Tempo de leitura: 9 min
Foto por: Adriano Fonseca Silva

No início do novo governo Lula, foi sancionado no dia 11 de janeiro a Política Nacional de Educação Digital. Entre os itens vetados pelo presidente estava a inclusão de competências digitais, como por exemplo, aulas de robótica e programação na grade escolar. A política foi vetada devido ao conflito entre regras vigentes, mas a discussão permanece: A robótica deveria ser aplicada nas escolas? Quais os impactos da disciplina na vida escolar dos estudantes?

Conversamos com o Professor de robótica Adriano Fonseca Silva, que trabalha como coordenador do Grupo de Robótica do Colégio da polícia Militar de Goiás. Ele nos conta um pouco sobre a robótica e a influência dela nas vidas de diversos jovens. Segue na íntegra:


LabNotícias: Como funcionam as aulas de robótica nas escolas? O que as diferem do estudo acadêmico?

Adriano: Nas escolas nós vamos ter duas diferenças, né? Tem escolas que possuem recursos e conseguem desenvolver atividades de robótica ligadas a kits de robótica, programação, entre outros, e tem escolas que trabalham, como se diz, com o que tem. Trabalham com o material que é possível: com sucata, programação desplugada, etc.

Em ambos os casos, seja numa escola que possui kits quanto numa escola que trabalhe de forma alternativa, eu não enxergo essa diferenciação do estudo acadêmico ainda, porque em geral o que a gente procura ensinar e repassar com as aulas de robótica é aplicar aquilo que você aprende em sala de aula com auxílio da robótica, independente do conteúdo, do componente curricular.

Porém existe já uma vertente ou um caminho em que essa atividade vai virar e vai se tornar um componente extra, ou seja, programação, linguagem de programação, inteligência artificial, tudo isso inserido dentro de uma disciplina. Então vai ser no futuro, e não muito longe, um componente à parte, uma nova forma de ensinar dentro da escola.


LabNotícias: Quais os benefícios da aprendizagem de programação e robótica?

Adriano: São imensos, raciocínio lógico, perceber os problemas na prática de forma direta, quando você fala a linguagem de programação, a gente não tá falando somente de aprender uma língua nova, né? A gente tá falando de pegar o que você já sabe e transformar aquilo em algo novo.

Por exemplo, a gente pode aprender sobre equações de segundo grau resolvendo no caderno, né? O aluno vai lá resolve quantas forem necessárias até assimilar o conteúdo. Com a linguagem de programação, e hoje está bem acessível, o aluno consegue desenvolver programas que resolvam essas equações.

Para se desenvolver esses programas há necessidade de tomada de posse do conteúdo – o que já é feito na aula dentro do componente curricular – e então escrever uma linguagem [de programação] que interprete isso. Então é colocar o conhecimento aplicado diretamente, o aluno estando em sintonia com conteúdo.


LabNotícias: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou na quarta-feira (11), com três vetos, a Política Nacional de Educação Digital. Um dos itens vetados pelo presidente Lula visava a inclusão de competências digitais, como aulas de programação e robótica na grade escolar. Qual é a importância da aula de robótica para a instrução básica?

Adriano: Esse veto eu acho que na verdade é só uma adequação, ele não veta as aulas de programação e robótica, ele coloca como opcional de forma imediata, o que não atrapalha em nada o que vem acontecendo, a implantação, só não torna obrigatório imediatamente.

Agora qual que é a importância disso dentro educação básica, né? Não tem como a gente pensar numa escola hoje que não esteja alinhada a essa nova língua, essa nova forma de falar que é a linguagem de programação. A aula de robótica educacional serve como um trampolim para que você entenda conceitos, para que você entenda componentes curriculares e os aplique, ou seja, coloque eles em evidência, façam que eles tenham um sentido real, não vejo uma escola hoje sem isso.

Sem falar que na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), na competência 5* se fala muito disso, que o estudante ele tem que ser capaz de interagir com o meio tecnológico, mas não só interagir, ele tem que saber como aquela linguagem funciona, criar programas de computador, entender como esses programas funcionam, corrigir problemas, sem falar que é uma profissão do futuro. No futuro bem próximo os programadores, as pessoas que trabalham computação serão altamente requisitadas.

*Competência 5: “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.” (BNCCC)


LabNotícias: Como o investimento nas aulas de robótica e programação impactaria o futuro profissional dos alunos?

Adriano: O profissional do futuro ele necessita dessa habilidade de lidar com esse mundo digital, de entender algoritmos, entender como funcionam as coisas. Então desde cedo já inserido nesse meio, interagindo com as máquinas e sabendo como elas funcionam, como programá-las, alterá-las, compreendendo a estrutura mais básica e mais profunda delas, vai impactar no na vida profissional deles de forma bem objetiva.

Um exemplo é que hoje, a gente tem ao sair do ensino médio estudantes que não conseguem editar planilhas simples nos pacotes de dados, como o do Office. Não é difícil encontrar um aluno que não saiba manusear uma planilha do Excel, fazer uma apresentação de PowerPoint, e no mercado de trabalho hoje isso é tido como básico. Então eu vejo sim que isso vai impactar de forma bem positiva e isso vai fazer com que esses estudantes estejam inseridos no mundo no mundo atual.


LabNotícias: Como professor, quais os impactos do ensino de robótica que você pode observar nos seus alunos?

Adriano: Primeiro que agora que está se tornando uma atividade curricular, em que eu tenho toda a escola envolvida, todos os alunos ali envolvidos. Até 3/4 anos atrás nas escolas em que eu trabalhei, era uma atividade extracurricular, você encontrava ali alunos que se interessavam pela aquela atividade e só desenvolviam uma habilidade que já tinham.

Agora o que que eu percebo hoje? Eu percebo a total e completa atenção dos alunos para esse mundo novo. Esse ano numa das escolas em que eu trabalho, robótica é disciplina obrigatória no 6º ano, e nessas aulas que são as iniciais, você percebe nos alunos o impacto que isso pode trazer, percebe como eles se interessam, como eles vêm essa nova atividade sendo aplicada naquilo que talvez eles já saibam. Eles sabem mexer computador, mas eles nunca ouviram falar como é que um algoritmo funciona, e você vê neles, como ficam encabulados de ver que o algoritmo é algo simples, que está usando linguagem complexa às vezes, mas para relatar algo que tá no dia a dia.

Fiz com eles já na primeira semana o algoritmo que resolvia a tabuada. E quando foi de tabuada para divisão eles ficaram ‘poxa, mas e agora? Ah, agora eu preciso entender como funciona a divisão’, eles percebem isso, percebem que é aplicar algo que já sabem num mundo novo. Os impactos são grandiosos, eu tenho alunos aí que saíram da escola e estão nas vidas profissionais deles e não se afastaram muito, eu tenho um aluno que resolveu fazer medicina, mas ele não quer trabalhar em consultório, ele quer trabalhar com produção de materiais e equipamentos de robótica na medicina, por conta da robótica. E assim vai com vários alunos, então acho que a robótica abre a visão deles e dá possibilidades para eles.


LabNotícias: Como os alunos se sentem em relação às aulas? Há uma recepção positiva?

Adriano: Eles se sentem bem na grande maioria, é lógico que alguns no início na cabeça deles é uma coisa e quando chega lá percebe que é algo totalmente diferente, assim como todo elemento da grade curricular. Então, eles recebem das mais diversas formas esse conteúdo, né? Eles sentem às vezes que não são capazes, às vezes que são e vão percebendo que o caminho é diferente do que eles imaginavam e a recepção é sempre positiva porque a robótica mexe com o universo, né? Tá no imaginário de todo mundo os robôs, as máquinas que se mexem, computadores que falam, isso é cativante.


LabNotícias: Existem grandes programas de bolsa e competições de robótica e programação pelo Brasil – e mundo. Seria essa uma boa forma de abrir os horizontes do país e aperfeiçoar os profissionais brasileiros?

Adriano:  Sim, existem alguns programas, no Brasil em específico nós temos pouquíssimos mas existem, existem grandes possibilidades em que os alunos podem abrir os horizontes. No nosso caso, quando isso virar uma cultura nós vamos ter mais alunos envolvidos, mais alunos buscando essas bolsas, esses caminhos. Por enquanto são fatos isolados.


LabNotícias: Seria possível essa inclusão na grade curricular das escolas, visto as já existentes dificuldades em manter uma estrutura digital competente e a situação econômica atual do Brasil?

Adriano: Essa pergunta é difícil, né? Eu acredito que é uma vontade política e com um programa bem estruturado, é possível sim. Quando você fala na implantação de robótica educacional imagina-se laboratórios extremamente equipados com equipamentos de alto valor, mas vai bem longe disso, com um computador a gente pode ter X possibilidades para poder falar de linguagem de programação, os equipamentos, os agregados, podem vir num segundo plano.

Agora eu acho que é possível sim, independente da situação econômica do Brasil. Acho que é possível começar a se falar desse tipo de coisa em sala de aula. Lá na BNCC, e eu gosto de usar as competências da BNCC para explicar isso porque elas deixam deixam isso bem claro, não se fala em computador se fala em cultura digital, que não é só a aula de robótica, cultura digital é a escola por exemplo, começar a utilizar o computador em seu benefício, tirar vantagem deles.

Os alunos já estão inseridos nesse meio, os alunos já jogam, navegam, já tem redes sociais, e por que não colocar isso dentro da escola como cultura, utilizando esses meios para facilitar o acesso ao conhecimento, facilitar o acesso a toda gama de possibilidades que ali existem. Então eu vejo que isso é possível sim.


One thought on “O ensino de robótica nas escolas: Entenda quais os impactos pedagógicos da disciplina”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *