Será que eu sou uma fraude? A Síndrome do Impostor no ambiente acadêmico

'A gente se invalida muito o tempo inteiro', afirma estudante sobre saúde mental na academia
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BRIANA SILVA

A busca pelo tão sonhado diploma é aspiração dos jovens antes mesmo de iniciar o ensino médio, carregando consigo a promessa de aprendizado, crescimento pessoal e oportunidades profissionais. Todavia, esse caminho, embora repleto de realizações e possibilidades, muitas vezes corrobora para o surgimento da sobrecarga, da ansiedade e da síndrome do impostor.

Adoecimento mental em ambiente acadêmico. Imagem: Sofia von Humboldt 

Um estudo coordenado pela Universidade de Évora (UÉ) em 2023, concluiu que 19,2% dos estudantes do ensino superior sofrem de algum tipo de doença mental e que, destes, cerca de 40,5% foram diagnosticados após o início da pandemia de Covid-19. Ansiedade e depressão foram os mais citados na pesquisa.

O peso do diploma

Caroline Oliveira, 23 anos, estudante de Medicina Veterinária na Universidade Federal da Bahia (UFBA), enfatiza.

“Estamos vivendo no automático e a pressão acadêmica acaba contribuindo para as crises de ansiedade e depressão. São muitas demandas, de diferentes disciplinas e muitas vezes eu não consigo dar conta de tudo e vira uma bola de neve”, disse. “Sem contar que a gente se invalida muito o tempo inteiro, porque a gente acha que não sabemos de nada, que somos incapazes, que temos que ser bons o tempo todo. Então, isso gera um esgotamento emocional, até uma síndrome do impostor, por exemplo”, acrescenta a estudante.

Publicado em 2019, o relatório do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários Estudantis (FONAPRACE), em uma amostra de mais de 420 mil estudantes de Instituições Federais Brasileiras de Ensino Superior (IFES), cerca de 84% dos estudantes relataram ter enfrentado algum tipo de dificuldade emocional. Um dos sintomas que mais prevaleceu na pesquisa foi a ansiedade, afetando cerca de 64% dos alunos consultados. Desânimo e falta de motivação, são outros sintomas encontrados neste estudo, afetando 45,6% do público-alvo da pesquisa. O relatório ainda mostra que, pouco mais de um terço desses estudantes procuraram por algum tipo de atendimento psicológico. 

O estudante Kaique Araújo, de 23 anos, cursa História na Universidade Estadual da Bahia (UNEB) desde 2018, e relata a dificuldade de encontrar apoio psicológico na universidade em que estuda.

“Logo quando ingressei no curso de História, havia uma discussão sobre ter acompanhamento psicológico no campus. Fomos orientados a preencher um requerimento falando sobre nossa demanda, mas já se vão quase 6 anos e nenhum acompanhamento emocional foi oferecido”, disse. “Nossos problemas emocionais, muitas vezes, são causados pelo ambiente acadêmico, pela pressão e pela sobrecarga, tanto que desenvolvi transtornos mentais e não achei acolhimento dentro da universidade”, conta Kaique Araújo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 80% das pessoas que vivem com condições de saúde mental estão sem nenhum tipo de tratamento qualificado para o cuidado. Ainda segundo a OMS, cerca de 10% da população global, equivalente a 720 milhões de indivíduos, enfrenta desafios relacionados a transtornos mentais. No contexto brasileiro, estima-se que 9% da população possui quadros de ansiedade, destacando-se o país em diversas avaliações relacionadas à prevalência de depressão.

Conhecendo a Síndrome do Impostor

A síndrome do impostor é um fator psicológico em que indivíduos têm dificuldade em internalizar suas conquistas e acreditam que são “fraudes”, mesmo quando têm evidências objetivas de que não são. No contexto acadêmico, essa síndrome pode ser especialmente predominante devido às altas expectativas associadas ao ambiente educacional.

Conforme destaca a psicóloga e especialista em terapia cognitiva-comportamental, Priscila Barbosa Gonçalves, que esclarece como a síndrome do impostor se manifesta.

“O ser humano se baseia muito em atitudes e decisões relacionados às crenças que foram adquiridas ao longo da vida e a partir dessas crenças a pessoa passa a se questionar no dia a dia. O problema é que muitas vezes essas crenças são disfuncionais, o que acaba restringindo a capacidade da pessoa tanto na vida pessoal quanto na vida acadêmica e geralmente a baixa autoestima, o perfeccionismo são apontados como os fatores preponderantes para o surgimento da síndrome do impostor”, afirma Priscila Barbosa Gonçalves.

Questionada sobre como a pressão acadêmica contribui para o surgimento da síndrome do impostor e outros transtornos mentais, ela pontua:

“Os principais sintomas da síndrome estão na descrença em relação à sua própria capacidade. A pessoa começa a ter pensamentos negativos que vêm através das suas falas, como, por exemplo: eu não sou capaz, eu não consigo, não sou merecedor. Com isso, vêm os comportamentos, a autossabotagem, a necessidade da aprovação alheia, a procrastinação, além da baixa autoestima e até mesmo o perfeccionismo. Então, essa descrença em si aparece quando a pessoa tem a sensação de que realmente não merece o sucesso, que não merece estar ali, e atribui tudo o que alcançou a outras pessoas”, diz a psicóloga.

A psicóloga sinaliza que o ambiente acadêmico é um potencial para o adoecimento psíquico, mas que as instituições podem desempenhar um papel mais ativo na conscientização sobre saúde mental, combatendo o estigma associado aos problemas psicológicos e instrumentalizando os estudantes com palestras, rodas de conversas, para que eles consigam administrar as emoções. Além disso, a Priscila Gonçalves faz um alerta importante sobre a busca do equilíbrio entre a vida pessoal e a vida social.

“A saúde mental é um componente essencial, o que nos permite ter uma vida mais equilibrada e a vida acadêmica exige muito do aluno, pois ele precisa atuar em diversas áreas. Há uma cobrança de produtividade nos trabalhos, seminários e provas. Além disso, tem a questão financeira também, já que muitos alunos trabalham e estudam. Têm a expectativa da família, a autocobrança. Com isso, gera estresse, dificuldade de relaxar, altera o sono, leva muitas vezes à procrastinação. Por isso, é primordial buscar o equilíbrio entre a vida acadêmica e a vida pessoal, estando próximos da família, de amigos, fazendo atividades que são prazerosas, alternando entre momentos de estudos e de lazer”, conclui Priscila Gonçalves.

Janeiro Branco

A campanha Janeiro Branco nasceu em 2014, quando o psicólogo Leonardo Abrahão, idealizador, e atualmente, presidente do Instituto Janeiro Branco, convidou alguns amigos profissionais da Psicologia para ir às ruas da cidade de Uberlândia (MG), conversar com as pessoas, especialmente no que diz respeito ao combate aos estigmas associados às doenças mentais.

Leonardo Abrahão, idealizador da campanha Janeiro Branco. Imagem: Janeiro Branco

“O maior objetivo da campanha Janeiro Branco era convidar as pessoas a pensarem sobre tudo o que diz respeito à saúde mental, ao bem-estar emocional e à qualidade de vida, assim como a qualidade de relacionamentos. Nosso objetivo sempre foi a construção de uma cultura da saúde mental na humanidade. Com o passar do tempo, o janeiro branco ganhou novas perspectivas, passando a ser um movimento social e, até mesmo, uma filosofia de vida centrada na ideia de que a saúde mental deve ser prioridade nas nossas relações, ressalta o idealizador da campanha.

O idealizador da campanha também pontua que o Janeiro Branco não se limita apenas à saúde mental.

“O Janeiro Branco é uma campanha fortemente atrelada à ideia de prevenção ao adoecimento emocional, ao mesmo tempo que é uma campanha que não quer se prender apenas a essas questões — também queremos falar sobre cultura, esportes, lazer, ecologia e outros temas, enquanto há tempo para fazermos isso: cuidar de tudo e cuidar da vida”, explica o entrevistado. 

A campanha em prol da saúde mental ganhou proporções nacionais e internacionais de instituições públicas e privadas. Segundo o idealizador Leonardo Abrahão, o Instituto Branco é uma associação social sem fins lucrativos (ONG) que nasceu em 2018 visando possibilitar o desenvolvimento de projetos sociais, prestação de serviços e parcerias comerciais sobre Saúde Mental na sociedade brasileira. No ano passado, a campanha foi instituída pelo Governo Federal através da Lei n°14.556 e passou a integrar formalmente o calendário nacional em 2024. Neste ano, o tema da campanha é: “SAÚDE MENTAL ENQUANTO HÁ TEMPO! O QUE FAZER, AGORA?”

O papel do professor e o olhar humanizado

O professor da Faculdade de Informação e Comunicação da UFG, Mário Braz Manzi, mestre em Antropologia e Fotojornalista, pontua que uma das formas de ajudar os alunos é observando o comportamento dentro da sala de aula.

“É observar se a aluna ou o aluno estão mais calados, mais isolados ou com comportamento diferente, com alguma agressividade no sentido de se proteger mesmo. Então, é importante estabelecer esses vínculos com os estudantes para poder acompanhar essa mudança ou mesmo identificar se já existe esse comportamento pelo isolamento de uma forma crônica né, desde o início das aulas”, diz o professor. “As instituições, promovem algumas atividades de sensibilização e até mesmo de formação, né? Então, é muito importante estar atento para esse tipo de atividade, para esse tipo de ação e se envolver de uma forma, se qualificar para poder saber como agir nesses casos e como acompanhar a aluna ou aluno de uma forma mais humanizada [dentro da sala de aula],” conclui Mario Braz Manzi.

A importância do auxílio psicológico para os estudantes 

A Universidade Federal de Goiás (UFG) conta com um programa de apoio mental destinado à comunidade interna, o Saudavelmente. O programa de suporte mental é vinculado à Pró-Reitora de Assuntos Estudantis (PRAE), e oferece acolhimento aos estudantes da UFG que buscam apoio mental, com uma ênfase maior naqueles que são socioeconomicamente vulneráveis ou em risco. Além disso, conta com profissionais especializados em saúde mental e com iniciativas de sessões terapêuticas, rodas de conversas, palestras e orientações, entre outras atividades.

O estudante de Artes Visuais, Francisco Rian, é atendido pelo Saudavelmente e relata que o programa tem sido de grande ajuda.

“Eu sofria com constantes episódios de ansiedade, me cobrava muito, e devido a isso, não conseguia desenvolver a minha técnica na arte. Não conseguia por conta de questões pessoais e [o saudavelmente] me ajudou muito. Lá, a psicóloga ouve a gente, conversa e aconselha [sic]. É preciso às vezes deixar algumas coisas de lado para focar em outras [sic]. Estou sempre tentando fugir dessa pressão, fazendo alguma atividade diferente daquilo que eu já faço todo dia, que é praticar constantemente”, declara o estudante.

Além do Saudavelmente, a UFG também conta com Centro de Psicologia que oferece atendimento psicológico gratuito em regime de plantão para crianças e adultos, com foco em questões psicodiagnósticas, psicoterapêutica, terapia comportamental e Psicanálise. Para esse tipo de atendimento, é necessário fazer inscrição e esperar a divulgação na página principal do site da Faculdade de Educação.  Para atendimentos urgentes, de modo breve e focal, basta comparecer ao Centro de Psicologia da UFG, localizado na R. 235, n°575 – Setor Leste Universitário, Goiânia.

Lei n°3.383/21

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 16 de janeiro, sancionou a lei 3.383/21, que cria a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, visando a criação de políticas públicas de saúde mental nas escolas. Com essa lei, o Estado garante que alunos, professores, funcionários e pais/responsáveis tenham apoio à saúde mental dentro destes ambientes. Dessa forma, conforme o texto da lei, as escolas passam a ser um instrumento crucial para que estudantes ou qualquer pessoa inserida na comunidade escolar sejam acolhidos de forma inicial.

Conhecendo o RAPS 

A Política Nacional de Saúde Mental, definida pela Lei Federal 10.216/2001, é coordenada pelo Ministério da Saúde. Em 2017, foi implementada uma estrutura de política de saúde mental por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa iniciativa acolhe uma variedade de situações chamadas de “pontos de atenção”, pois englobam serviços e ações de atenção primária, especializada e hospitalar. 

Outro ponto importante é que o Sistema Único de Saúde (SUS), em muitas regiões do Brasil, oferece, através das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) o acompanhamento gratuito voltado à saúde mental da população. 

O Estado de Goiás, por meio da Secretaria de Estado da Saúde (SES-GO), tem alertado a população goiana para a prevenção e cuidados que devem ser tomados. Para atender as demandas, Goiás conta com a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), que possui 94 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), 3 Unidades de Atendimento Integrado (UAIS), 4 Unidades de Acolhimento Adulto (UAA), 28 Equipes Multiprofissionais de Atenção Especializada em Saúde Mental (e-MAESM), 21 Serviços Residencial Terapêutico (SRT), 715 leitos especializados em psiquiatria, 38 leitos de saúde mental em Hospital Geral e 37 leitos espalhados por todo o Estado.

Você pode localizar a unidade da RAPS mais próxima de você no mapa aqui:

CVV

Além do suporte emocional oferecido pelo SUS, o CVV (Centro de Valorização da Vida), fundada em 1962 é uma organização não governamental brasileira que oferece suporte emocional e prevenção do suicídio para qualquer pessoa. Trata-se de um serviço voluntário que opera 24 horas por dia, todos os dias do ano, por meio de telefone, chat e e-mail. 

Os voluntários do CVV passam por treinamento específico para oferecer escuta ativa e acolhimento a pessoas que estejam enfrentando momentos de angústia, solidão, depressão ou pensamentos suicidas. O serviço é gratuito, anônimo e sigiloso, proporcionando um espaço seguro para que as pessoas compartilhem seus sentimentos sem a necessidade de se identificar. 

Canais de atendimento: 

Telefone: 188 – SITE: CVV | Centro de Valorização da Vida

Você não está sozinho!!

One thought on “Será que eu sou uma fraude? A Síndrome do Impostor no ambiente acadêmico”
  1. Acredito que assim como eu poucos conhecem a síndrome do impostor, um tema muito bem explicado e que muitos até passem a se identificar. Parabéns pela escolha de um tema não tão falado, diante da pressão que muitos vivem com o vestibular e até mesmo no trabalho.

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