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Vinte e quatro anos após o lançamento de O auto da Compadecida, Chicó e João Grilo retornam para mais uma jornada pelo sertão. O clássico de 2000 se tornou um marco do cinema brasileiro, misturando humor, crítica social e o estilo inconfundível de Ariano Suassuna. Mas será que a nova versão consegue recriar esse encanto e manter a mesma genialidade do original? Felizmente, essa não é sua proposta.
Com direção de Guel Arraes e Flávia Saraiva, o filme promete resgatar pelo menos um pouco da essência da primeira obra, prestando um tributo ao autor da peça homônima, enquanto busca apresentar novas surpresas. Justamente por não pretender superar sua genialidade, O auto da Compadecida 2 se firma como uma homenagem respeitosa e intrigante, que não busca superar o primeiro, mas sim expandir seu legado.
Desse modo, ao contrário do que se poderia esperar de uma sequência, a produção não procura reinventar ou expandir de forma revolucionária o universo criado por Suassuna. Cautelosa (e essa é a melhor palavra que podemos usar aqui) em mexer com o imaginário de uma história querida pelos brasileiros, a sequência tenta trazer um frescor à trama, mantendo a essência que fez o original tão especial com caras novas.
Se há um grande acerto, está na escalação do elenco. Matheus Nachtergaele e Selton Mello, peças centrais para a construção e o bom andamento da história, mantêm a química que consagrou a dupla João Grilo e Chicó. Sabe aquele amigo que não vemos há séculos, mas tudo continua igual assim que nos encontramos novamente? Pois é exatamente o que vemos aqui.
Mesmo após tantos anos, a sintonia conquistou o público mais uma vez, apesar das ressalvas às suas interpretações. Talvez pelo peso do tempo ou por um roteiro que não lhes deu tanto espaço para brilhar como antes, os atores entregam boas atuações e se comprometem com seus papéis, mas sem a mesma energia contagiante de duas décadas atrás.
Nota-se um esforço em trazer uma energia renovada e reviver o carisma e o humor que marcaram o primeiro filme. Matheus Nachtergaele foi quem mais se aproximou desse feito, entregando a destreza de protagonista que somente João Grilo seria capaz de sustentar durante as quase duas horas de filme.
Já Selton Mello demorou um pouco mais a se encontrar como Chicó, pesando no sotaque e interpretando com um toque de caricatura, especialmente no início da continuação. No decorrer do longa, ele parece finalmente reencontrar o velho amigo de Taperoá e encarna muito bem sua persona, construindo uma faceta que certamente poderíamos imaginar para o personagem após todos esses anos. Esse reencontro carismático se torna um dos pilares do filme, garantindo que sua principal estratégia – a nostalgia – atinja plenamente seu propósito.
As histórias ‘inéditas’ introduzidas na narrativa, como as de Fabiula Nascimento (Clarabela), Humberto Martins (Coronel Ernani) e Juliano Cazarré (Omar), por outro lado, acabam destoando um pouco desse perfil. Até mesmo o retorno de Virgínia Cavendish (Rosinha) e Enrique Diaz (Joaquim Brejeiro), os únicos personagens que retornaram da obra original além dos protagonistas, adota um perfil totalmente coadjuvante. Eles estão ali, mas mais para compor o elenco. Suas participações parecem mais figurativas do que realmente relevantes para a trama, entregando atuações funcionais e pouco desenvolvidas.
Já as participações de Luis Miranda, como Antônio do Amor, e Eduardo Sterblitch, como o manipulador radialista e lojista Arlindo, dão um gás ao filme, trazendo performances cativantes e repletas de humor, exatamente como o tom da trama exige. Até mesmo a escolha de Taís Araújo para interpretar a nova Compadecida foi uma decisão acertada, já que ela soube compreender o peso de ocupar o lugar antes preenchido por Fernanda Montenegro e acompanhar o ritmo das figuras centrais.
Além disso, o local escolhido para a ambientação da história foi uma grande bola fora de seus idealizadores. Antes filmada em uma cidade de verdade, Taperoá agora deu lugar a uma cidade cenográfica sob luzes extremamente artificiais. Perdendo a chance de retratar a paisagem vibrante e cheia de nuances do sertão, criando uma atmosfera única que conecta o público à riqueza cultural e visual da obra, a fotografia escura, mesmo não prejudicando como a história foi contada, causou estranhamento.
O roteiro de O Auto da Compadecida 2, assinado por Guel Arraes em colaboração com Adriana Falcão e Jorge Furtado, tenta equilibrar o clássico e o novo, respeitando o espírito de Ariano Suassuna enquanto introduz elementos contemporâneos. A trama até sugere novas possibilidades para seus personagens, mas, ainda assim, opta por revisitar momentos, dinâmicas e características que já conquistaram o público, reforçando a familiaridade e o carinho construídos ao longo dos anos.
E aqui chegamos ao maior problema de O Auto da Compadecida 2: a falta de inovação. Se a intenção era criar algo marcante e atemporal, ainda que seja para eternizar ainda mais a história, o filme falha completamente. A sequência peca ao se apoiar tanto na memória afetiva dos espectadores, recorrendo a situações e piadas já exploradas anteriormente. A impressão que fica é a de que o roteiro foi escrito apenas para evocar nostalgia, sem buscar apresentar algo realmente criativo.
Atenção! Spoilers a seguir.
O arco final do filme é o retrato perfeito do que poderia ter sido versus o que realmente foi. Trazer um novo julgamento de João Grilo após mais uma morte se tornou repetitivo até mesmo para quem já assistiu o longa de 2000 mais de uma vez. Apesar de tentar inovar ao trazer a figura de Matheus Nachtergaele como representação do Bem e do Mal, a narrativa cria novas versões dos personagens de Jesus Cristo e do diabo sem a mesma intensidade e profundidade que o original conseguiu imprimir.
Sem conseguir se distanciar o suficiente para criar algo realmente novo, a inovação dav proposta acaba, ao invés de acrescentar frescor, soando como uma repetição desnecessária de fórmulas já testadas, que perderam um pouco de seu impacto. Com isso, o arco final prejudica a sensação de fechamento que o filme poderia ter alcançado. Embora o espírito de O auto da Compadecida continue presente, é difícil não sentir que as escolhas feitas para essa nova versão limitam o potencial da narrativa e deixa o questionamento pairando no ar do que ela poderia ter sido caso a abordagem fosse diferente ou não ter sido caso nunca existisse.
No fim das contas, O auto da Compadecida 2, traz de volta personagens queridos e entrega cenas de muito humor (mais um destaque positivo presente igualmente nos dois longas). Sustentando-se quase que exclusivamente na dinâmica entre João Grilo e Chicó, que às vezes não é suficiente para carregar todo o filme, não é memorável, mas serve para matar a saudade dos fãs do primeiro longa. Se a sequência é para quem quer reviver um pouco da magia do clássico brasileiro, é uma boa. No entanto, vale ajustar as expectativas se a busca for por algo revolucionário para o cinema nacional, como foi o original.
Júlia lainany que falou no comentário ela falou tudo que eu pensei do filme auto da compadecida nunca será melhor do que o primeiro e é porque antes não tinha a tecnologia que hoje tem então o filme falhou em muitas coisas poderia ter sido melhor.