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Dando continuidade à história iniciada por Ryan Coogler (responsável porJudas e o Messias Negro, Pantera Negra 1 e 2 e Space Jam 2), Michael B. Jordan faz sua estreia como diretor no nono filme da franquia Rocky Balboa e última parte da trilogia Creed. 

Adonis Creed aproveita sua aposentadoria junto à sua família e próximo o suficiente dos ringues apenas para orientar novos atletas do esporte. Porém, essa calmaria é interrompida quando um amigo de infância reaparece de forma inesperada e trás à tona  traumas não resolvidos de seu passado que, por fim,  se tornam o real inimigo inevitável do protagonista. 

Atenção: Esse texto contém spoilers !

Ausência confirmada

O filme não se preocupa em explicar o paradeiro de Rocky Balboa, o que torna a história ainda mais distante da franquia que deu  origem a ela. O próprio Sylvester Stallone comenta que é uma situação lamentável, pois foi uma direção completamente diferente da que ele teria tomadoNão sabemos o que teria sido do filme caso tomasse uma decisão diferente do que nos foi mostrado, a nova abordagem ao personagem, bem como a visão que Michael lançou sobre a franquia, tornou Creed III de fato um produto único. Talvez abordar Rocky Balboa dentro desse novo capítulo pudesse aprisionar novamente o protagonista ao passado do pai ou contribuir ainda mais para o amadurecimento dele enquanto atleta e indivíduo. Por fim, nunca saberemos o que teria sido, o que sabemos de fato é o que o filme é. 

Sob Nova Direção

A direção ousada e criativa de Michael traz ao protagonista uma abordagem sensível em relação às lutas reais que o personagem precisa enfrentar fora dos ringues. Mesmo com a proposta desafiadora de dirigir e atuar no mesmo filme, Michael consegue  trabalhar bem cada núcleo em que essas batalhas estão acontecendo, como, por exemplo, a relação de Adônis com sua filha, Amanda, interpretada graciosamente pela talentosa Mila Davis-Kent. A personagem é bem apresentada e adiciona um olhar que antes não tínhamos a respeito de Adonis, agora um jovem pai que precisa lidar com suas questões internas para conseguir cuidar de outra pessoa. Pela primeira vez, tudo que Adonis sabe sobre a vida e sobre o boxe são colocados em cheque ao ver que alguém precisa do seu amor e cuidado ao invés de seus punhos e luvas. 

Enquanto boxeador, Adonis Creed (Michael B. Jordan) vê seu  presente como atleta aposentado e orientador da nova geração ser comprometido por questões não resolvidas de seu passado.  Ao mesmo tempo que precisa lidar com Damian (Jonathan Majors) e sua ambição por ser reconhecido como o atleta que imaginou estar destinado a ser, o protagonista precisa lidar com a saúde fragilizada de sua mãe, dar um salto sobre o ego e passar a se abrir honestamente com sua esposa, Bianca (Tessa Thompson), de modo que seu casamento não seja comprometido por tanto ressentimento. Adonis está cercado e precisa se orientar dentro do labirinto que se encontra.

O filme é autocentrado e baseia seus recursos na medida certa, as referências aos filmes anteriores, bem como a franquia de Rocky Balboa, não sobrecarregam o longa e dão todo espaço possível para que a história seja contada a partir de um ponto novo para o personagem. Se nos primeiros filmes o desafio de Creed eram relacionados ao passado do próprio pai, Apollo Creed, nesse, o personagem precisa lidar diretamente com os problemas de seu próprio microcosmo. Adonis Creed deixou de ser uma sombra do pai e agora vive suas próprias histórias. 

A maneira como a direção decide construir a tensão entre Adonis e Damian funciona bem em vários âmbitos e situações que os personagens se encontram, em primeiro lugar por conta de um roteiro bem desenvolvido e, depois, por conta da dinâmica entre Jonathan Majors e Michael B. Jordan quando entregam dois personagens complexos que partilharam o mesmo passado e agora vivem vidas  completamente distintas. 

Os Animes são uma referência extremamente ousada, e funcionam! 

Adonis não aparece no ringue de forma repetitiva apenas para interromper a ascensão perigosa do antagonista, ele retorna de forma criativa justamente por conta de como a direção orienta os momentos de embate físico, principalmente na última luta, na qual elementos lúdicos são usados para trabalhar a emoção, tanto dos espectadores, como principalmente dos personagens envolvidos.

Como um fã declarado de animes, Michael B. Jordan se permite explorar com maestria características do gênero dentro do filme. Por 12 rounds, somos contemplados com uma sequência que permite tudo para nos entregar uma experiência muito mais imersiva na luta do que nos filmes anteriores, determinados golpes emulam diretamente cenas clássicas de animes como Dragon Ball Z, Naruto e Hajime no Ippo. Desde a fotografia excepcional de Kramer Morgenthau (Fahrenheit 451, O Exterminador do Futuro: Gênesis, Respect), dos quadros mais fechados nas expressões nos colocando em perspectiva direta aos personagens até as cores usadas no figurino ajudam a compor  a cena do último embate de forma envolvente. Um outro fator fundamental para a imersão na cena é a brilhante trilha sonora de Joseph Shirley (The Book of Boba Fett, Tenet e Bad Trip), que sintetiza a tensão do momento ao uso criativo da arena vazia, às grades das celas ao redor do ringue, o colchão do orfanato e os flashbacks de suas versões mais jovens para imprimir o valor real daquele embate que é muito mais do que uma luta comercial.

O antagonista da vez

Se Damian enfrentou uma prisão literal nas últimas duas décadas e agora precisa extravasar toda sua revolta, Adonis, por sua vez, aprisiona os seus sentimentos e não os permite ser trabalhados, e por fim aprisiona a si mesmo fingindo que seu passado não existe. 

O personagem de Jonathan Majors não é o antagonista simplesmente porque a competição decidiu que o fosse, como o caso de Viktor Drago no filme anterior. A questão entre eles envolve um período vivido pelos dois que marcou completamente e para sempre a vida de cada um deles. Damian ficou 18 anos preso por sacar uma arma para defender Adonis após ele, num momento de revolta, atacar Leon, o homem que espancava os dois garotos no lar de adoção quando eram mais novos. Damian nutre um sentimento de raiva velada contra Adonis por pensar que ele viveu a sua vida enquanto estava preso. 

A atuação provocante de Jhonatan é tão cínica na medida certa que é quase impossível não sentir alguma emoção por Damian enquanto ele está em tela, seja pena, raiva ou tristeza por ver sua ambição colocar em jogo o último resquício de família que o restou. 

Os problemas do filme

Embora o tempo de tela não permitisse que todos os núcleos apresentados fossem explorados de forma mais profunda, a impressão que fica é que certos elementos são pincelados gratuitamente ao longo do filme e de forma bastante apressada, principalmente no terceiro ato. Obviamente, toda  proposta do filme é que haja um embate entre os personagens que norteiam a história, o que nos resta saber é como se dará esse embate. Decidir que um desafio por telefone conduza a esse momento tão esperado não pareceu uma decisão muito criativa dentro de um roteiro já tão bem estruturado. 

A relação do personagem com as mulheres ao seu redor, apesar de bastante fluida, é pouco profunda em vista dos outros núcleos abordados ao longo da trama. Infelizmente alguns conceitos são apresentados e revisitados, porém, são contidos em uma expectativa que nunca é sanada. Bianca, que é uma produtora musical promissora, é provocada a respeito do seu retorno aos palcos, mas ela vai retornar mesmo? Amanda é apaixonada pelo esporte do pai, mas até onde e como essa paixão vai ser trabalhada? São questões que o filme aborda mas não resolve porque a profundidade das relações de Adonis com outros homens parece ser mais profunda do que com as mulheres de sua vida.

Outra coisa que essa velocidade de acontecimentos estressa no filme é a morte da mãe do protagonista, que pareceu ter pouco ou nenhum impacto na trama por dividir espaço com outra situação desafiadora da vida dele. Quando decide ser a ponte para resolução de outro problema que Adonis enfrenta – a falta de comunicação em seu casamento – a cena parece ser comprimida demais para tratar de dois temas tão pesados ao mesmo tempo. Esse momento deveria se contentar em ser apenas o caminho para Adonis conseguir perdoar sua mãe e receber o perdão dela pela última vez, enquanto o fato dele se abrir, ser mais honesto consigo mesmo e com as pessoas que o amam, deveria estar associado a uma ideia de luto e reflexão subsequente ao velório e não  necessariamente no momento mais imediato a essa morte. 

Os dois momentos precisavam de calma. No fim, não é um problema que atrapalha a experiência mas, de fato, é um problema que existe e está lá. 

Esse texto foi produzido pela equipe do Correio Cultural, de autoria de Fábio Prado e revisão de Hayane Bonfim e João Vitor de Jesus.

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