Estudante cego narra partida do Brasileirão

Pedro Paulo, de 19 anos, narra sua primeira partida de futebol in loco e fala sobre a oportunidade e a repercussão inesperada
dez 13, 2023 , ,
Tempo de leitura: 6 min

Pedro Paulo Lemes, de 19 anos, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), realizou o sonho de muitos ao fazer a narração de uma partida de futebol em maio. A conquista se torna ainda mais impressionante pelas dificuldades, únicas, enfrentadas pelo caminho. Ao narrar um jogo, mesmo sem a visão, Pedro mostra que o impossível é só questão de opinião. 

O estudante sentiu a emoção de narrar o jogo de um time da sua cidade, que cravou a vitória em casa em cima do Ituano e garantiu a posição no G4, sendo um dos quatro principais times do campeonato. Embora para muitos tenha sido um feito e tanto, por sua falta de visão, Pedro conta que para ele não foi tudo isso. “Foi uma coisa normal e natural”, diz ele, “assim como a ancoragem e comentários”. Para o estudante o mais “estranho” foi a reportagem, mas não pela sua deficiência visual e sim pela sensação de estar no campo.

Transmissão feita pelos estudantes de jornalismo da UFG. Foto: Arquivo pessoal/Ricardo Pavan

Pedro conta que não contava com a repercussão do caso e acrescentou:  

Que eu seja ‘o diferente’ e que as próximas pessoas ou os próximos cegos que sejam narradores sejam normais, não tenham todo esse destaque, por ser algo normal. Não é importante ser um narrador cego, é importante ser um narrador competente.

Representatividade

De acordo com o dicionário, “representativo” diz-se de um organismo a que se reconhece o direito de representar uma comunidade, uma nação etc. Na realidade, trabalhos e pessoas como Fernando Fernandes, Flávia Cintra e agora Pedro Paulo são muito importantes para que pessoas da nova geração possam se inspirar e ver que conseguem chegar a lugares que a maioria das vezes parecem distantes.  

Apesar da deficiência, a jornalista do Fantástico Flávia Cintra, que ficou paraplégica aos 18 anos, após um acidente, conseguiu construir uma carreira sólida. Para um PcD, assistir essas pessoas atuarem em profissões tão importantes, é ter as esperanças e sonhos renovados por ver alguém que chegou lá. 

Pioneirismo

Diagnosticado com glaucoma congênito, o estudante conta que nunca encarou sua rotina como fora do normal, especialmente depois de entrar na faculdade, onde desde o primeiro período já exercia a profissão. Pedro conta que, para fazer a narração, além do seu fone de ouvido para retorno da transmissão, ele usa um fone ligado a outra rádio, pela qual ouve e “traduz” a narração, além de ouvir outros profissionais na tribuna e os torcedores da arquibancada.

O jovem, que já realizou outras narrações após essa, inclusive na Série A do Brasileirão, conta que este é só o início e que, para o futuro, pretende continuar na área esportiva. 

Pessoas com deficiência no Brasil

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas, o que corresponde a 8,9% da população. O indicativo faz parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022.  Boa parte delas tem dificuldade de locomoção, o que limita algumas ações e consequentemente trabalhos.

Doutores da Bola

O estudante faz parte do projeto de extensão Doutores da Bola. O projeto, que neste ano completa 23 anos, é da Universidade Federal de Goiás em parceria com a Rádio Universitária. Surgido como um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da então estudante Ana Lúcia Jardim, é atualmente mantido por um grupo de aproximadamente 30 estudantes apaixonados por esporte, sob a orientação do Professor Ricardo Pavan. 

O docente se mostrou bastante orgulhoso pelo resultado e contou que o estudante sempre se mostrou capacitado para narrar uma partida, visto que já havia narrado partidas de futebol americano por outros meios, como em um canal no Youtube.  O professor Ricardo acrescentou que havia expectativas para a estreia de Pedro como narrador, que até então, pelo Doutores, só havia feito ancoragem, reportagem e comentários. 

Para o ouvinte foi uma partida e tanto, vitória do Tigrão em casa, em cima do time paulista Ituano, com o gol do atacante Guilherme Parede, mas, para os colegas de Pedro Paulo, houve uma empolgação adicional. Johnny Cangirana, repórter do jogo e colega de turma de Pedro Paulo, não esperava menos.

“Ele é incrível na reportagem e muito completo nas informações, ele consegue ver e passar coisas que a gente mesmo que enxerga… A gente não consegue ver esses detalhes e ele sim.”

O projeto é conhecido pelas oportunidades dadas aos estudantes e principalmente pelo seu pioneirismo, como, por exemplo, a presença majoritária de mulheres na cobertura esportiva. Atualmente o projeto conta com aproximadamente 30 alunos, sendo metade deles, mulheres. Desde o início do projeto houve a presença feminina,e embora atualmente haja muitas mulheres no grupo, o professor Ricardo Pavan conta, que, 2021 foi o ano com mais presença feminina.

Depois de inaugurar as coberturas majoritárias femininas, o foco agora é na acessibilidade. Na história das coberturas de rádio no Brasil, trata-se da primeira  narração in loco de um deficiente visual. O Doutores da Bola atualmente conta com uma equipe de aproximadamente 30 alunos. O professor relata que esse ano foram mais de 70 coberturas esportivas e convida a população a ouvir no site da Rádio UFG. Para Pedro, é um projeto “bacana”, diferente de tudo que há na UFG e em outras universidades.

Crise na Rádio

Embora o projeto seja renomado, seu futuro é meio incerto com a atual situação da Rádio. Os estudantes de jornalismo da UFG vêm enfrentando dificuldades acerca da sua permanência na programação da Rádio Universitária e isso se estende ao projeto de extensão. Com a mudança para FM, toda a dinâmica da rádio foi alterada e com isso alguns programas produzidos pelos alunos foram cortados da grade. Assim, impossibilitando a participação ativa dos alunos, conta um dos estudantes.   

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