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De acordo com a psicóloga Lays Pardinho, “as nossas experiências, em especial as infantis, são de extrema importância para a nossa sociabilização no decorrer da vida. Mas muitos dos efeitos só são observáveis a posteriori.”

A partir daí, é possível pensar como a internet provoca prejuízos na saúde mental das pessoas a curto e a longo prazo, quando se torna presente em suas vidas de uma forma desbalanceada. Desde a consolidação do acesso às redes sociais com a popularização do acesso à internet, os impactos do hiperestímulo ligado a esse meio tornam-se cada vez mais perceptíveis.

Surgimento

Os institutos de ensino foram as primeiras instituições a terem acesso à internet no Brasil. O Laboratório de Computação Científica e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) foram os pioneiros nas atividades online. Em 1995, com o reconhecimento da praticidade do serviço, a demanda tornou-se cada vez maior, o que levou o ministro da comunicação da época, Sérgio Motta, a aprovar um decreto de incentivo às provedoras de internet particulares.

A partir de então, houve a popularização do acesso à internet, e se estabilizou a “bolha da internet”, período no qual as redes sociais como o Myspace e Orkut passaram a ter mais relevância no ambiente on-line, permitindo um avanço na forma como as pessoas interagiam.

Consolidação

Nos meados dos anos 2000 surgiu o Facebook, o divisor de águas das redes sociais. Pela primeira vez, tudo que interessava o usuário estava se tornando acessível por uma mesma plataforma e apresentada de uma maneira simples, desde comunicação instantânea a jogos.

Na mesma década, surge o YouTube, criado a partir da necessidade de compartilhar vídeos de maneira mais dinâmica. Hoje é a maior plataforma de vídeos da internet e se transformou em uma ocupação rentável que alavancou a carreira de muitos influenciadores digitais. Dentre eles, Lucas Rossi Feuerschutte, mais conhecido como LubaTV. Produzindo vídeos para a plataforma desde 2010, hoje já acumula mais de 8,6 milhões de inscritos no seu canal principal.

No dia 02 de outubro de 2020, num vídeo chamado “até a próxima”, fez o seu primeiro recesso da internet. Pausou a produção de vídeos para o seu canal e reduziu a participação na internet em qualquer meio. Em entrevista, disse: “Foi o passo que eu precisava dar. Foi uma das melhores decisões que já tomei na minha vida, e também algo que a minha psicoterapeuta já dizia pra eu fazer há uns 3 anos.” 

Mas será que a recomendação de afastamento ou diminuição das atividades na internet deveria ser considerada apenas na fase adulta?

Negatividade

“O foco difuso que os entretenimentos digitais nos oferecem certamente produzem efeitos diferentes se compararmos com as gerações que não cresceram com gadgets.”, afirmou a psicóloga Lays Pardinho em entrevista. Isso ressalta que os dispositivos digitais não impactam a vida das pessoas somente por sua intensidade, mas também por sua faixa etária.

De acordo com a pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box – Crianças e smartphones no Brasil, crianças entre 7 e 9 anos passam mais do dobro do tempo indicado nos celulares. Os impactos desse comportamento podem ter ser observados não apenas na própria infância, mas também ao decorrer da vida: “As nossas experiências, em especial as infantis, são de extrema importância para a nossa sociabilização no decorrer da vida. Mas muitos dos efeitos só são observáveis a posteriori.

Hoje já conseguimos observar como faltam meios alternativos de entretenimento às crianças. A pandemia certamente impôs grandes limitações, o que não quer dizer que não possamos tornar inteligíveis novas fontes de entretenimento, como a leitura, o desenvolvimento de habilidades manuais, sempre respeitando os limites cognitivos e as próprias vontades das crianças e jovens.”, afirma Dra. Pardinho.

Ou seja, dentro de suas capacidades e vontades, a criança deve ser superestimulada, mas não apenas através da internet. Apesar de existir uma grande variedade de conteúdos educativos on-line, dificilmente uma criança tomará a iniciativa de buscá-los por si só, o que torna mais provável a criação de um vínculo com influenciadores digitais e conteúdos efêmeros de maneira desproporcional em suas vidas.

Segundo um levantamento feito pela Statista, empresa de pesquisa, o Brasil é o segundo país que mais usa a rede TikTok no mundo, com cerca de 4,7 milhões de usuários, ficando atrás apenas da China. Esse número se torna preocupante quando analisamos os dados oficiais do aplicativo, que divulgou que a maioria dos usuários tem entre 16 e 24 anos.Principalmente nessa fase da vida, o ser humano fortalece os seus hábitos, convicções e posicionamentos, e a partir do momento que ele sacrifica o seu tempo em prol de um entretenimento desmedido, esse processo fica prejudicado. De acordo com a AppAnnie, também empresa de pesquisa, o tempo médio gasto pelos brasileiros no TikTok é de 5,4 horas.

“A internet tende a te sugar, e percebemos o quão fundo estamos  horas, dias, ou até anos depois, presos, porque nos encontramos num ciclo infinito de dopamina que não queremos largar.” – Lucas Rossi Feuerschutte (Luba TV)

Esses dados são o reflexo não apenas de uma geração limitada a uma tela de menos de 6 polegadas para se divertir, estudar e até mesmo trabalhar, mas também da negligência feita por uma grande parte da sociedade. 

As jornadas de trabalho cada vez maiores dos responsáveis pelos menores de idade os impossibilitam de supervisionar melhor as suas crianças e adolescentes, os quais, quando não estão na escola, passam a maior parte do tempo em seus dispositivos eletrônicos. A cada clique, a cada conjunto de vídeos de 15 segundos, doses imensuráveis de dopamina que causam uma falsa sensação de alegria e pertencimento são transmitidas, e quando essas sensações são verdadeiras, também são extremamente momentâneas.

A longo prazo, esse será um tempo reconhecidamente desperdiçado. A exposição a vidas caricatas encenadas por pessoas pertencentes a padrões e estilos de vida irreais, alcançáveis apenas através de edições de imagens e seleção de conteúdos para manter determinada persona despertarão, muito provavelmente, inseguranças e necessidade de pertencimento a grupo que ninguém verdadeiramente pertence.

No âmbito intelectual, uma geração ansiosa e frustrada pela dificuldade de aprendizado e concentração desenvolvida pelo costume de horas em frente às telas, onde as informações são transmitidas rapidamente e com facilidade, sem o estímulo à reflexão ou questionamento de ideias. 

Esse é o lado ruim da internet como extensão do ser humano: a existência da mesma como um coração que pulsa ondas de veneno nocivas à potencialidade do desenvolvimento neural, ondas que se fortalecem quando não há um equilíbrio entre o mundo real e o virtual.

Faca de dois gumes

A internet possui um lado bom e um ruim. Quando questionado sobre a importância de realizar um equilíbrio entre o mundo digital e o virtual, Luba declarou: “Acredito que devemos tomar cuidado com o tempo que dedicamos à nossa vida online e offline porque, além de outros motivos, todos nós somos vítimas de relações parassociais. A internet me trouxe amizades que cultivo há mais de 20 anos, mas não consigo colocar em palavras o quão importante foi, também, dar a devida atenção às pessoas ao meu redor, todos os dias. Tudo que vem em excesso não faz bem.”

Para muito além do conteúdo educativo e recreativo através de filmes, vídeos e séries, a internet também possibilita o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis, surgimento de novos hobbies e democratização do acesso a conteúdos. 

Morgana Gonçalves Damas, streamer da plataforma TwitchTV, conta: “Eu não escolhi me tornar uma criadora de conteúdo. Eu sempre tive acesso a esse tipo de produção e sempre gostei de jogar. Achei que seria legal interagir com as pessoas e também mostrar os jogos para quem não tem condições de jogá-los.”

Em entrevista, o psicólogo Jurandir Júnior conta: “A construção de um sujeito se dá por diversos fatores e estímulos. É interessante que haja investimentos em outras ferramentas, de forma que se tenha uma gama de possibilidades.” Apesar de todos os riscos, a internet hoje é a ferramenta mais acessível para a experimentação dessas novas possibilidades, e a chave está no equilíbrio.

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