Expansão da agropecuária ameaça a Mata Atlântica 

Levantamentos realizados por diversos veículos mostram que a agropecuária é um dos principais fatores para o aumento do desmatamento desse bioma
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Apesar da Mata Atlântica abranger 3.429 municípios de 17 estados do Brasil, e ocupar cerca de 15% do território nacional, hoje restam apenas 12,4% de florestas maduras e bem preservadas. Nesse sentido, os mais recentes dados do MapBiomas para a área de aplicação da Lei n° 11.428, de 2006, indicam que a cobertura florestal passou de 27,1% em 1985 para 24,3% em 2021.

Levantamentos realizados por diversos veículos, como a iniciativa Trase, a Fundação SOS Mata Atlântica e o MapBiomas, mostram que a agricultura e a pecuária são os principais fatores para o aumento do desmatamento desse bioma.

Uma pesquisa realizada pela iniciativa Trase foi capaz de quantificar o papel da produção de soja no desmatamento da Mata Atlântica. Conforme o último relatório, divulgado em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica, em 2020 havia 22.338 hectares de soja no bioma em áreas que foram desmatadas entre 2015 e 2019, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol em um ano

Além disso, dados obtidos pelo MapBiomas mostram que 26% da área de soja do país fica na Mata Atlântica. A soja se expandiu por 7,9 milhões de hectares entre 1985 e 2020 nesse local. A análise de imagens de satélite desse período possibilitou a coleta das informações.

A Trase reúne dados que permitem a compreensão de como o comércio e a produção de commodites agropecuárias agravam o desmatamento em todo o mundo. Em resumo, o mapeamento da cadeia de suprimentos reúne diferentes dados públicos para conectar mercados consumidores ao desmatamento e outros impactos no terreno.

Rio Vermelho (MG). Foto: Douglas Magno

No entanto, os dados mostram que o crescimento das áreas agrícolas não está centrado apenas na soja, mas sim na agricultura como um todo. De acordo com o mapeamento realizado pelo MapBiomas, esse foi o tipo de uso de solo que mais cresceu na região nos últimos 37 anos.

Essa atividade avançou 10,9 milhões de hectares. Se em 1985 ela ocupava 9,2% do bioma, em 2021 esse percentual alcançou 17,6%. Ao mesmo tempo, a cobertura florestal do bioma diminuiu cerca de 2,8%.

O MapBiomas produz o mapeamento anual da cobertura e uso da terra. Além disso, ele monitora a superfície de água e as cicatrizes de fogo mensalmente com dados a partir de 1985.

A agricultura não está sozinha no desmatamento do bioma

A Mata Atlântica abriga 27% das terras agropecuárias, onde estão 40% dos estabelecimentos rurais do país. Dessa forma, o uso agropecuário ocupa mais de 60% do território do bioma, totalizando 78 milhões de hectares.  A pesquisa ‘Produção de Alimentos na Mata Atlântica’ realizada pela Fundação SOS Mata Atlântica, é a responsável pela coleta dos dados.

Segundo Sybelle Barreira, Engenheira Florestal, em 2021 a Mata perdeu vários quilômetros de área, e o maior responsável foi o crescimento da agropecuária. 

“O bioma é afetado pelo desmatamento para ampliação de áreas para ocupação humana e agropecuária. A expansão agropecuária é um dos fatores, visto que ela corresponde a 64,7% da ocupação do bioma.”

Sob o mesmo ponto de vista, a Zootecnista Larissy Rodrigues afirma que, de forma indireta, os setores responsáveis pelo desmatamento são a agricultura e a pecuária. Isso ocorre por uma falta de fiscalização, dando espaço para grileiros, por exemplo, assumirem terras.

Panorama histórico da Agropecuária na Mata Atlântica

Desde o período da colonização, a produção de várias commodities consumidas internamente e direcionadas para a exportação torna essa região uma área de destaque. Nesse sentido, o estudo ‘Produção de Alimentos na Mata Atlântica’ afirma que o bioma é o principal produtor das culturas agrícolas e produtos animais que alimentam a população brasileira. Durante a maior parte da história ele foi o que sustentou o sistema agroalimentar brasileiro. 

“De fato, estas atividades já são estabelecidas neste domínio vegetal por décadas e centenas de anos. A questão é como estabelecer que elas continuem existindo sem prejudicar ou desmatar mais áreas”, destaca Ruan Pontes, um dos coordenadores do grupo local de voluntários do Greenpeace João Pessoa.

Conforme a Coleção 6 do MapBiomas, a vegetação nativa brasileira perdeu espaço para a agropecuária nas últimas três décadas. O crescimento da área ocupada por essa atividade entre 1985 e 2020 foi de 44,6%. E a análise mais detalhada da ocupação e uso da terra no país mostra que 66,3% da vegetação já está degradada. 

A Mata Atlântica, mais especificamente, tem 66,7% da sua área ocupada pela agropecuária. Somente entre os meses de outubro de 2021 e de 2022, a Fundação SOS Mata Atlântica e o INPE observaram o desflorestamento de 20.075 hectares (ha) do bioma, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol em um ano ou um Parque Ibirapuera (SP) desmatados a cada três dias.

As informações são do Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e apoio técnico da Arcplan

Considerando valores médios, adquiridos no estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica, a cobertura florestal do bioma está abaixo do limiar crítico de 30% da paisagem para a conservação da biodiversidade. Além disso, os remanescentes florestais estão distribuídos de maneira desigual, havendo paisagens com cobertura de vegetação nativa menor do que 5% do território. 

“O Brasil tem muito território. Se os produtores tivessem consciência, soubessem usufruir disso, o Brasil seria um dos maiores em níveis agropecuários e pecuaristas”, destaca a Zootecnista Larissy Rodrigues.

‘O bioma só tem relevância para o agronegócio se for mantido de pé

A Mata Atlântica é de suma importância para o agronegócio do país, que só existe, consequentemente, graças à produção agropecuária. O bioma é responsável por aproximadamente a metade da produção de alimentos para consumo direto da população brasileira. O dado é do estudo Produção de Alimentos na Mata Atlântica.

“Historicamente a Mata Atlântica serve de interesse para diversos setores do país. Ela já teve seu foco muito expressivo em relação ao agronegócio e a depender das localidades do país, como o sudeste, ainda mantém um foco extremo por parte deste setor”, explica Ruan Pontes.

No início, a reportagem apresentou uma pesquisa que quantificou o papel da produção de soja no desmatamento da Mata Atlântica. Além disso, ela também mostra que quase metade dessa soja (46%) foi exportada para a China, enquanto 44% foram consumidas no mercado brasileiro.

“Na minha opinião, o agronegócio não é o vilão da história. Se você tem uma terra e você planta nela, logo você recebe pelo produto. Serve pra pecuária também. Você está fazendo o uso da terra de forma proveitosa e rentável”, explica Larissy Rodrigues.

No total, o bioma entregou quase 35 milhões de toneladas do grão em 2020, valor equivalente a quase um terço da produção anual do Brasil. A China importou 55% dessa soja: outros 25% foram para o consumo interno brasileiro, e os 20% restantes foram exportados para a Holanda, França e Coreia do Sul. Sendo que a Holanda provavelmente destinou o produto a outros países europeus.

De acordo com a Engenheira Florestal Sybelle Barreira, não tem como o agronegócio continuar se o bioma não estiver em pé. 

“Se considerar a área de ocupação do bioma, nas áreas que foram desmatadas pode-se produzir alimentos e eles colaborarem para a alimentação da sociedade. A Mata Atlântica para o agronegócio somente seria válido com ela em pé e por meio de manejo florestal de produtos madeireiros e não-madeireiros.”

Como continuar com a agropecuária sem desmatar o bioma?

A professora de ecologia da UFPB, Maria Cristina Crispim, explica que apesar das elevadas taxas de desmatamento o potencial para restauração é grande. Na maior parte das situações, basta deixar de usar que a Mata Atlântica se regenera. 

“Um caso típico na Paraíba é a Unidade de Conservação de Pau Ferro em Areia, que atualmente é uma Mata Atlântica, mas há 40 anos atrás era uma área de plantio de cana de açúcar. Se o Código Florestal fosse cumprido, por exemplo, a floresta poderia ocupar de 40 mil km² a 50 mil km² só de Áreas de Preservação Permanentes (APP).”

Maria Cristina destaca que, atualmente, as formas de produção de alimentos não dependem mais do desmatamento (por completo) de qualquer bioma.  “A maior parte da produção de alimentos do brasileiro é produzida pela agricultura familiar, que tem uma convivência muito mais harmoniosa com a natureza.”

Ela cita a agricultura sintrópica, agrofloresta, permacultura e produções integradas entre animais e plantas como exemplos . “O plantio de forma mais harmoniosa dispensa a compra de tantos produtos, como adubos e agrotóxicos. Com isso, a produção de alimentos não precisa estar atrelada ao desmatamento. O que foi desmatado é o suficiente para essa produção. Outra forma de otimização da produção de alimentos é a adubação orgânica”, destaca.

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