmo assim não pode haver uma procura por esses animais sem ter a consciência de que eles precisam de cuidados e muitas vezes de um grande período de adaptação. Para que não ocorra uma adoção de forma irresponsável e depois eles acabem voltando para o abrigo ou para as ruas. Conversando com Patrícia ela nos conta um relato que aconteceu dentro da ong.

“Marley foi resgatado há mais ou menos 20 dias. Chegou na associação aparentemente normal, podíamos doar. De repente ele começa a ficar tristinho, não quer comer, fizemos um hemograma e ele está com uma anemia muito forte. O que acontece? Ele não recebe as vacinas adequadas, ele pega uma carga de carrapatos muito grande, ele fica um tempo muito grande sem se alimentar e acaba contraindo a doença do carrapato. Então a gente tem que tentar resolver esse problema, que isso mata o cachorro. Esse é o caso do Marley, lá do abrigo. E essa família adotou o Marley e eles amaram o cachorro. Eles querem o cachorro, então eles estão com plena consciência que o cachorro precisa ser tratado e é um tratamento longo, demorado e caro e nós vamos tentar salvar a vida do Marley para que ele possa viver feliz com essa família.”

Cada dia mais a medicina veterinária avança e se torna algo tão necessário quanto a medicina convencional, Patrícia comenta diversas vezes sobre a rotina de vacinação dos animais, e como essa prática preventiva é importante para evitar problemas da mesma forma que fazemos com humanos. E além disso é preciso se atentar a coisas como a alimentação do seu animal doméstico, muitas pessoas não se importam com isso e dão qualquer coisa para eles comerem, gerando assim mais gastos com veterinários.

“Eu acredito que a melhor rotina é sempre o protocolo com vacinas importadas, não precisa ir nos veterinários mais caros não. Se você não tem um poder aquisitivo tão alto, vai numa casa agropecuária, pesquisem preços, mas sempre vacina importada. As mais importantes são cinomose, parvovirose e raiva, essas são as que o seu cachorro precisa estar tomando. Livre de pulgas e carrapatos, tem que estar fazendo o uso de antiparasitário e vermífugo de seis em seis meses, isso é muito importante e boa ração. Não adianta comprar ração barata e pensar que o importante é só estar de barriga cheia, essas vão entrar de um lado e sair do outro, não tem nutrição nenhuma, gasta um pouquinho mais com a ração. Seu cachorro vai estar nutrido, vai estar feliz, vai estar saudável, você vai estar economizando com veterinário e não vai ter problema daqui para frente. Então, sempre pensando no bem estar do seu pet.”

Legislações e Responsabilidade social

Durante muito tempo as pessoas acreditavam que os animais eram seres sem direitos e que por isso não deveriam ter qualquer tipo de cuidado ou proteção. Porém, com o passar dos anos e os avanços da luta pelo direito dos animais, criaram-se diversas legislações pelo mundo com o intuito de diminuir e coibir os crimes envolvendo a vida de animais. Mas mesmo assim ainda é muito difícil ter uma ação concreta e realmente punitiva para esses autores.

“Eu acredito que muitas pessoas estudam isso. As leis, elas existem desde 1934 com Getúlio Vargas, onde ele diz que os animais são tutelados pelo Estado. Mas poucas pessoas respeitam isso. Existe no Código Civil de 1988, existe a lei federal número 9605 artigo 32, com a alteração de 2020, existem outras inúmeras leis criadas em inúmeros estados, mas se você chegar hoje em uma delegacia para você fazer um boletim de ocorrência você vai ver a dificuldade que você vai encontrar. Então as pessoas ainda precisam tirar a venda dos olhos. As pessoas precisam entender que os animais, é aquilo que eu falei antes,  tem sentimento  e que precisam dar voz aos animais.”

Algumas prefeituras, visando criar meios mais efetivos para cuidar dos animais de rua, estão investindo em centros de acolhimento e canis que irão receber esses animais e tratá-los. Também há iniciativas para tentar controlar a população animal em situação de rua, como em Juiz de fora e Goiânia, que estão realizando a castração desses animais quando chegam aos canis. Segundo Patrícia, é preciso tomar cuidado para que esses centros não se tornem meros depósitos de animais e que deve haver incentivo para a adoção.

“A gente tem que tomar muito cuidado com abrigos, porque os abrigos não podem se tornar depósitos. Então, não adianta nada você construir abrigos e esses abrigos virarem depósitos. Hoje é um negócio muito grande. Então, as prefeituras não podem criar locais e recolherem todos os cães das cidades para que limpem as ruas. E como vão ficar esses animais? Enjaulados? Então, não, você tem que tirar esses animais de uma condição e dar uma melhor condição para esses animais. Castrar, vacinar e promover a adoção com posse responsável para eles.”

Para além das cobranças que precisam ser feitas para os governantes e órgãos responsáveis, precisa também ter uma sociedade consciente dos cuidados e das obrigações que são adquiridas ao adotar ou comprar um animal doméstico. Por isso, a conscientização é necessária, e pessoas com trabalhos iguais a Patrícia também.

“Nós recebemos ligação das 07h30 da manhã até 07h30 da noite, que a gente não aguenta mais. Cada pessoa quer se desfazer de pelo menos dois a três cães, Por quê? Porque eles estavam mudando e não queriam mais. São cães de três a oito anos. Aí você fala: Como conscientizar essas pessoas para que eles não façam isso? Gente, espera um pouquinho de quem é o problema? Vamos partir desse princípio. O que eu sou? Eu sou uma protetora sem fins lucrativos, que tem uma ONG há 18 anos. Eu não recebo do município, do estado ou da federação[…]Precisam ter a consciência de que adotou um animal a obrigação passa a ser sua, é dela a obrigação e ela tem que dar sequência, destino, até resolver o problema. Ela não pode simplesmente pegar o problema e jogar no colo de outros.”

Além disso, Patrícia fala também sobre a dificuldade de ser uma instituição que protege os animais e a forma como as pessoas tratam o trabalho dela

“Eu busco auxílio da população que me ajuda, eu busco o auxílio de parceiros que me ajudam. E as pessoas simplesmente me telefonam e falam: Eu te dou saco de ração, você pode pegar o cachorro?  Outra coisa que falam demais: Olha, se tocar no seu coração, você pega. Realmente toca no meu coração. Mas ok, aonde eu vou colocar? Eu estou com três grupos de canis para terminar no abrigo e eu não tenho mão de obra, não tenho dinheiro para terminar e não tenho como terminar os canis. Eu quero ajudar, eu quero pegar, mas eu não tenho como pegar.”

A ASPA Itu conta hoje com mais de 610 cães em seu abrigo, quem se interessar pelo trabalho e quiser conhecer mais pode acessar o site da organização pelo link: https://www.aspaitu.com/

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