Resistência Ancestral: A luta pela visibilidade dos povos indígenas no Brasil

Apesar de estarem aqui desde sempre, os povos indígenas ainda precisam lutar por seus direitos e suas terras
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Greenpeace, 2021 Foto: Rafael Vilela

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a população indígena ultrapassou 1,6 milhão de pessoas, o que representa 0,83% do total de habitantes do Brasil. No censo anterior (2010) eram 896 mil indígenas no país. 

Esse aumento se deve a nova metodologia aplicada pelo IBGE. No novo censo, a pergunta “você se considera indígena” não foi feita apenas em terras indígenas, mas em áreas urbanas ou rurais com presença comprovada ou potencial de pessoas indígenas. 

Essa nova metodologia quebra o estereótipo racista fortemente presente de que “os índios só estão no mato” como afirma o escritor Ailton Krenak em entrevista ao Adriano de Valor Moreira para o artigo Visibilidade, Comunicação, Políticas Públicas e Saúde: Ressonâncias e Interrelações na Saúde Indígena, e traz a uma reflexão sobre onde esses povos deveriam estar.

De volta a 1500

Obra: Oscar Pereira da Silva, 1900; Wikipedia

Falar sobre visibilidade indígena é relembrar 500 anos de genocídeo e de luta por direitos básicos. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai) a população indígena de 1500, antes da invasão portuguesa, era de aproximadamente 3 milhões de habitantes, sendo que aproximadamente 2 milhões estavam localizados no litoral do país e 1 milhão no interior. Em 1650, esse número já havia caído para 700 mil indígenas e, em 1957, chegou a 70 mil, o número mais baixo registrado.

Desde então, a população indígena aumentou, como apresentado no último censo demográfico realizado pelo IBGE em 2022, mostrado no início desta reportagem.

Antes da chegada dos colonizadores, os povos indígenas que habitavam o território, hoje denominado Brasil, compartilhavam algumas características culturais. Suas sociedades eram organizadas com base no coletivismo, não havia estruturas políticas formais, Estados ou governos centrais, tampouco utilizavam moeda ou participavam de trocas mercantis. Suas crenças religiosas eram predominantemente politeístas e estavam profundamente enraizadas na conexão com a natureza.

Desde o início da colonização européia, a visão sobre esses povos foi marcada pelo etnocentrismo, considerando seu modo de vida como inferior por não se alinhar aos padrões europeus de civilização e progresso. No entanto, a antropologia e a sociologia contemporâneas rejeitaram essas análises preconceituosas, reconhecendo que as diferenças culturais não devem ser usadas como critério para estabelecer hierarquias entre as culturas.

De volta a 2024

Para abordarmos sobre esse assunto, o LN conversou com a professora de línguas indígenas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Maria Sueli de Aguiar. Maria Sueli é graduada, mestrada e doutarada em línguas e trabalha com línguas indígenas desde sua primeira formação.

LN: Quando você acha que começou a ser pautado o tema visibilidade índigena?

Maria: Eu acho que já tinha essa proposta, só que em número menor e de forma mais acanhada. Por exemplo, tem um estudo que eu fiz, chamado etnônimos, que é voltado para o que significa o nome daquele grupo indígena. E eu estava em um estudo em uma certa aldeia conversando com um senhor e perguntei qual era o significado do nome do lugar e esse senhor respondeu que não sabia. Que não foram eles que deram o nome, só colocaram [o governo] o nome na placa e ninguém sabia ler, então ficou por aquilo. Só que eles reclamaram e o que aconteceu foi o seguinte: as pessoas que os atenderam falaram que se eles ficassem reclamando iam passar a terra para quem quisesse ser chamado daquele nome. No final, eu perguntei se podia divulgar o nome oficial deles e ele me respondeu o seguinte: “Dona Maria, se isso não for tirar nossas terras, pode divulgar. Porque mais importante que um nome, é ter uma terra que a gente possa sobreviver”. E foi aí que percebi que os Estudiosos levam anos e anos pesquisando a língua preocupada em conservar a língua e não respeitam o povo que fala a língua. Então eu acho que não é questão de não ser pautado, é mais questão de incompetência nossa em tentar enxergar o outro.

LN: O jornalismo dá a devida atenção a essa pauta?

Maria: Olha eu acho que na medida que eles acham convenientes, sim. Eu não acho que negligencia não, mas muitas vezes as pessoas nem se dispõem em jogar na roda para apresentar. Mas não vejo ele [o jornalismo] contra. Eu acho que os indígenas têm tido um espaço bem importante. Acho que até bastante ostensivo. Ultimamente não vejo como negligenciando não. Agora é hábito dizer que não porque tá um atraso tão grande que fica parecendo que é pouco, mas eu não acho que não está tendo. Inclusive tá tendo bastante respeito. E a mídia tem dado um olhar bastante imponente em relação aos indígenas.

LN: Então as redes sociais estão ajudando também a dar mais atenção às causas indigenistas?

Maria: Sim. Mas eu acho que tem que ver também uma questão mais equilibrada. Não pode ser aquela visão muito para lá ou muito para cá. Tem que ser equilibrado. Temos que nos esforçar para entendermos todos os lados.

Se eu considero algo certo, não necessariamente ele sempre estará certo. Eu tenho que me dispor a entender o outro lado, porque somos pessoas e a gente erra às vezes.

Maria Sueli

LN: Já que estamos falando de visibilidade indígena, qual a maneira certa de se relacionar a esses povos? É índio ou indígena?

Maria: Então, primeiro que índio vem de um equívoco da questão da Índia e o termo índio coloca como sendo todos iguais. O indígena não. É um termo para antes da invasão portuguesa, o nome índio vem com eles. Então, hoje em dia, não é um termo mais aceito.

LN: Qual o fator que levou pessoas indígenas a conseguirem cargos de poder, como a atual Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara?

Maria: Nesse caso, uma representação nacional tem muito a ver com qual é a visibilidade que estava em solicitar como a pessoa se posiciona e solicitar os direitos e que foi mais plausível escolher um do que outro. Assim, as propostas apresentadas por ela foram boas, o que levou as pessoas a confiar, e por ela ser indígena, ela vai ter mais votos do seu povo. Igual o presidente atual [Lula (PT) – Presidente do Brasil], que teve mais votos no nordeste, porque é o lugar onde ele nasceu. Então, ele sabe o que o povo de lá precisa, Entende? É muito sobre saber e entender as necessidades de um grupo, e ela entende o que o povo dela precisa, por isso era a mais propícia a assumir o cargo.

Posse da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no Palácio do Planalto Fonte: Agência Senado

LN: Qual a importância de ter pessoas indígenas em cargos de poder?

Maria: É de total importância. É uma forma de dar visibilidade para o grupo. É a mesma coisa que falei antes, eles entendem as dores do seu povo, então, sabem do que eles precisam.

LN: E quanto ao dia 19 de Abril?

Maria: Olha você tem toda uma história que atualmente a gente não concorda que tem que ter um dia já que tá na proporção que está. Ainda fazemos a semana indígena, mas é preciso passar essa fase porque já é muito pobre falar que o dia ainda é do índio, nem do indígena. Como eu disse, tem toda uma questão histórica. 

“Foi importante naquela época, mas hoje não precisa ter um dia em específico porque agora tem que ser discutido todos os dias e todo o tempo.”

Outra perspectiva

De acordo com o professor da Universidade Federal do Goiás (UFG) Gilson Tapirapé, é de extrema importância pautarmos sobre o tema visibilidade indígena, mesmos os não indígenas, porque é uma forma de levar o tema para as pessoas que não se interessam ou que não conhecem. Isso porque dessa forma, talvez gere uma curiosidade sobre o assunto.

Ao decorrer da entrevista ao LN, Gilson se contrapõe à afirmação da professora Maria Sueli de que hoje em dia o tema visibilidade indígena é pautado constantemente. “Dificilmente você pauta indígena como fator principal para discussão para vários setores. O que a sociedade brasileira conhece sobre os indígenas é o que está escrito nos livros”, afirma Tapirapé.

“O que muitas vezes a mídia passa são coisas que nem sempre são a favor dos povos indígenas, porque a mídia muitas vezes traz para debates a respeito de conflitos sobre territórios, ocupações e essas coisas. Raramente trazem pautas a favor dos povos indígenas, sempre é algo que vai ao contrário do que nós somos de fato. E nas escolas são transmitidos conhecimentos que foram escritos pelos colonizadores há muito tempo”

Gilson reforça a ideia de que os temas indígenas são mais lembrados no mês de abril, que é considerado o mês do indígena, só que de uma forma mais descontraída e não necessariamente para pautar questões importantes.

“Na verdade é dedicado para se divertir com esses traços indígenas, imitações. Não se leva em consideração valores culturais e linguísticos dos povos indígenas. Não se trata das questões reais das vivências, não se trata da diversidade.”

“Nesse período [abril] se alimentam as visões de estereótipos sobre os indígenas, então é muito difícil acabar com essa visão errada sobre a gente. Acho muito difícil acabar com isso porque as escolas alimentam isso. Os professores não buscam se atualizar metodologicamente e sempre repetem a metodologia que foi implantada há muitos anos atrás”, afirma o professor.

Situação atual

Com o aumento de pessoas indígenas em cargos de poder, a visibilidade às suas causas tende a aumentar e se tem uma exposição maior sobre a luta e direitos desses povos.

Nos últimos anos, não só o número de pessoas que se consideram indígenas tem aumentado, mas também o número de pessoas indígenas em cargos de poder.

Prova disso, são as eleições de 2022, em que foram eleitos 5 indígenas para a Câmara dos Deputados. Entre eles, Sônia Guajajara, eleita pelo PSOL de São Paulo com 156.966 votos. E Célia Xakriabá eleita pelo PSOL de Minas Gerais com 101.154 dos votos.

Abaixo, segue nome e partido dos Deputados indígenas eleitos:

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Nas eleições gerais de 2018, houve 136 candidaturas indígenas, com dois eleitos. Em 2022, o número subiu para 186 candidatos, com nove eleitos.

Segundo a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, existem alguns pontos que atrapalham uma participação maior ainda dos povos indígenas no processo eleitoral, como a locomoção. Porque existem locais em que é preciso se locomover 200 quilômetros (Km) a pé para chegar a uma urna, atravessando diversos obstáculos geográficos, afirma a presidente.

“A gente precisa ter urnas dentro das comunidades para que a comunidade indígena possa exercer seu direito.”

Joênia Wapichana afirma que: “A atuação parlamentar indígena dentro do Congresso Nacional é importante, pois é um espaço que nos propicia e nos dá condição de manifestação”.

Meios e alternativas

Apesar de estarem alcançando a devida visibilidade pela luta de suas causas, o caminho para que todos os problemas sejam solucionados está longe de acabar. Isso, porque ao longo da história, essas comunidades enfrentaram estereótipos negativos e marginalização, que obscureceram sua verdadeira essência e contribuição para nossa nação.

Uma forma de reparar os danos causados a esses povos e garantir visibilidade para suas lutas e causas é através da educação cultural, que nos permite mergulhar nas riquezas das tradições indígenas e compreender suas realidades de maneira mais profunda e autêntica. Ao incluir conteúdos sobre a história, cultura e contribuições dos povos indígenas nos currículos escolares, estamos construindo pontes de entendimento e respeito desde a infância.

“Principalmente no que diz respeito ao ensino nas escolas, precisam ser repensados. Uma vez que os materiáis didáticos que falam sobre os povos indígenas são muitos ultrapassados e não correspondem com a realidade. E as metodologias usadas para se falar de indígenas são totalmente errôneas”, afirmar Gilson Tapirapé.

Outra maneira, seria apoiar produções e obras realizadas por indígenas, e, dessa forma, ajudar a dar voz às suas pautas como uma forma também de combater estereótipos e preconceitos arraigados.

Para o professor Gilson, os comunicadores indígenas tem feito um trabalho incrível dentro das comunidades, e isso ajuda a dar mais visibilidade, não só as pautas indígenas, mas ao que eles produzem. Dessa maneira, ajuda a quebrar o estereótipo negativo presente. E reforça que a Lei nº 11.645 seja cumprida. Essa lei obriga que as escolas não indígenas trabalhem a história e conhecimentos indígenas

“Precisa ser feito uma ação, tipo essa lei. Senão, o Brasil vai continuar a ter essa forma de pensar: que os indígenas são aquilo”

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