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Os dias que chego cansada em casa tem se tornado cada vez mais frequentes. É difícil lembrar de um dia em que cheguei bem. Com ânimo para dar um up na bagunça doméstica, fazer uma refeição de qualidade com gosto e cheiro bom para o jantar, ver o jornal na tv (afinal, dizem ser hábito obrigatório para estudantes de jornalismo!), ler os textos da faculdade com tempo de digeri-los, falar com os pais que moram longe, ter uma boa noite de sono…

Nosso tempo atropela a gente, e nós, por várias vezes, deixamos isso acontecer voluntariamente, como se tivéssemos sido programados para tal. Pior, por muitas dessas vezes incentivamos essa enxurrada de coisas que ‘não podem ser deixadas de lado’. Elas precisam ser feitas agora! Respondidas na hora! Lidas para ontem! Entendidas sem nem mais um segundo sequer! É um ‘tanto’ tão tanto que a gente fica cansado de outro tanto. 

Esse cansaço vence primeiro o corpo, que logo pede um travesseiro macio e a coragem para um comprimido dos sonhos bons. Um caminho que sinceramente não sei se tem volta, o sono é tão bom que faz a gente esquecer do receio de comprar a primeira caixa. Depois vem o humor. Esse, coitado, é apedrejado sem piedade. Tudo parece irritante: o barulho da notificação, o atraso do amigo, o sol escaldante, a risada alta, a pergunta de um perdido no ponto de ônibus, o café aguado… 

Daí, vem a paranóia. De todas as vozes que coabitam a minha cabeça, a que menos gosto é a que parece paranóica. Estou chata demais, as pessoas não vão gostar de mim assim. Mas será que elas gostaram algum dia? Tanto faz. Eu deveria ter escrito mais, informação nunca é demais e talvez eu não tenha me esforçado o suficiente. Não é legal falar o que pensa, sinceridade o tempo todo, não dá! No fundo mesmo, ninguém está bem de verdade, certo? Mas por que se importar com isso, já que afinal tanto faz, não é? 

A lista de nocauteados pelo cansaço é longa, mas para mim, o principal deles – e o pior – é o fator cegueira. Ora, o cansaço nos deixa cegos sim! São tantas coisas para fazer, ver, ouvir, ler, viver, comer, que o nosso modus operandi passa a ter o controle automaticamente e tudo é tão rotineiro que deixamos de perceber o que está acontecendo. Não lembro de chegar com tempo de não fazer nada em casa, quem dirá parar para olhar os detalhes e as sutilezas da correria do dia a dia. Parece um abuso! 

A ideia deste texto veio hoje a tarde, sentada num banco da pracinha perto de casa. Na mão um copo pequeno de sorvete: uma bola de limão e outra de chocolate. Minha irmã insistiu em ir. Pagou o sorvete. Meu irmão fez piadas sem graça alguma que de tão ruins, eram engraçadas. Vimos um monte de crianças correndo, rodando, balançando e gritando. Um rapaz fazia flexões e um senhor caminhava. Outras pessoas também só estavam ali, sentadas. Um parquinho para animais estava cheio de cachorros. Era a vida acontecendo e só naquele momento eu parei, e percebi. 

Será esse um divisor de águas e daqui em diante eu terei chegadas mais tranquilas em casa? Ou a tarde embaçada e quente que vi hoje foi apenas um desses fragmentos de felicidade que a gente vez e outra vive? O negócio é que muito se fala em rotina exaustiva e como é importante ter um tempo de qualidade e muito pouco se vê de esforço para trazer essa teoria para o chão da terra. O que fazer com esse cansaço? Resolver na terapia virou meme, deixar para lá parece nunca ter sido opção mesmo e a gente continua assim: cansado de tantas coisas. 

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