“Ajuda bastante o Breaking como cultura”: Árbitro fala sobre a inserção da modalidade nas Olimpíadas de 2024

Migaz fala sobre os desafios e conquistas do Breaking, nova modalidade das Olimpíadas de Paris, em 2024
Tempo de leitura: 11 min

Paris será a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2024, sendo essa, a terceira vez que os Jogos ocorrem em território Parisiense – a primeira ocorreu em 1900 e a segunda em 1924. E, embora seja um território já conhecido dos Jogos Olímpicos, a próxima edição já conta com novidades, sendo uma delas a inserção do Breaking como modalidade.

Para entender melhor esse cenário, o LabNotícias entrevistou o B-Boy Migaz, que faz parte da comissão de arbitragem pela Confederação Nacional de Dança Desportiva (CNDD) e é árbitro licenciado pela World Dance Sport Federation (WDSF), a federação internacional responsável pelo Breaking for Gold, bateria de competições que garante o ranking para as Olimpíadas de 2024, em Paris. Além disso, possui mais de 20 anos de experiência junto ao cenário cultural do Breaking em Brasília, junto a sua crew – DF Zulu Breakers.

Migaz no festival Quando as Ruas Chamam, em 2023/ Fonte: Bruna Ferreira – Instagram

O Breaking é um estilo de dança urbana desenvolvida no Bronx, bairro de Nova York, nos anos 70. Inicialmente praticado por afroamericanos e imigrantes, o Breaking se consolidou como um dos quatro elementos da cultura do Hip Hop (Rap, Grafite, DJs e MCs, Dança de Rua), e é caracterizado por movimentos acrobáticos e enérgicos, além de competições que ocorrem tanto no âmbito cultural, quanto esportivo.

Mariana: Primeiramente, gostaria de saber um pouco mais sobre a sua carreira dentro do movimento do Hip Hop e Breaking.

Migaz: Faço parte do grupo DF Zulu Breakers, um grupo que existe desde 89 na Ceilândia. É o grupo em que eu estou até hoje, já tem mais de 20 anos, né? A partir desse grupo que eu aprendi sobre o trabalho sociocultural, a parte com cunho mais social do Breaking, e não só competições. Sou agente cultural da FAC (Fundo de Apoio a Cultura) da Secretaria de Cultura [do Distrito Federal] – eu concorro a editais que tem aqui em Brasília. Editais de oficinas, de eventos, viagens e tudo mais, para a circulação de espetáculos. Eu competi durante muitos anos e depois acabei virando árbitro, e agora estou fazendo parte desse âmbito Olímpico, para Paris 2024. 

Mariana: O senhor começou na década de 90, mas o Breaking surge nos Estados Unidos por volta dos anos 70. Então como foi essa vinda do movimento para o Brasil?

Migaz: Quando eu iniciei, o Breaking já era super famoso – inclusive a minha crew [grupo] -, mas os fundadores do meu grupo pegaram esse boom do Hip Hop, de 1983 ou 82, na época do Beat Street [A Loucura do Ritmo, filme de 1984], e tudo mais (era muito referência, para os B-Boys e para as B-Girls esses filmes). E desde então, eles foram passando o conhecimento e os passos. Antigamente era mais difícil, hoje em dia tem internet, tem tudo. Você aprende por vários tutoriais. E Brasília é muito forte também nessa questão. Porque o meu grupo, os fundadores foram Jamaica, Japão do Viela. Várias pessoas de nomes importantes já participaram do DF Zulu Breakers. Então, para mim, foi uma honra enorme entrar nesse grupo. Ele é multicultural, a gente trabalha os quatro elementos do Hip Hop [rap, grafites, Dj’s e Mc’s, e Street Dance], e a diferença é que era muito mais difícil de aprender a dançar, você tinha que buscar bastante… Em VHS, as fitas e tudo mais, aprender com as pessoas… O acesso era muito mais difícil e a dança era muito mais marginalizada, a gente sofria um certo preconceito. Mas com o Breaking indo para a Olimpíadas, isso já tá mudando bastante. Claro que lá fora, nos Estados Unidos, Europa, Ásia, o Breaking já está bem mais evoluído, nessa questão de patrocínio, de grandes marcas fazerem grandes eventos e tudo mais.

Mariana: Inclusive, como o senhor tocou nessa questão do cenário do Breaking internacional hoje em dia… Do seu ponto de vista, qual a importância da inserção do Breaking nas Olimpíadas?

Migaz: Isso ajuda bastante o Breaking como cultura também, porque as pessoas que já trabalham com isso conseguem ter muito mais visibilidade, muito mais trabalhos. A gente tem Federações, né? Eles podem trabalhar pelo esporte e não só pela cultura – agora a gente tem esses dois caminhos e isso vai facilitar. Não só a parte da competição, isso vai ajudar a captar mais recursos para quem já é da cultura… Porque a gente sabe que o fomento da cultura é muito mais fraco do que o do esporte.  O esporte movimenta milhões, você vê os jogadores aí, pode ver o futebol e outros esportes que arrecadam milhões e até bilhões. E o Breaking, ele está indo devagarzinho assim, mas já tem pessoas conseguindo muitos patrocínios.

Mariana: E como o senhor falou dessa questão da Federação, da movimentação do Breaking enquanto esporte… Quando o Breaking nasce, ele não nasce somente como um movimento artístico da dança, mas enquanto um movimento cultural mesmo, junto a cultura do Hip Hop e todo esse cenário. Quando começaram a tratar o Breaking como um esporte, teve algum receio do movimento perder a própria identidade por ter que seguir uma Federação e regras mais técnicas?

Migaz: Sim sim, algumas pessoas da cultura não foram a favor do Breaking como esporte, justamente pelo medo do Breaking perder sua essência como cultura, de ficar “engessado” vamos dizer assim… De perder seus fundamentos e tudo mais. Mas cabe a nós, ensinar para as pessoas mais novas que existe a cultura antes do esporte. É preciso falar tudo isso, que existem as festas de Breaking, os campeonatos culturais. A gente precisa passar toda essa história: quem criou, os fundamentos… Para depois mostrar essa parte olímpica. Cabe a gente não deixar isso morrer, mas já estamos vendo que o Breaking como cultura continua ainda mais forte, esse medo que as pessoas tinham está diminuindo, a cultura não vai acabar.

Mariana: Uma coisa não vai anular a outra…

Migaz: Exatamente, ainda mais que as Olimpíadas são de quatro em quatro anos. Tem os Jogos da Juventude também, mas existem, na cultura, vários e vários eventos. Esse ano mesmo participei de muito mais eventos na cultura do que no esporte.

Mariana: E se tratando das Olimpíadas, como funcionam as competições? O Breaking tem critérios muito baseados na originalidade, no improviso. Como isso pode ser avaliado em uma competição a nível olímpico?

Migaz: Na questão da dança nada mudou. Mas nós árbitros utilizamos um software que precisa os cinco critérios analisados, que são: técnica, vocabulário, originalidade, execução e musicalidade. Todos esses critérios já existiam na dança. O que é um avanço no Breaking enquanto esporte, é a parte física, porque como é de alto rendimento e os eventos são bastante extensos, a parte física acaba contando, devido a execução de movimentos. Se você não estiver condicionado, não estiver preparado, você não consegue executar aqueles movimentos com perfeição.

Mariana: E tem muitas competições em que essa questão do improviso se mostra ainda mais forte, porque os dançarinos nem sabem quais músicas irão tocar, é o DJ que escolhe. Essa forma de competição é uma categoria nas Olimpíadas?

Migaz: Bem lembrado, o DJ toca a música que ele quer. E geralmente esses eventos de Breaking no esporte, eles escolhem DJs Beatmakers, que criam a própria música, por conta dos direitos autorais quando há a transmissão. No top 16 em diante, a gente já tem músicas com direitos autorais. E isso é avaliado através da originalidade e da musicalidade, que são partes importantes, a parte do improviso. Ali quando ele escuta aquela música e consegue dançar, pegar cada instrumento, cada beat daquela música, conta bastante. Fora a parte de não repetir. Pensa, você dançar mais de 15 rounds sem repetir os seus movimentos, tem que ter um repertório enorme.

Mariana: O movimento, muitas vezes, para pessoas que não conhecem… Talvez o pessoal que esteja no sofá de casa assistindo a transmissão das Olimpíadas, não entenda muito bem o que está vendo, como funciona a competição. Então, quais as novidades que a inserção do Breaking nas Olimpíadas pode trazer para esse público?

Migaz: Para a gente não tem nada de diferente do que já estamos acostumados, né? Mas para quem está assistindo, a parte acrobática sempre vai ser a parte mais bonita, o pessoal fica “Nossa, mas como ele perdeu?”. A esperança que a gente tem, e que eu acredito que vá acontecer, é que tenha mais mobilidade do que só o 1vs1 (que a gente chama de 1×1), vai ter 3vs3, de crew (de grupo), eu acredito que teremos mais modalidades. Fica mais emocionante e muito mais legal de assistir. Mas o Breaking não tem muita diferença, para quem está assistindo, do que é o Breaking esporte e do Breaking na cultura. Essa parte do software, de você ver tudo na tela e os resultados, já existia na cultura. O que é bem legal, os jurados votam e vai aparecendo nas telas ali os votos, é bem emocionante essa parte. O legal é que agora o mundo todo vai poder assistir.

Mariana: Em 2019, Tony Estanguet, o presidente do Comitê Olímpico, disse que a escolha de inserir o Breaking, foi justamente para trazer um pouco mais da juventude para a tradição olímpica, e isso é uma característica muito forte para o futuro das Olimpíadas em si. O que o senhor espera para o futuro do Breaking como um esporte olímpico agora, em 2024, e para o que vem depois dessas Olimpíadas?

Migaz: O principal é difundir mais nas escolas. Fazer com que o Breaking chegue mais nessas pessoas, que tenham mais acesso. Hoje, ainda é muito difícil falar “Quero aprender Breaking”, para você encontrar, ainda é difícil. Existem programas igual a Renapsi, que está fazendo o Olimpismo1, e é muito bacana, de ter essa inserção do Breaking e as pessoas terem acesso através de profissionais, de instrutores que já dançam há muito tempo e que tenham essa metodologia. O que eu espero é que a juventude alcance mais e que outras confederações adotem mais o Breaking. Como o CBDU2, a gente tem o JUBs [Jogos Universitários Brasileiros], que é o desporto universitário; a gente tem o Gymnasiade [evento multiesportivo destinado a crianças de 14 a 17 anos] que é do CBDE3, do desporto escolar, as crianças do mundo todo – que é o sub15 -, competem entre si. A gente teve no Rio de Janeiro o mais recente, foram atletas do mundo todo, teve o sub15 e teve o Breaking.

  1. Renapsi é uma Organização da Sociedade Civil (OSC), que visa a formação e inserção do jovem na vida laboral, através do Programa Jovem Aprendiz. O Olimpismo é um projeto desenvolvido pela Renapsi, com o objetivo de fomentar o esporte entre os jovens, através de palestras com atletas e ex-atletas, além de atividades dinâmicas. Migaz já participou de palestras pelo programa. ↩︎
  2. CBDU: Confederação Brasileira do Desporto Universitário.
    ↩︎
  3. CBDE: Confederação Brasileira do Desporto Escolar ↩︎

Mariana: Inclusive o Breaking esteve no último Jogos da Juventude, em Buenos Aires…

Migaz: Exatamente, vai ter em 2026. O pessoal está bem ansioso para acontecer, a gente precisa formar mais atletas aqui no Brasil, porque como é Jogos da Juventude… O Breaking no formato normal é a partir de 16 até… Não tem limite. Mas como é o Jogos da Juventude, vai ter um limite de idade, por isso que a gente precisa trabalhar, ter atletas que consigam competir, bater de frente com a China, por exemplo.

Mariana: Para finalizar, eu queria saber sobre como está o cenário do Brasil nessas competições internacionais, tanto para os Jogos da Juventude, quanto para as Olimpíadas?

Migaz: Para as Olimpíadas, a gente tem 4 atletas no jogo: 2 para o feminino e 2 para o masculino. Inclusive, eles estão em Hong Kong agora [a entrevista ocorreu dia 12 de dezembro. As competições ocorreram entre os dias 15 e 16 de dezembro]. Vai ter o OQS que são duas etapas, duas competições, onde o top40 vai competir e vai sair somente 10 para 2024, e os Brasileiros têm chance de conquistar uma dessas dez vagas que restam. O OQS é o Olympic Qualifier System, e é o último ranking para ir para as Olimpíadas.

One thought on ““Ajuda bastante o Breaking como cultura”: Árbitro fala sobre a inserção da modalidade nas Olimpíadas de 2024”
  1. Parabéns à jornalista pela entrevista envolvente com Migaz, abordando com maestria os desafios e conquistas do Breaking nas Olimpíadas de Paris 2024. Sua habilidade em trazer insights valiosos enriquece a compreensão dessa nova modalidade, proporcionando uma experiência informativa e cativante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *