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Enquanto acompanhamos parte do amadurecimento de Grogu ao lidar com problemas por conta própria, o episódio mostra que mesmo diante de um abalo em suas crenças, um Mandaloriano ainda vai conduzir sua missão de acordo com seus dogmas. Diante do cumprimento de uma profecia, esses dogmas se tornam um refúgio para entender melhor o período historico em que estão inseridos.

O Passado existe constantemente

Não é novidade que Jon Favreau consegue conduzir com sutileza elementos de outras produções de Star Wars dentro do universo de O Mandaloriano, e nesse episódio nos é entregue indícios e referências a respeito de diversos momentos que a saga nos mostrou ao longo dos anos. Como, por exemplo, na cena de abertura em que podemos ver o feriado de Boonta Eve sendo comemorado em Tatooine. O feriado   aparece pela primeira vez em A ameaça fantasma (1999), no qual o jovem Anakin era introduzido na trilogia prequel. A data carrega bastante significado para a população local, uma vez que celebra a libertação daquele povo pelos Hutts durante a batalha de Vontor.

Na cena de abertura, onde Mando busca nas oficinas de Peli Motto um circuito de memória para o droide IG-11 e alguns ajustes para sua nave, observamos como a derrota do Império para a Aliança Rebelde ainda tem um forte espaço na memória do povo de Tatooine. Afinal, as pessoas que conduziram tanto o Império como a Rebelião – Anakin e Luke Skywalker, respectivamente – saíram daquele pequeno planeta em tempos de outrora.

Ao conseguir apenas uma unidade R5-D4 para ajudar Mando em sua jornada, Peli Motto relembra o dever que o droide teria caso fosse adquirido por Luke Skywalker em vez da unidade R2-D2 em Uma Nova Esperança (1977).

Din Djarin conversa com Peli Motto em Tatooine

Você deveria estar pilotando caças estelares e lutando contra a tirania

Peli Motto é uma amostra de como a população de Tatooine se relaciona com a Rebelião ao reconhecer que existe um trabalho a ser feito contra os ideais violentos  do Império ao mesmo tempo que se relaciona bem também com a mitologia dos Jedis. Ao se despedir dizendo “que a força esteja com você”  mesmo que Din não seja um jedi e nem tão pouco um usuário da força, Peli deixa claro que as saudações e palavras de ordem também são formas de estabelecer laços entre diferentes grupos que partilham dos mesmos interesses e que têm um inimigo em comum.

As ruínas de Mandalore

Ao levantar voo rumo a  Mandalore, vemos um momento sensível  em que Din fala de alguns princípios mandalorianos para Grogu, enquanto conta algumas histórias a respeito das facções representantes de cada povo e a história do planeta e onde foram escritas as antigas canções que um dia enunciaram as profecias de Mandalore.   Ao apontar para a lua em que cresceu, Concórdia, Mando traz a tona parte de sua raiz, que vai dizer muito a respeito da maneira como ele lida com suas convicções. Apesar de ser um mandaloriano pela prática da doutrina, Din não viveu no planeta, como foi o caso de Bo-Katan que o governou, mas sim, em uma lua adjacente com o seu clã, os Filhos do Olho, e talvez por isso seja tão importante para ele provar o tempo todo que é parte dos mandalorianos, mesmo com o planeta arrasado, com poucos mandalorianos espalhados pela galáxia e com suas doutrinas corrompidas.

Grogu observa os fogos de artifício da celebração do Boonta Eve

Um mandaloriano deve saber mapas e saber se orientar. Assim nunca estará perdido

Mando instrui Grogu nos caminhos Mandalorianos

Mandalore é um planeta devastado pelas marcas do império. Apesar da atmosfera ainda ser favorável aos seres vivos, as ruínas que restaram comportam em si a violência e a bestialidade deixada para trás após o Purgo: quem permanece no planeta, enfrenta condições extremas para sobreviver, tudo é brutal.

Com uma estética pós apocalíptica landscape urban, a equipe de efeitos visuais nos proporciona a vista perfeita de uma cidade abandonada, onde as ruínas do centros cívicos, praças, casas e grandes estruturas estão tomadas por plantas que avançaram de modo voraz por entre as paredes. São marcas vivas de um povo que durou mais de 10 mil anos e foi violentado, teve sua cultura desrespeitada e seu povo cruelmente  assassinado por um império que durou somente 30 anos.

Din observa as ruínas de Mandalore

Grogu entra em cena

O fato do roteiro entregar de forma preguiçosa uma armadilha para capturar um personagem com o nível de expertise que tem o Mandaloriano é algo difícil de engolir a primeira vista, uma vez que, muito antes de todo aparato da armadura de Beskar, Din já conseguia se destacar por não deixar ser capturado tão facilmente assim. 

Por outro lado, a maneira como a direção de Rachel Morrison decide explorar o amadurecimento de Grogu dentro dessa mesma situação é tão peculiar quanto o próprio personagem. Segundo Jon Favreau, criador da série,  a temporada atual se passa cerca de 2 anos após os eventos de “O livro de Boba Fett”, ou seja, Grogu treinou durante todo esse período no templo jedi de Luke Skywalker. O que vemos nesse episódio é Grogu aplicando de forma muito eficaz tudo o que aprendeu nos dois mundos.

Grogu usa seus poderes para salvar Din

 O hábito de colocar  a câmera na perspectiva do personagem nessa temporada, agora não parece ser apenas um recurso para contemplar cenas extremamente visuais, uma vez que a fotografia da série trabalha bem cada cenário que se propõe. Nesse episódio, a ideia de estarmos na perspectiva de Grogu é mostrar que, a partir dessa temporada, sua história não será focada nele enquanto uma encomenda a ser entregue para sua espécie ou até mesmo um problema na história do personagem principal. Agora Grogu é um personagem dotado de camadas em sua própria trajetória e com suas habilidades mais apuradas do que antes.  

Prova disso é a maneira como ele segue os preceitos mandalorianos e de fato usa uma situação de perigo para aplicar muito bem o que o foi permitido aprender, tanto no que tange ser um bom navegador como também pelo uso da força para conseguir sair do planeta e solicitar a ajuda de Bo-Katan para salvar a vida de Din Djarin. 

Toda a atmosfera inicial do planeta e ainda a sequência que precede o resgate, remetem a elementos de filmes da trilogia original, como o treinamento de Luke em Dagobah ou o resgate de Leia do Palácio de Jabba, The Hutt. 

O transgressor, o perdão e a profecia

Surpreendentemente, a série não demora em resolver o que, aparentemente, seria um dos maiores conflitos da temporada: o acesso de Din às águas de Mandalore.  O que talvez fosse problema para dois episódios ou mais, é resolvido definitivamente somente nesse episódio e não deixa espaço para dúvida: Din Djarin conseguiu o perdão por se banhar nas águas de Mandalore, ele é novamente um Mandaloriano. 

No entanto o que está em jogo, não é apenas a redenção de Din dentro desse  contexto, mas sim de toda a mitologia dos mandalorianos por conta do cumprimento de uma profecia que se consolida em Din. Ao se banhar nas águas das minas de Mandalore, ele é arrastado  até o fundo por uma criatura que quase todos acreditavam estar extinta, o Mitossauro. 

No quinto episódio de “O Livro de Boba Fett”, a Armeira menciona que “as canções de eras passadas predizem um Mitossauro surgindo para anunciar a nova era de Mandalore”. Embora a própria personagem afirme que tudo não passa de uma lenda, como vimos nesse episódio, pode ser que ela esteja errada e que, sim, o surgimento do Mitossauro seja o início da nova era Mandaloriana. 

Mitossauro nas águas das minas de Mandalore

Segunda o folclore mandaloriano, as minas de Mandalore já foram um covil de Mitossauros, e somente uma pessoa,  Mandalore, o Grande, guerreiro que conquistou o planeta Mandalore e uniu os clãs Mandalorianos, foi capaz de domar a fera, desde então, o crânio da criatura foi adotado como símbolo pelo povo mandaloriano. 

Crânio do Mitossauro como símbolo dos clãs

Os Mandalorianos são mais do que seus  dogmas 

Apesar de Din empossar o sabre negro por direito, vemos em sua inexperiência com a arma, que existe algo que está o desequilibrando por dentro e pesando seu coração, enquanto ele luta para desferir golpes básicos com a arma, Bo-Katan, em um momento de vida ou morte, pega o sabre de luz e, com mestria, conduz a batalha rumo a vitória. Apesar de não conseguir o sabre de forma legítima (como pede a profecia, apenas vencendo o atual portador dele em uma batalha), Bo consegue associar sua experiência com seu equilíbrio interno, mesmo com dúvidas em relação a suas crenças, ela sabe quem ela é, e por isso o sabre não pesa em sua mão.

Bo-Katan empunhando o sabre

Nesse momento os dois estão novamente enfrentando dilemas em relação às próprias crenças. Bo-Katan é arrastada para o planeta mesmo depois de dizer que não havia mais nada a se fazer ali, ela é tão profundamente envolvida com as questões mandalorianas que mesmo a contragosto, acaba até mesmo entrando nas águas das minas de Mandalore, ainda que Bo não acredite mais na doutrina, ela a respeita involuntariamente. Prova disso é o fato dela devolver o sabre para Din após a batalha por entender que Mandalore precisa de uma nova liderança. Ao passo que Din precisa lidar com uma questão muito maior do que sua própria redenção, já que agora ele é parte da profecia que vai trazer a nova era ao povo mandaloriano. 

É interessante o que se pode imaginar a partir daqui, quando lembramos que ao final de O livro de Boba Fett, Grogu alcança uma nova forma de usar a força por controlar uma criatura mil vezes maior do que ele. O que resta imaginar é o que e como Grogu vai lidar com o leviatã do povo de Mandalore. 

Esse texto foi produzido pela equipe do Correio Cultural, de autoria de Fábio Prado e revisão de Hayane Bonfim e João Vitor de Jesus.

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