Teatro Inacabado: tijolo por tijolo, a construção do espaço das artes cênicas em Goiás que dura até hoje

A luta pela valorização das artes cênicas em Goiás tem como símbolo o Teatro Inacabado, cuja criação foi parte fundamental em seu desenvolvimento. A batalha pelo funcionamento do espaço reflete a busca pela valorização e fortalecimento da cultura no estado.
jan 17, 2024 ,
Tempo de leitura: 10 min
ANA JÚLIA MENDES

Há quase 3 anos, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Goiás decidiu, por unanimidade, suspender o leilão do Teatro Inacabado de Goiânia, que estava previsto para acontecer em agosto de 2021. A decisão foi baseada no artigo 889 do Código de Processo Civil (CPC), que estabelece o dever das entidades públicas de preservar bens tombados. Com isso, a alienação do patrimônio foi temporariamente suspensa, trazendo mais uma reviravolta para a situação do emblemático espaço cultural.

O Teatro InAcabado foi tombado Patrimônio Cultural da cidade de Goiânia em 1994, vindo desenvolvendo atividades culturais e enfrentando vários obstáculos desde a década de 50, hoje o monumento está sob a gestão da FEG (Fundação Educacional de Goiás). Em 2021, foi anunciado o leilão do imóvel com o intuito de arrecadar verbas para o pagamento de dívidas trabalhistas da instituição técnica-educativa.

Localizado na Avenida Anhanguera, o teatro foi criado e fundado em 1959 por Octávio Zaldivar Arantes, também conhecido como Otavinho Arantes. Na década de 1950, ele se destacou como o principal dramaturgo de Goiás, sendo também o fundador da AGT (Agremiação Goiana de Teatro).

Octávio Arantes jovem, em pé ao lado da construção do Teatro InAcabado
(“Eu sei de histórias de Octávio Arantes carregando tijolos em garupa de bicicleta para montar lá e fazer aquele teatro. Foi um teatro feito cujo principal ingrediente talvez fosse o sonho, o grande sonho do Octávio Arantes em fazer um teatro” – Nilton Rodrigues./Foto: reprodução)

 De acordo com Hamilton Amorim, ator de teatro popular e ex-diretor executivo da extinta Fundação Otavinho Arantes, o primeiro presidente da AGT é considerado o pai do teatro em Goiás. Segundo ele, um grupo de jovens idealizadores e sonhadores liderados por Octávio, construíram o seu próprio teatro para poder ensinar e ensaiar as suas próprias peças.

“Essa ousadia, né, a gente fala que Otavinho Arantes foi um visionário, porque imagina: 1950. Goiânia não tinha quase nada e eles construíram um teatro, então Otavinho leva esse título, o pai do teatro em Goiás, podemos dizer que tudo começou com ele, com a AGT. Ali se formaram vários e vários jovens que trabalharam com teatro e muitas peças clássicas, o Otavinho gostava muito de montar espetáculos clássicos: Shakespeare, Martins Pena, os grandes dramaturgos, ele montava e era uma montagem muito, muito bem elaborada. Então é a partir da AGT, da Agremiação Goiana de teatro e o teatro inacabado, que a gente tem praticamente a história do teatro em Goiânia”.

Dentre os jovens que passaram por lá, destacam-se Cici Pinheiro e Hugo Zorzetti. Cici Pinheiro foi teatróloga e fundadora da primeira companhia profissional de teatro profissional de Goiás, a “Cia Cici Pinheiro”. Pioneira no teleteatro e na ideia de fazer cinema em Goiás, Cici ainda dirigiu a novela “Do outro lado da Vida” e a telenovela “A família Brodie”.

Hugo Zorzetti foi teatrólogo, diretor e professor, fundou o Teatro Exercício e o curso de artes cênicas na Universidade Federal de Goiás. Fortemente ligado ao Octávio Arantes e ao Teatro InAcabado, Hugo impulsionou a produção de peças, a formação e qualificação de atores, a mobilização de recursos financeiros e consequentemente a qualidade das artes cênicas em Goiás.

Em seu livro intitulado “Memória do Teatro Goiano: A cena na capital”, Hugo descreve com mais detalhes a sua relação com o Teatro InAcabado. Acesse aqui

 O ator, diretor, dramaturgo e professor de dramaturgia Nilton Rodrigues, foi aluno de Hugo Zorzetti. Ele tanto assistiu quanto se apresentou em um teatro pela primeira vez no Teatro InAcabado, onde conheceu seu professor, sua arte e também, o Otavinho.

Na época, ele conta que a relação dos atores com a burocracia do teatro podia ser complicada, porém, o respeito pelo fundador do espaço era, e continua sendo, enorme:

“Uma coisa que me chamou a atenção nas poucas vezes que apresentamos no Teatro Inacabado era o zelo. Aliás, zelo é o modo como eu vejo hoje, na época eu via como aporrinhação do Octávio. Apagar as lâmpadas, olhar se tem alguma vela acesa e aquele cuidado excessivo com o patrimônio: Com os refletores, com as toalhas, com as cadeiras dos camarins, os vidros, os espelhos. Ele era praticamente um vigia, que ficava ali vigiando tudo. Eu achava aquilo um saco, achava o Octávio muito chato. Eu era muito novo, tinha pouca experiência no teatro. Depois que conheci o movimento teatral, trabalhei um tempo no Teatro Goiânia e vi o que as pessoas fazem com o patrimônio alheio, percebi que o Octávio tinha razão. Ele precisava realmente tomar cuidado, porque aquele teatro era ele, era fisicamente a pessoa dele. Qualquer dano ao patrimônio, àquele espaço, era um dano que doía na pele dele, porque aquele teatro era, de fato, uma extensão do corpo e principalmente da alma do Octávio Arantes”.

Ator Nilton Rodrigues se apresentando no palco do Teatro InAcabado em 1975
(Nilton Rodrigues no papel de Visconde de Jodelet em “As Preciosas Ridículas” de Molière, montado pelo Teatro Exercício em 1975, no Teatro Inacabado./Foto: reprodução)

Para mais informações sobre a história de Otavinho Arantes, assista o documentário “História do Teatro Inacabado Goiânia” 

Octávio Arantes cuidou do Teatro InAcabado pelo resto da sua vida e veio a falecer no ano de 1991. Hamilton Amorim relata que cinco anos após a morte de seu criador, o teatro se encontrava em situação de abandono. Segundo o relato, o local foi ocupado por crianças e adolescentes em situação de rua e muito foi destruído, havia o uso de fogueiras e chuvas dentro do espaço.

 Amorim revela que a sociedade culpava as crianças e adolescentes que ali viviam pelo declínio do InAcabado, além disso, o uso de drogas e a violência também era motivo de preocupação. O desejo das pessoas era o de que o local fosse completamente destruído para solucionar todos os seus problemas. 

 O ator então teve uma ideia para recuperar o local, utilizando o teatro como uma estratégia de cidadania. Propôs a criação da Fundação Otavinho Arantes, cujas finalidades eram o desenvolvimento das artes cênicas no Estado de Goiás, o que já havia sido iniciado por Arantes nos anos 40, e fazer um trabalho social com as crianças e adolescentes que lá viviam.

“E aí iniciou-se um trabalho comunitário, um trabalho de envolvimento de organizações da sociedade civil, grupos de teatro, instituições que trabalham em defesa dos direitos da criança e adolescente. E esse movimento foi crescendo aos poucos, onde com as nossas próprias mãos a gente fazia limpeza, tirava entulho, pedia apoio, para a prefeitura, para Comurg, e aos poucos nós fomos limpando o Teatro InAcabado. E fomos, começamos a ensaiar, a fazer trabalhos, trabalhos voltados [ao teatro], dar cursos, oficinas de teatro sem condição nenhuma de funcionamento, mas a gente conseguia fazer as coisas lá dentro”.

Foto Hamilton Amorim sorrindo de frente o mar.
(“Poeticamente dizendo, o teatro inacabado foi criado ali nas nascentes do Córrego Capimpuba, então, fazendo uma associação, o teatro inacabado é a nascente, a fonte do teatro em Goiânia e do teatro em Goiás”. – Hamilton Amorim./Foto: reprodução)

Com a criação da Fundação Otavinho Arantes, foram feitas montagens de peças com temáticas como a saúde do adolescente – com os próprios adolescentes do abrigo no elenco. Ademais, foram realizadas edições do Festival Goiânia em Cena em parceria com a prefeitura de Goiânia, o que demonstrava a confiança que o InAcabado vinha recebendo dos gestores de cultura. Foi então que a Fundação conseguiu o recurso junto ao governo de Goiás para fazer a sua revitalização.

 A revitalização levou anos para ser concluída, e em 2009, o teatro voltou a funcionar em melhores condições. Mesmo com as conquistas, ainda havia muita dificuldade para manter o local funcionando, como afirma Xéxeu (Roberto Célio Pereira da Silva), cantor, compositor, carnavalesco, humorista, ativista cultural e ex-presidente da [extinta] Fundação Otavinho Arantes.

 Com empenho, o presidente e o diretor executivo da Fundação traçaram um caminho de vitórias, conseguindo preservar o Teatro InAcabado material e imaterialmente. Mas para que a história do teatro não acabasse ali, decidiram por entregar sua tutela para uma fundação coirmã com condições financeiras mais do que suficientes para seguir com o projeto.

 O Teatro InAcabado ficou então sob a gestão da FEG (Fundação Educacional de Goiás) e seguiu-se o processo de extinção da Fundação Otavinho Arantes.

“Por um lado com muita dor no coração, mas por outro também com a esperança de que a gente, passando para uma Fundação Coirmã bem estruturada financeiramente, eles teriam muito mais condições de levarem adiante esse nosso sonho. E… para a nossa… para a nossa grande e triste surpresa, eles foram uma decepção. Estão sendo uma decepção. Não fizeram nada, não fazem nada. Ah… o teatro inacabado está praticamente jogado ao léu. Só não está totalmente desabitado porque ainda na minha época, quando a gente estava em processo de extinção, eu recebi uma solicitação do maestro da banda da guarda civil metropolitana, que eles estavam sem lugar pra ficar, eu falei: Vem para cá, vem aqui para o teatro inacabado, ficar até vocês arrumarem o QG para vocês. E eles estão lá até hoje, sabe? Estão lá por empréstimo até hoje e se não fossem eles, lá estaria totalmente abandonado. E isso dá uma dor no coração muito grande, porque a gente confiou em uma fundação que tem poder, uma fundação que tem cacife, uma fundação que tem força financeira e força política. E eles não fizeram nada pelo Teatro Inacabado. Então isso aí para a gente foi uma… Foi como se a gente tivesse levado uma facada. Sabe? Foi muito triste, muito pesaroso. E hoje a gente entende que dinheiro não é tudo. Porque a gente sem dinheiro… os conselheiros, os voluntários, os parceiros, os amigos, a comunidade, a comunidade artística, nós fazíamos o que fazíamos, as coisas mais lindas no Teatro InAcabado, na Fundação Otavinho Arantes, sem dinheiro”.

Fotografia de Xéxeu se apresentando em um palco, cantando em um microfone.
(“Eu ainda penso que a minha história, do Hamilton e de tantos outros sonhadores, artistas ou não, ainda não acabou. Eu acho que nós ainda vamos ser protagonistas de mais alguns atos, ainda no Teatro Inacabado e com fé em Deus, atos alvissareiros, atos positivos, atos com final feliz”. -Xéxeu./Foto: reprodução)

Nota: Procuramos a FEG para esclarecer qual a atual conjuntura do Teatro InAcabado, bem como previsões de seu futuro, mas não obtemos resposta. – Equipe do Labnotícias

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