O 20 de novembro como Feriado Nacional: Reconhecendo a história e luta do povo negro no Brasil

“Não é uma data comemorativa, é um referencial para que a população negra se mantenha na luta contra toda forma de racismo”, afirma doutora em Antropologia
Tempo de leitura: 7 min
BRIANA SILVA

Desde 2011, através da lei n°12.519, o dia 20 de novembro é marcado como uma data significativa no Brasil: o Dia Nacional da Consciência Negra. Essa data, que remete à morte violenta de Zumbi dos Palmares, líder e símbolo da resistência contra a escravidão, tem ganhado cada vez mais relevância na luta pela igualdade racial. Diante desse contexto, surge a necessidade de considerar a proposta de tornar o dia 20 de novembro um feriado nacional, reconhecendo sua importância histórica e cultural para o povo negro.

20 de novembro, dia da Consciência Negra. (Reprodução: Deviantart Site)

Segundo a Fundação Palmares, somente seis estados e cerca de 1.200 cidades brasileiras consideram o dia 20 de novembro como feriado, seja por lei municipal ou estadual. No entanto, a sua adoção não é uniforme em todo o território e essa não uniformização destaca a importância de unificar o dia nacionalmente.

Lei N°3.236/21

A Câmara dos Deputados avançou com a pauta e aprovou no dia 29 de novembro de 2023 por 286 votos a favor e 121 contra, o Projeto de Lei de n° 3.236/21 que declara o dia 20 de novembro feriado nacional alusivo ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no Brasil. O projeto já tinha passado na bancada do Senado Federal em agosto de 2021. No dia 21 de dezembro de 2023, o presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei que decreta o 20 de novembro feriado nacional em todo território brasileiro.

A demora e os questionamentos

Mas e você, já se questionou porque o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra e Dia Nacional de Zumbi, não era feriado nacional no segundo país mais negro fora da África? 

Para dialogar sobre o tema e sanar alguns pontos importantes dessa pauta, o Lab Notícias convidou a doutora em Antropologia, pesquisadora, jornalista e professora na Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) na Universidade Federal de Goiás (UFG), Luciene de Oliveira Dias. Atuante nas áreas da Comunicação, Performances Culturais e Antropologia, com foco em gênero, sexualidade, raça e direitos humanos. 

BS: A proposta de criar uma data alusiva para simbolizar a união e luta do povo negro aconteceu pela primeira vez em 1971. Por que a aprovação da Lei que tornou o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra aconteceu apenas em 2011, tendo em vista que também a data foi inserida nos calendários escolares desde 2003?

LD: A proposição de datas comemorativas relativas à população subjugada do Brasil, e aí eu posso pensar na população negra, mas eu posso pensar também na população indígena, nas mulheres, na população em situação de rua, na população LGBT – têm suas datas reconhecidas tardiamente em função do modelo único de construção de referenciais e marcos históricos na nação. É muito difícil você ver representada em monumentos, em datas, em calendários, e histórias que são subjugadas, silenciadas e pouco discutidas.

BS: O projeto que torna o 20 de novembro como feriado nacional foi aprovado pela câmara no dia 29 de novembro de 2023. Por quais motivos esse projeto demorou para ser aprovado, tendo em vista que a data comemorativa já existe há algum tempo? 

LD:  A aprovação agora em 2023 é motivo de comemoração, mas é motivo também de alguns questionamentos e algumas análises. Por que só agora? De repente, porque a gente já tem um mínimo de representação muito em função das políticas de ações afirmativas e essa representação é capaz de propor a pauta, de trazer para o debate. Mas o que a gente tem que destacar é que o movimento negro no Brasil se constitui enquanto o movimento negro unificado ainda na década de 70 e antes disso nos clubes negros, nas escolas negras com teatro experimental do negro, enquanto o movimento coletivo, né. E esse movimento negro vai seguindo uma trajetória. Então, o que a gente tem hoje como proposição de feriado nacional é resultado de uma luta coletiva, não é por acaso que o 20 de novembro é uma data alusiva aos Zumbi dos Palmares e a outras lideranças negras do Brasil que ofereceram a própria vida em nome da Luta. Mas não é uma data para comemorar.

BS: Por qual motivo a data até o momento é considerada como feriado apenas em alguns estados e não como feriado nacional, levando em conta a pesquisa realizada em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, o IBGE, que aponta que aqui no Brasil 55,8% da população são pessoas negras?

LD: O Estado Nacional ainda não havia decretado 20 de novembro em feriado nacional, exatamente porque a gente vive um racismo estrutural e institucionalizado. Alguns municípios e estados já adotaram 20 de novembro como feriado e isso alcança a esfera nacional agora porque a gente está falando de relações de poder, onde as pessoas negras são minimamente representadas. Então, por que não é esfera nacional reconhecida até agora essa data como feriado nacional?  Porque nós vivemos as bases do racismo estrutural, do racismo institucional e a gente não consegue ainda fazer com que a nossa representatividade transforme efetivamente a sociedade para melhor, é aniquilando de vez como opera o racismo no Brasil contra pessoas negras, como nós somos intolerantes às demais diferenças que existem nesse país.

BS: Quais são os benefícios e desafios de transformar o dia da Consciência Negra em feriado nacional para a promoção da conscientização e da Igualdade Racial na sociedade?

LD: Não sei se é possível medir essa transformação em benefícios e desafios, eu acho que essa inclusive não é a melhor estratégia. A ideia de você ter a data é para que a luta continue, para que a gente possa, efetivamente, uma vez por ano, ter uma data para pensar sobre tudo que paira quando a gente fala de racismo no Brasil.

Não sei se há benefícios e não sei se há prejuízos. Talvez o setor comercial diga que há prejuízos, não sei, mas o que eu entendo e enquanto mulher negra é que você tem uma data alusiva à Consciência Negra pode oferecer uma janela para que a gente pense com seriedade a necessidade de políticas públicas efetivas e de ações punitivas efetivas para combater o racismo no Brasil. Ter uma data para isso é relevante, é importante, é necessário porque a gente precisa pensar com seriedade como opera o racismo no Brasil então.

Definitivamente, não é uma data para comemorar, é uma data alusiva ao assassinato violento de uma liderança negra, para que a gente possa refletir sobre esse assassinato em pleno 2023, quando absolutamente todos os dias pessoas negras são mortas exatamente porque são negras [sic]. Então, a gente tem que pensar com seriedade como opera o racismo no Brasil e o jeito da gente pensar com seriedade é ter uma data alusiva à Consciência Negra.

Recortes

Segundo a Fundação Palmares, Zumbi foi um importante líder quilombola que lutou pela liberdade de culto e religião no Brasil, bem como pelo fim da escravidão colonial. Desse modo, o dia 20 é para refletir profundamente sobre a história de resistência e luta contra a opressão que marcou a trajetória dos afrodescendentes no Brasil. Além disso, a data também destaca a cultura afro-brasileira, com muitas músicas, danças e expressões culturais que estão presentes na identidade e herança do Brasil.

4 thoughts on “O 20 de novembro como Feriado Nacional: Reconhecendo a história e luta do povo negro no Brasil”
  1. Achei a reportagem com uma abordagem clara e de bom entendimento!
    A matéria é muito relevante, pois a luta das pessoas negras precisam de mais visibilidade. O racismo ainda é muito real.
    A data é importante para lembrar sobre a batalha que eles enfrentam diariamente e de uma forma mostrar que estamos unidos na causa.
    Parabéns a jornalista. Gostei muito.

  2. Um tema necessário e que hoje tem ganhado força para o povo negro, que todos dias luta pelos seus direitos. Parabéns a jornalista pela entrevista e pela delicadeza e cuidado em cada palavra.

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