Além do sertanejo: o eletrofunk como novo símbolo cultural goiano

Como o estilo musical vem se consolidando e tomando um espaço importante no cenário estadual e nacional
jan 24, 2024 , ,
Tempo de leitura: 6 min

Quando se fala em Goiás, a primeira coisa que vem a cabeça da maioria das pessoas provavelmente é a cultura sertaneja. O Estado de Goiás é reconhecido há várias gerações pela movimentação sertaneja, tanto na área de produção agrícola quanto cultural. Entretanto, a nova geração vem quebrando esse estereótipo e ressignificando o cenário cultural goiano. 

Com a pandemia, muitos cenários se modificaram e o mesmo aconteceu com a cena musical goiana. Com o lockdown, surgiram as famosas “festas clandestinas”, eventos simples que optavam por som automotivo e carros equipados com som, pela praticidade. O som automotivo já era conhecido e muito usado no Brasil há anos, entretanto, o estilo sofria fortes opressões e era marginalizado. Foi após a pandemia, com o auxílio das mídias e plataformas digitais, que o estilo se popularizou, tornando a capital goiana nacionalmente conhecida por “ terra do automotivo”, entre a população mais jovem.

O Eletrofunk também não é de hoje!

Embora o estilo que se adeque perfeitamente ao grave alcançado pelas saídas do som tenha viralizado nos últimos anos, o ritmo que une a música eletrônica com o funk brasileiro já tem mais de uma década de história, e tem as mesmas origens do funk, sendo muito utilizado em festas e bailes. O DJ Felps, nome artístico de Fellipe Gomes, conta que antigamente até em casas de show o estilo era “meio” discriminado.

O artista está na cena do eletrofunk há 2 anos, mas já reside na área há mais de uma década. Felps conta que foi após a pandemia e de seu primeiro contato com o eletrofunk que decidiu migrar de estilo, saindo da eletrônica, assim como muitos outros DJs fizeram. 

DJ Felps em um ‘set’ de eletrofunk. Foto: Acervo Pessoal/ DJ Felps

O artista, que é natural do interior de Goiás, conta algumas das novas estratégias de quem atua na cena para emplacar o estilo. Basicamente a ideia é criar músicas originais. “Tudo do zero, com parcerias, com cantores ou com MCs. Então, já tem até uma galera do sertanejo que tenta misturar um pouco de sertanejo com eletrofunk. Mas a ideia hoje, para que o eletrofunk não seja tão discriminado, é criar eletrofunks do zero, aqui em Goiás mesmo, sem palavras de baixo calão, que seriam palavrões, palavras obscenas, que rebaixam a mulher, que não daria para escutar ali no almoço de domingo com a família.” 

Mas se engana quem pensa que o estilo atrai apenas a geração Z: a batida do eletro ultrapassa gerações e vai desde crianças do fundamental que amam o trenzinho até a terceira idade que curte uma aula de ritmos. Um dos grandes responsáveis por essa aprovação massiva é o DJ Jiraya Uai. O artista, que não deixa sua cultura sertaneja exemplificada no nome, conquistou a todos por seu carisma nas redes sociais e estilo único, mas foi com a inovação em suas músicas e shows que chegou à fama.

Jiraya Uai

Jiraya uai, nome artístico de Andrew Bonfim, esta cada vez ganhando mais espaço no mundo do eletrofunk goiano, com seus dançarinos caracterizados como personagens infantis famosos e músicas eletrizantes, mas foi com a música “Olha o trem” que o DJ alcançou outro patamar.

A música, que introduz uma buzina de caminhão nas batidas do eletro e não utiliza palavras de baixo calão, não só alavancaram sua carreira como  conquistaram o público infantil, transformando o DJ em um “rei dos baixinhos”. Atualmente o DJ conta com mais de um milhão de seguidores no Instagram e o hit com mais de  dezessete milhões de reproduções.

Patrimônio Cultural

No dia 22 de agosto de 2023, a Assembleia Legislativa do estado de Goiás (ALEGO), realizou uma cerimônia solene, fora do convencional, ao homenagear a cultura pop e periférica. “À frente do Parlamento goiano temos trabalhado para valorizar cada dia mais os nossos artistas locais, pessoas que têm levado o nome de Goiás para todo o Brasil e levado entretenimento e lazer para a nossa sociedade”, explicou o deputado Bruno Peixoto (UB), presidente da Alego.

Com a desaprovação de muitos cidadãos, o deputado esclareceu em seu discurso: “E nós, temos sim, que homenageá-los porque estão levando a cultura do Estado de Goiás, levando o nome do nosso Estado, das cidades goianas, para o Brasil, para o mundo. Hoje o público pede a presença de vocês.” Em seguida, o Jiraya Uai sintetizou o simbolismo do evento da noite: “Hoje nós quebramos uma barreira gigantesca, que é o preconceito”, ao receber  a Medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira.

Para os fãs de eletrofunk, qualquer passo é uma vitória. Com um estilo mais difundido, o acesso é garantido. Entretanto, ainda há lugares do país em que o estilo ainda não é muito apreciado. É o que diz a estudante de Relações Públicas, Ana Beatriz, natural do interior de Minas Gerais e residente em Goiânia há dois anos. Ela conta que se apaixonou pelo estilo, mas que ele ainda é muito pouco visto em sua cidade natal, onde frequenta durante o período de férias. 

A ação tomada pelo deputado gerou repercussão nacional e teve grande impacto no processo de desmarginalização do eletrofunk. Fernando Cordeiro, mais conhecido como DJ Wam Baster, que também estava presente na cerimônia ressaltou: “não foi fácil chegar até aqui, mas vamos continuar firmes e fortes. Vamos levar nosso som adiante, todos juntos, para tornar não só regional, estadual, mas também mundial.”

O DJ Felps conta que essa realidade está mais próxima do que nunca,  e que há vários artistas tocando fora do país, como em Londres, Portugal e Estados Unidos. “ A ideia é que seja cada vez mais reconhecido.”

Sessão solene em homenagem aos Dj’s goianos. Foto: Alego

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