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Qual seria o valor que os países da Europa teriam que pagar para os países africanos pela exploração de suas terras e de seus povos caso houvesse uma indenização pelo processo de escravidão? Muito se fala sobre a dívida histórica carregada pelos séculos, mas pouco se comenta, em números, a proporção que essa dívida atinge.
Segundo Adhemar J. Barros, esse valor chega a 200 quatrilhões de dólares. Essa e outras análises históricas estão entremeadas em uma trama de mistério em seu livro “O Portão do Não Retorno. A obra, publicado em outubro de 2022, conta a história de uma investigação de assassinato que tem como pano de fundo as atrocidades cometidas com os povos africanos no contexto da escravidão. Barros utiliza do enredo para dar destaque a vários fatos históricos pouco comentados nas escolas.
Adhemar pesquisou sobre a escravidão dos povos africanos por mais de dez anos para desenvolver a trama de forma coesa. O resultado foi um romance que mistura perfeitamente o fato e a ficção, com um mistério envolvente e conhecimentos históricos que saem do senso comum.
LN: Seu livro é de causar um impacto histórico e literário. Com um thriller cheio de mistério e ação, que segura o leitor desde a primeira página até um final surpreendente, o livro mostra como os europeus destruíram a África e enriqueceram-se com a escravidão. Como surgiu essa ideia?
A. J. Barros: Depois que terminei O Conceito Zero, que é uma intriga internacional para a independência da Amazônia, e O Enigma de Compostela, outra trama cheia de mistérios e crimes no Caminho de Compostela, pensei em escrever sobre Antonio Conselheiro, o herói de Canudos, que é, na minha opinião, a figura mais mística do continente americano. Não se pode falar da Revolução de Canudos sem ler Os Sertões, do Euclides da Cunha. Queria aproveitar a história de Canudos para falar sobre a escravidão, mas senti uma grande frustração ao notar que Euclides da Cunha silenciou sobre os ex-escravos e libertos que acompanhavam o Conselheiro, logo na Bahia, que recebeu mais de um milhão de escravos. Comecei então a me aprofundar nos estudos da África e fui aos poucos construindo a trama de O Portão do Não Retorno.
Histórias como essa ajudam a construir um imaginário popular sobre o período da escravidão mais próximo do real? De que maneira?
Prefiro a palavra conceito que imaginário. É verdade que o imaginário da escravidão não tem limites, mas o conceito da escravidão precisa representar a realidade. Há o risco de o imaginário se afastar do mundo real, para servir de espelho para a arte. A literatura deve um esforço maior para mostrar com toda a frieza o que foram esses quatrocentos anos de crimes, torturas, raptos, roubos e destruições, com a finalidade única de enriquecimento. Como disse nas Nota do Autor “…quando se estuda a escravidão, a pergunta que fica sem resposta é: como um genocídio que sacrificou mais de cem milhões de seres humanos, com requintes de crueldade, pode ter caído no esquecimento?“
Mas o livro não se limita à escravidão e joga o leitor de um país para outro e o enredo mantém o interesse da leitura desde o início até o final. Que dificuldades você teve para escrever esse livro?
O Portão do Não Retorno foi um livro exaustivo. Mais de dez anos mergulhado em séculos de História e não me limitei a livros e pesquisas. Senti que precisava entrar no coração da África e descobrir o que a História branca esconde. Foram várias viagens pelo continente africano, nas quais fui descobrindo lugares históricos e cheios de simbolismo, como a cidade bíblica de Ofir. Lalibela, os povos escondidos dos Dogons na Serra de Bandiagara, a lendária cidade de Timbuctu, as fortalezas da Costa dos Escravos, enfim, a imaginação foi criando uma trama rica e complexa, que envolve muita ação, perigos, mistérios que vão revelando uma África monumental e pouco conhecida.
Você pretende continuar adentrando nessa temática para projetos futuros?
Meus livros não nascem apenas da imaginação. Quando escrevo, vou em busca de fatos reais e históricos para que a leitura seja mais proveitosa, como foram os dois livros anteriores: O Conceito Zero e O Enigma de Compostela, Percorri todo o Brasil para escrever O Conceito Zero e fiz quatro vezes o Caminho de Compostela para escrever o segundo. Acho que O Portão do Não Retorno foi bastante amplo e profundo. Um projeto como esse toma tempo, mas não pretendo parar.
O título é muito sugestivo. Podia explicar como o escolheu?
Sua pergunta é muito oportuna porque o “portão do não retorno” é, para os escravizados, como a cruz no martírio de Cristo. É um símbolo que foi apagado pela História branca e precisa ser ressuscitado. Nós não temos noção do horror que foi o armazenamento ( e é essa a expressão correta) de seres humanos nas fortalezas da Costa dos Escravos. Só quem foi lá visitar esses antros pode compreender o horror que foi a escravidão. Centenas ou até milhares de cativos eram amontoados um em cima do outro, em pequenos cubículos, e lá ficavam meses, até serem embarcados. Aqueles que sobreviviam eram levados por um corredor até um portão de pedra que atravessavam para nunca mais voltar. Daí saiu o título: “O Portão do Não Retorno”.
Além dessa questão de que foi a escravidão que fez a Revolução Industrial e criou o capitalismo, você contesta que a abolição tenha sido um gesto de grandeza da Inglaterra. Qual o fundamento dessa teoria?
É verdade. Eu digo isso. Existe um mito de que a abolição foi um gesto humanitário da Inglaterra, mas na verdade havia um grande interesse econômico atrás dessa proibição do tráfico atlântico. Aliás, fala-se hoje mais em abolição do que na escravidão, como se quatrocentos anos de escravidão pudessem ser apagados com essa lei de Aberdeen. Fato também desumano é que os escravagistas foram indenizados após a abolição e até hoje nenhum escravo recebeu indenização. E temos ainda de lembrar que a Europa não teve mérito no Renascimento, pois sua origem é na África. E esse é um dos lados mais tristes da escravidão, pois, enquanto o mundo se aproveitava desse renascimento cultural, a África, que lhe deu origem, não pôde dele se beneficiar.