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“Você já sonhou com uma versão melhor de si mesmo?” A pergunta que alavanca a história de A Substância cria consigo uma atmosfera digna de um verdadeiro teatro do absurdo. Trazendo de volta o horror corporal (ou body horror), o subgênero do terror que ganhou fama nos anos 70 e 80, o filme de Coralie Fargeat teve sua estreia em setembro e já causou comoção internacional, tornando-se o filme com a melhor bilheteria da distribuidora MUBI até então.
Com uma cena inicial exímia, “A Substância” denota o tom da trama desde os primeiros minutos. Uma atriz renomada, no auge de sua carreira, recebendo um espaço para seu nome na calçada da fama enquanto é ovacionada. Décadas depois, o que um dia foi um sinal de prestígio torna-se apenas uma lembrança do passado.
A partir desse contraste entre passado e presente, o longa desenvolve uma brilhante reflexão sobre as pressões estéticas impostas aos corpos femininos, sobretudo em Hollywood. A protagonista Elisabeth (Demi Moore), se submete à injetar uma substância desconhecida para dar à luz (literalmente, porém com um toque de body horror) a uma versão mais jovem de si — a Sue (Margaret Qualley).
O roteiro alcançou a humanização que pretendia dar às questões de auto-imagem de Elisabeth, por mais irônico que isso soe nos últimos trinta minutos do filme. É possível entender de onde veio o desejo que ela tem de retornar à fase em que era admirada na indústria.
Mas para além da escrita, a atuação de Demi Moore é o que vende todas as nuances da personagem, tanto nos momentos de empatia quanto nos momentos mais grotescos, sendo o papel mais desafiador e ousado da carreira da atriz até então. A interpretação de Sue por Margaret Qualley também não fica para trás, carregando consigo diversos momentos icônicos.
“A Substância” é um filme extremamente estilizado, que se entrega ao grotesco e às caricaturas. A diretora Coralie Fargeat optou por utilizar de efeitos práticos ao invés de CGI, o que, apesar do custo e dificuldade maiores, valeu muito a pena quando observamos um produto final excelente, que é uma ode ao cinema body horror do século XX.
É perceptível a paixão de Coralie pela sétima arte. O longa possui referências visuais a diversos clássicos como A Mosca, O Iluminado, 2001: Uma Odisséia no Espaço, Carrie, entre outros. Além disso, a diretora se fez presente em diversas etapas da produção, não só com o roteiro original feito por ela, mas também assinando co-participação na etapa de edição.
O longa vai na contramão do cinema comercial e abraça o exagero (ou o camp). Os cenários — sobretudo o apartamento de Elisabeth — são construídos para parecerem que existem em um plano que não pertence ao mundo real. Também por isso, apesar de todo o sangue, secreções e outras coisas nojentas, não é incomum ouvir na sala de cinema reações de asco nas cenas de comida, aparentemente inofensivas. E mesmo em cenas mais convencionalmente perturbadoras, o filme mais uma vez se envolve no absurdo e consegue tirar boas risadas do público.
Apesar do hype muito bem merecido, este filme ainda é de um gênero historicamente não muito amado pelo público geral. Por isso, aos que se interessaram pelas reviews que estão floodando a internet, um aviso: se você não gosta de body horror, talvez este filme não seja para você. Mas, para os que têm estômago, recomendo experienciar essa obra na sala de cinema o quanto antes.