Maria do Carmo Mendes, aos 80 anos, só conseguiu se imunizar no terceiro posto de saúde que procurou, a seis quilômetros de onde mora. Desde 2024, a sala de vacinação da Unidade Saúde da Família (USF) Eli Forte, a 90 metros da casa de Maria, foi desativada. “Eu fui lá no postinho perguntar. Eles falaram que não vinha a vacina para lá, pelo motivo que não tinha enfermeira para vacinar. Aí, eu procurei me informar. Fui à [USF do] Parque Santa Rita, chegou lá também falou que não tinha. “A senhora vai ao [Cais] Novo Horizonte”, aí eu fui ao Novo Horizonte, vacinei tranquila”, conta sorrindo.
Como integrante do Conselho Comunitário da Unidade Saúde da Família Eli Forte, na região sudoeste da cidade, Maria do Carmo perguntou na reunião da entidade sobre a reativação da sala. “Ele, ele é bom, é uma pessoa boa, mas não consegue”, diz sobre porque não obteve sucesso.
“Ele” é o diretor da Unidade Saúde da Família (USF) Eli Forte, Jeosafá Gomes, que explica a desativação da sala de vacinação pela falta de profissionais. “Com a saída de uma técnica [de enfermagem] e outros [profissionais] tiverem problema de saúde, nós optamos pelo fechamento para não ficar sobrecarregando as equipes. E [seguimos] o atendimento normal da unidade, que são os atendimentos médicos, os procedimentos de enfermagem. Aí nós optamos pelo fechamento. Fizemos um documento, encaminhamos para a secretaria e foi acatada essa decisão nossa”, esclarece ao LabNotícias.
A questão do acesso aos locais de vacinação é um dos multifatores que contribuem para a queda da cobertura vacinal. É o que explica Polyana Cristina Vilela, especialista sanitária na Gerência de Imunização da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. Em entrevista à jornalista Letícia Lourencetti do LabNotícias, a doutora em imunização cita a questão do acesso aos locais de vacinação “é uma discussão ampla e bem complexa. A gente precisa fortalecer as equipes de estratégia em saúde da família na busca ativa. Nós percebemos, também, na prática, que o acesso às unidades de saúde, às salas de vacina, precisa ser ampliado”, diz a especialista.
O gestor em saúde reconhece as dificuldades causadas pelo fechamento dos locais de imunização “A mais próximas daqui seria na [USF do] Parque Santa Rita, a [USF] Valéria Aparecida [da Silva], mas que também passa pelo mesmo problema. Na maioria das vezes, estão com a sala fechada e tudo por causa dos recursos humanos.” revela. O servidor explica como a dificuldade de saber onde receber uma dose desestimula a imunização: “A gente observa, quando a sala está fechada, a procura é não é pouca, é muita. Só que aí vem uma vez, vem duas ou três. Fica perambulando pela cidade procurando alguma sala [de vacinação] e se atrapalha. Acaba que ele dá uma desanimada, né? De procurar novamente. Aí acaba que mexe no calendário vacinal dele”, contextualiza.
Atuando na área de saúde pública desde 1985, Jeosafá destaca que a falta de pessoal é um problema crescente da rede de saúde. “Falta uma política mais série de recursos humanos, né? Por parte do município das instituições públicas de saúde. Porque sala de vacina, demanda muito tempo. Não é só chegar e fazer a aplicação. […] Para cada paciente demora aí vários minutos para fazer a aplicação e finalização, orientação, entendeu?”.
A cobertura vacinal brasileira de diferentes imunizantes, desde 2016, está bem abaixo do índice de 95% recomendado pela OMS. Em 2022, o índice geral ficou em 66%. Goiânia também está com dados abaixo da meta de 95%. Apenas a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) chega perto, com 93%. Porém, somente 62% receberam a segunda dose do imunizante, segundo os dados de maio de 2025 do Painel de Cobertura Vacinal do Ministério da Saúde. O percentual é ainda menor no reforço da vacina da poliomielite com só 29% de adesão entre o público-alvo goianiense.
Goiânia também está com dados abaixo da meta de 95%. Apenas a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) chega perto, com 93%. Porém, somente 62% receberam a segunda dose do imunizante, segundo os dados do Painel de Cobertura Vacinal do Ministério da Saúde. O percentual é ainda menor no reforço da vacina da poliomielite com só 29% de adesão entre o público-alvo goianiense.
‘Infodemia’
Vilela destaca, também, a disseminação de notícias falsas como fator de fragilização do Programa Nacional de Imunização (PNI). “São várias causas que têm levado a essa não adesão à vacinação, uma delas são as fake news […] Eu penso também que o medo dos eventos adversos, uma “infodemia”, que tem sido falado ultimamente, relacionada à vacina. Eu acredito que algumas dessas informações [falsas] tragam inseguranças para os pais”, explica.
Polyana Braga atua nas áreas de saúde coletiva, imunização e vigilância epidemiológica (Foto: Letícia Lourencetti/LabNotícias)
Maria do Carmo já foi atingida pela “infodemia” de pessoas falando contra as vacinas, mas sabe que é desinformação. “Num país… é por isso que as pessoas falam que um país as pessoal tem que ter muito conhecimento. Quando você não tem conhecimento de uma coisa, você ignora aquela coisa”, reflete.
Isso aí é pura falta de conhecimento, pessoas que vão por conversa dos outros!
Maria do carmo mendes
O diretor da Unidade Saúde da Família (USF) Eli Forte compartilha a análise que o avanço da desinformação atrapalha a proteção da população. “Existiu muita desinformação em relação às vacinas, né? E eu acho que isso atrapalhou bastante o pessoal procurar”, avalia.
Outro obstáculo é o desconhecimento. Maria do Carmo explica que sabe da vacinação pelas reuniões do conselho, mas nem toda a população tem o mesmo engajamento da octogenária. Para facilitar o acesso à informação de quais imunizantes integram o Programa Nacional de Imunização (PNI), o LabNotícias desenvolveu uma aplicação exclusiva. Basta inserir sua idade e se está em período gestacional para a ferramenta mostrar em cartões intuitivos quais vacinas deve tomar.
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Esta recomendação é baseada no Calendário Nacional de Vacinação, tendo caráter meramente informativo. Consulte um profissional de saúde para orientações detalhadas. @vhgomessantos
Cenário Mundial
Os Estados Unidos reportaram 935 casos confirmados de sarampo segundo o último boletim epidemiológico divulgado na sexta-feira (2). De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 96% das pessoas infectadas não estavam imunizadas contra o vírus. Em 2000, as autoridades estadunidenses haviam anunciado a erradicação do sarampo no país. Isso não é um evento isolado. A OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou um alerta, em março deste ano, que a Europa e Ásia Central registram o maior número de contaminações por sarampo desde 1997. A organização destaca a queda global da cobertura vacinal.
Mudança de Rumo
No Brasil, uma tendência parecida acontece. Em 2019, o país perdeu o certificado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) de território livre do sarampo. Só em 2024 o Brasil recebeu novamente o atestado de controle da doença após recuperar os altos níveis de imunização. A volta de patologias antes erradicadas está inserida no contexto de avanço de movimentos antivacina e desarticulação de políticas públicas como explicado por Polyana Cristina Vilela.
Para reverter essa queda da imunização, o governo federal lançou em fevereiro de 2023 o “Movimento Nacional Pela Vacinação”. Durante a solenidade de lançamento em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), no Guará, região administrativa do Distrito Federal, o presidente Lula (PT) repudiou o negacionismo contra a eficácia dos imunizantes: “Que a gente não acredite no negacionismo, nem em bobagens que se fala contra a vacina”.
Presidente Lula recebeu a quinta dose da vacina contra a covid-19 do vice-presidente, Geraldo Alckmin (Fábio Rodrigues – Pozzebom/ Agência Brasil)
Uma das principais medidas anunciadas pela pasta da Saúde para reverter a queda da proteção vacinal é a volta dos Dia D. A iniciativa consiste em uma ação simultânea em todas as regiões com atuação conjunta do Governo Federal, estados e municípios para levar vacina à população. Neste sábado (10), ocorre o Dia D de vacinação contra a gripe “O Brasil vai voltar a fazer grandes mobilizações nacionais pela vacinação, que é a nossa principal aliada para salvar vidas. O Dia D é uma grande oportunidade para ampliar a nossa cobertura e proteger os mais vulneráveis e evitar complicações que sobrecarregam o Sistema Único de Saúde (SUS)”, explicou o ministro Alexandre Padilha, sobre a volta da iniciativa. A sala de vacinação a 90 metros da casa de Maria do Carmo vai estar funcionando. Por enquanto, apenas neste dia até novos profissionais serem alocados permanentemente.