Como a disseminação da cultura fitness contribui para o desenvolvimento de transtornos alimentares nos homens

A busca pelo padrão de beleza na idealização do corpo perfeito afeta tanto homens quanto mulheres e a disseminação de uma cultura teoricamente saudável tem contribuído para o desenvolvimento de transtornos alimentares no público masculino
jan 17, 2024 , ,
Tempo de leitura: 6 min

Os transtornos alimentares, ou TA, são condições psiquiátricas que compromentem a funcionalidade humana e trazem alterações comportamentais de alimentação e de hábitos alimentares. Ocasionados por fatores psicológicos, hereditários, socioculturais ou metabólicos, esses transtornos apresentam, em geral, suas primeiras manifestações na infância e na adolescência, que é quando os corpo passa a representar um papel central na vida dos indivíduos.

A puberdade e a idealização de uma imagem pessoal leva o corpo em formação a ser objeto principal das questões conflitantes individuais e coletivas e, assim, crianças, adolescentes e jovens passam a utilizar o próprio corpo como um suporte que diferencia ou aproxima os indivíduos a determinados grupos sociais.

É característico encontrar nesses grupos preocupações obsessivamente detalhadas de porquê seu corpo ou sua aparência não são como deveriam ser e, consequentemente, como os transtornos alimentares tornam-se presentes na vida e no cotidiano de cada indivíduo. Isso acontece porque os transtornos alimentares estão diretamente relacionados à distorção de imagem e o medo de ganhar muito peso, ser muito magro ou não ser musculoso o suficiente passa a fomentar em diferentes grupos de pessoas a necessidade de trabalhar radicalmente e desproporcionalmente a própria imagem.

Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, estima-se que mais de 70 milhões de pessoas no mundo sejam afetadas por algum transtorno alimentar, sendo estes anorexia nervosa, bulimia nervosa, compulsão alimentar, ortorexia, hiperfagia e vigorexia. Esses distúrbios, em geral, caracterizam-se pela busca incessante por um corpo considerado perfeito e, em uma sociedade patologicamente alarmada com as proporções físicas de um corpo qualquer, os transtornos alimentares ganham cada vez mais força em uma estrutura social midiatizada, contribuindo para que estes tenham as maiores taxas de mortalidade entre os transtornos mentais.

As supermodelos, o declínio do movimento Body Positive e a constante cobrança em relação ao corpo feminino tornaram comum associar os transtornos alimentares exclusivamente às mulheres e, por mais que ainda seja um tabu, a ocorrência de transtornos alimentares em homens é uma problemática real e em ascenção. A supervalorização da aparência e o uso das redes sociais contribuem para a incidência dessa condição, assim, muitos meninos e jovens tem tido contato com conteúdos de influenciadores fitness e de body builders e, consequentemente, a figura desses atletas ganhou popularização e passou a ser idealizada pelo público masculino.

Ramon Dino, atleta de fisioculturismo e vice-campeão do Mr.Olympia 2023
Ramon Dino, atleta de fisioculturismo e vice-campeão do Mr.Olympia 2023 – Foto: Reprodução/Instagram

De acordo com pesquisadores e médicos especialistas, o número de homens diagnosticados com algum transtorno alimentar encontra na proporcionalidade um para cada três mulheres. Entretanto, para muitos, esse número pode ser consideravelmente subestimado devido à falta de informações e diagnósticos que existem para essa incidência, que por conta dos esteriótipos de gênero, levou anos para ser levado como uma pauta a ser debatida.

As psiquiatras Paula Melin e Alexandra M. Araújo, em seu trabalho, “Transtornos Aliementares em homens: um desafio diagnótico”, pontuaram que a exclusão do grupo masculino, em anos de estudo sobre os TA, ocorreu por conta do baixo número de casos, da compreensão psicanalítica e da falsa crença que esse distúrbio é limitado ao corpo feminino.

As especialistas apontam que podem existir algumas diferenças entre os transtornos alimentares em mulheres e em homens, especialmente na idade em que eles se manifesam. Enquanto que nas mulheres os transtornos alimentares podem surgir na infância ou adolescência, nos homens pode-se manifestar mais tardiamente, entre os 18 aos 26 anos.

Outro fator que diferencia esses distúrbios diz respeito quanto ao que é idealizado, enquanto nas mulheres o ideal corporal de beleza é a magreza, nos homens, na maioria dos casos, se busca um corpo atlético e com maior percentual de massa muscular. Esses fatores, aliados a popularização dos atletas de fisioculturismo, contrubuem para que o grupo masculino, em diferentes faixas etárias, busque a realização excessiva de atividades físicas, ingestão de suplementos sem prescrição de médicos ou nutricionistas e uma alimentação radical que se baseia na compulsão ou restrição.

Segundo o estudo, alguns grupos de homens são mais vulneráveis a desenvolver esses trantornos e destacam-se aqueles cujas profissões priorizam e dão importância para o peso ou a forma corporal, como modelos, bailarinos, nadadores, ginastas, fisioculturistas e lutadores de luta livre.

Além disso, conforme uma análisa psiquiátrica realizada nos Estados Unidos, intitulada “Eating disorders in gay males”, os homens homossexuais, bissexuais e transexuais tendem a sofrer mais com transtornos alimentares. Os dados apontam que 20% da população LGBTQIA+ masculinos sofrem de algum tipo de TA. Entretanto, como dito anteriormente, esses dados podem estar super representados devido a dissociação dos homens heterosexuais desses diagnósticos, que podem não admitir que estão doentes ou, muitas vezes, nem sequer estar em consciência de um transtorno alimentar, fator que evidencia a necessidade do debate.

Recentemente, viralizaram nas redes sociais alguns vídeos que mostravam jovens seguindo à risca suas dietas radicais para crescimento muscular. O bulking, é uma fase do processo de hipertrofia que consiste na ingestão de muitas calorias, facilitando o ganho de peso e o ganho de massa muscular. Essa é uma das estratégias mais utilizadas pelos atletas de alta performance e pelos fisioculturistas para o ganho de massa e, deve ser precisamente acompanhada por um nutricionista e um profissional de educação física.

O que vemos hoje, no entanto, são adolescentes e jovens, muitas vezes, sem acompanhamento médico e nutricional seguindo essas dietas de atletas de alta performance e desenvolvendo, então, compulsões alimentares que podem acometer seriamente a saúde dos indivíduos.

@vtnho0

Eu não mostro oque acontece atras das câmeras, mas não é nada fácil. #gym #gymtok

♬ I Won’t Wake up This Time (Freaks) – BRAMANE

A Associação Brasileira das Academias (ACAD Brasil) relatou que o número de estabelecimentos direcionados para a realização de atividades físicas cresceu em 22% nos últimos cinco anos e, desde a pandemia, o número de pessoas que começou a praticar exercícios físicos ou musculação também aumentou.

A questão é como a disseminação de uma cultura teoricamente saudável tem afetado o psicológico das pessoas e o agravamento dos transtornos alimentares afetam todo o organismo humano, então é muito importante que aqueles que lutem contra essas condições procurem ajuda profissional. O aumento no número de casos diagnosticados em homens, gera preocupação à princípio, mas abre espaço para que essa discussão seja feita racionalmente, livre de ridicularização e julgamento.

O preconceito e os esteriótipos de gênero contribuem para que as pessoas com essas condições sofram em silêncio ou, muitas vezes, nem sequer saibam que precisam enfrentar essa situação. Por isso, é preciso continuar a debater o tema para que os homens e mulheres acometidos possam procurar ajuda profissional e reconquistar a autoestima e a autoconfiança.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *