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“Meu pai nunca ficava parado, sempre gostou de ficar viajando. Era muito brincalhão, acordava cantando, sempre foi um paizão, Nunca deixou nada há desejar. Nas férias, eu sempre viajava para a casa do meu pai, em julho e Dezembro.”

Nesta reportagem da série As vidas por trás dos números da covid-19 você vai conhecer a história do seu Hiran Milhomem dos Santos, ele era uma pessoa alegre, sorridente, não tinha tempo ruim. Era o famoso “estou pronto para tudo”, aventureiro, desinibido. Amava viajar pelo Mato Grosso. Se chamasse ele para pescar então, ah, era a coisa certa. Mas o que era para ser só mais um final de semana de pescaria se tornou em um dos capítulos mais tristes para a família Milhomem.

Escute a história do seu Hiran Milhomem – Podcast Soundcloud

Hiran e as três pessoas que estavam nessa pescaria se contaminaram com a covid-19. Era o dia 6 de Abril, uma terça-feira, quando os primeiros sintomas apareceram. Febre e cansaço. Ele foi o único que precisou ser transferido de São Félix para Rondonópolis.

A pequena São Félix do Araguaia, de pouco mais de 10.000 habitantes, segundo o IBGE, não foi suficiente para dar suporte ao seu Hiran. Foi necessário embarcar em um avião alugado para buscar uma UTI na cidade de Rondonópolis. Foi uma viagem só de ida, seu Hiran não voltou mais para casa. Dali, embarcava rumo a sua partida.

Da contaminação com o vírus até a transferência passaram-se duas semanas. A falta de leitos e o risco de precisar de uma UTI foi o motivo da viagem de mais de 500 km. Hiran Júnior se viu preocupado quando os primos, que também se contaminaram, começaram a se recuperar da covid, mas o pai não, pelo contrário, apresentava evolução de piora dos sintomas da covid. A falta de ar e a febre se tornavam cada vez mais fortes. Seu Hiran tinha diabetes, o que prejudicou ainda mais o quadro da doença, já internado apresentava oscilação de saturação no sangue.

Hiran Júnior se viu preocupado quando os primos, que também se contaminaram, começaram a se recuperar da covid, mas o pai não, pelo contrário, apresentava evolução de piora dos sintomas da covid. A falta de ar e a febre se tornavam cada vez mais fortes. Seu Hiran tinha diabetes, o que prejudicou ainda mais o quadro da doença, já internado apresentava oscilação de saturação no sangue.

Os dias na UTI

Todos os dias, o Hospital divulgava o boletim das 15h00, mas Hiran Júnior e as irmãs não aguardavam, conseguiam a informação em tempo real com o primo médico. Antes da entubação, uma rotina de vídeos chamadas foram iniciadas. Todos se emocionavam, não dava para segurar a força da saúde e o medo de perder o pai para a covid-19.

Em algumas das ligações por vídeo, seu Hiran já se mostrava abatido, quase não conseguia falar. A falta de ar aumentava cada dia mais. Os filhos preocupados pediam para que ele não falasse tanto por conta do cansaço. A doença estava progredindo cada vez mais. Com 75% de comprometimento do pulmão, a piora no quadro foi agravada devido a diabetes. Uma luta diária para controlar o açúcar do sangue.

O Sonho do Seu Hiran

Desde que uma desocupação de terras feita pela Funai (Fundação Nacional do Índio) foi feita em 2013, a vida do seu Hiran mudou o sentido. A loja de autopeças que ele tinha acabou, no lugar do povoado que moravam, tudo se tornou mato, casas, comércios, só restam memórias.

De acordo com o órgão, as famílias que estavam ali foram cadastradas em programais sociais, mas Hiran conta que a vida do pai e da família mudou completamente. O pai perdeu a felicidade de viver, caiu em uma depressão. O sonho dele era recuperar a loja. Tudo que construiu dentro de 20 anos acabou em pouco tempo.

A despedida

Foto: Hiran Milhomem dos Santos

Um dia antes de morrer, ele apresentou uma melhora significativa. Os médicos iniciaram então a retirada da sedação, com a recuperação, uma última vídeo chamada foi feita. A esperança aumentou. Todos ficaram felizes e emocionados pela recuperação repentina, mas era uma despedida. Na segunda-feira de manhã, Hiran Júnior recebeu a ligação informando que o pai morreu. Todos entraram em choque, era 7 da manhã quando o coração de seu Hiran parava de bater no Hospital de Rondonópolis. Neste momento, Hiran destaca que sentiu fisgadas nas costas, como nunca havia sentido antes.

“Eu fiquei tentando entender o que estava acontecendo, entrei em choque. A gente nunca imagina, a gente nunca espera isso, por mais que assistíamos todos os dias nos jornais. Foi algo que nos pegou de supresa, e nos tínhamos esperança. É estranho quando um dado, um número se torna uma pessoa da nossa família, ainda mais o meu pai.”

Seu Hiran foi enterrado em Rondonópolis. Hoje a saudade convive com Hiran Júnior, que afirma que tem esperança de que um dia poderá ver o pai novamente em outro plano espiritual e tem certeza que ele está em um lugar melhor do que aqui.

Como despedir-se de quem amamos não é uma tarefa fácil, produzimos um conteúdo audiovisual com uma entrevista exclusiva com a psicóloga Andressa Moura, que explica como enfrentar o luto provocado pelas mortes decorrentes da covid-19.

Escrito por Sinval Lopes, em 07/03/2022 às 21h44

One thought on ““A gente nunca imagina, nunca espera isso, meu pai era meu exemplo””

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