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Recentemente, o portal WomenTech Network revelou dados alarmantes acerca da presença de mulheres nas áreas STEM (expressão em inglês para identificar as áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). A edição de 2023 da pesquisa Women in Tech Statistics, realizada todo ano pela entidade, afirmou que, em escala mundial, as mulheres detêm 28% de todos os empregos em ocupações de informática e matemática e 15,9% dos empregos em ocupações de engenharia e arquitetura. Os números demonstram desigualdade de gênero exorbitante no mercado de trabalho da área e, por isso, torna-se essencial uma pesquisa a fundo.

A problemática vem do berço

Apesar do relatório do WomenTech Network ter dado destaque maior para a situação no mercado de trabalho, é necessário “escavar” um pouco para chegar mais perto das raízes do problema, que voltam à vida acadêmica e até mesmo aos primeiros anos de vida das mulheres. A Universidade de São Paulo (USP) divulgou que, em 2016, a turma de Ciências da Computação contava com 41 alunos, sendo apenas 6 mulheres (representando 15% da turma).

Para obter uma perspectiva em escala regional, a repórter do LabNotícias estabeleceu contato com Rafaella Modanez, aluna de Sistemas de Informação na Universidade Federal de Goiás (UFG). Rafaella diz que, em uma turma de 46 pessoas, há apenas ela e mais 7 meninas.

Isso impacta em vários aspectos: questão de pertencimento a área de tecnologia, se sentir confortável no ambiente, continuidade nesse mundo, tudo é influenciado pelas pessoas que convivemos.

Afirma a estudante.

Ainda no estado de Goiás, a Profª Lucília Gomes Ribeiro afirma que as mulheres ocupam pouco mais de 10% nos cursos da área no local onde ela leciona, a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Mas, segundo a mesma, isso se refere apenas ao início do curso. Sobre a permanência das mulheres na universidade, ela diz:

A taxa de desistência é altíssima, poucas conseguem finalizar o curso. Se existe, por exemplo, um casal fazendo graduação, quem tranca o curso é sempre a mulher, principalmente quando se casam e têm filhos. A mulher fica em casa, cuidando de tudo, servindo de apoio para que o companheiro possa estudar. Dificilmente o contrário acontece.

Lucília Gomes Ribeiro em entrevista ao LabNotícias.
Colação de Grau dos cursos do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), em 2018. Percebe-se clara predominância do sexo masculino entre os formandos. Foto: Reprodução/IFSC

Quando questionada sobre possíveis razões para o desigualdade de gênero nas turmas dos cursos de tecnologia, a Mestre em Engenharia Elétrica e de Computação aborda questões educacionais e familiares:

Devemos, desde cedo, criar nas meninas o interesse pela ciência. Por meio de brinquedos, livros, filmes e outras atividades, a família e escola devem se responsabilizar em apresentar para a criança áreas como engenharia, computação, astrofísica entre outras, para que elas não cresçam achando que é “coisa de menino”.

Conclui a docente.

Ação do machismo estrutural

Para a professora do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, Renata Wassermann, mudanças tecnológicas também podem justificar o desequilíbrio entre a quantidade de alunos e alunas nos cursos de ciência, principalmente os relacionados a computadores. Ela afirma que o momento decisivo para construção do cenário que vemos hoje foi a popularização e aumento de acessibilidade dos computadores, que passaram a ser utilizados para jogar.

Quando os jogos começaram a se popularizar, acabou ficando estigmatizado como ‘coisa de menino’. Já no início dos anos 1970, era tudo muito abstrato, ninguém tinha computador em casa, então computação tinha mais a ver com a matemática, e o curso de matemática tinha mais meninas do que o de computação. O curso de computação não era muito ligado à tecnologia porque a gente não tinha computadores pessoais. Isso mudou bastante e agora o curso se refere mais à tecnologia do que à matemática.

Afirma Renata, em depoimento ao Jornal da USP.
Gráfico que mostra a mudança na especialização de mulheres nos cursos ao decorrer dos anos. Foto: Reprodução/USP

A opressão das mulheres no cenário dos jogos, apontada pela professora como motivo de afastamento das áreas de ciência, foi abordada pela instituição Reach3 Insights em pesquisa global divulgada em 2021. O relatório revelou que o julgamento de habilidades (70%), controle (65%) e comentários condescendente (50%) são as violências mais recorrentes. Por causa disso, 59% das mulheres entrevistadas usam identificação de gênero masculino ou não identificam o seu gênero para se resguardar do assédio durante os jogos, ainda de acordo com a pesquisa.

O impacto feminino na ciência

Ainda de acordo com a aluna Rafaella Modanez, um fator que possui grande impacto na falta de incentivo para mulheres na ciência é o desconhecimento de ícones e, por isso, a falta de em quem se inspirar e espelhar.

Os feitos de mulheres revolucionárias nessa área são mascarados por homens. Nomes femininos foram apagados da história, enquanto que homens tiveram e ainda têm seu destaque. Nós não temos essas imagens de inspiração (não porque não existem, mas porque foram apagadas) divulgada na cultura popular, como temos nomes de Alan Turing, Steve Jobs, etc.

Desabafa a discente.

No decorrer da história da humanidade, inúmeras mulheres foram marcantes para o avanço do conhecimento nas mais diversas áreas. Entre elas, podemos citar Ada Lovelace, a primeira programadora da história, e Marie Curie, responsável pela descoberta dos elementos químicos rádio e polônio. Além disso, a alemã Caroline Herschel foi a primeira mulher a descobrir um cometa, sendo que, durante sua vida, descobriu um total de oito deles, além de três novas nebulosas.

Já no Brasil, um destaque especial merece ser dado a Jaqueline Goes de Jesus. A biomédica coordenou a equipe responsável pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de COVID-19 no país, mostrando-se essencial no entendimento da doença que viria a causar uma pandemia. Além disso, ela também fez parte da equipe liderada por pesquisadores ingleses que sequenciou o genoma do vírus Zika. Os feitos de Jaqueline fizeram com que ela fosse apreciada por muitos: ganhou uma personagem inspirada nela em Turma da Mônica, a Milena, e também foi uma das mulheres homenageadas pela empresa Mattel que produziu uma linha da boneca Barbie dedicada a mulheres que estiveram na linha da frente do combate à pandemia. A cientista também esteve na cerimônia de entrega do Prêmio “Mulheres na Ciência”, em 2022.

Jaqueline ao lado da boneca feita em sua homenagem. Foto: Reprodução/Mattel

Projetos de apoio

No intuito de promover discussões sobre o tema e incentivar a ocupação de mulheres nas áreas da ciência, alunas da Universidade Federal de Goiás (UFG) criaram iniciativas. Veja a seguir uma breve apresentação de dois dos projetos criados por elas.

O “Investiga Menina!” foi criado pelo Coletivo Negro/a Tia Ciata, relacionado ao Laboratório de Pesquisa em Educação Química e Inclusão (LPEQI), fundado por Anna Benite em 2009. Seu nome é em homenagem a Hilária Batista de Almeida ou Tia Ciata, uma mãe de santo e sambista brasileira. O grupo é feito de professores/as, cientistas e alunos/as da pós-graduação do campo das Ciências Exatas da UFG e UFJ. O objetivo principal é democratizar o saber científico para estudantes periféricas, e a base de ação do projeto é a inclusão de bibliografias escritas por mulheres negras, como também a visita dos alunos/as à UFG para palestras e encontros com cientistas. Para falar um pouco sobre a iniciativa, a repórter conversou com a Geisa, aluna que qualificou seu mestrado por meio do “Investiga Menina!“.

O Investiga Menina! foi criado pra fortalecer a imagem das mulheres que contribuíram e contribuem para o progresso científico. A partir da nossa trajetória, temos meninas que estão dentro da Universidade, fazendo pesquisa dentro do próprio projeto.

afirma Geisa em entrevista ao LabNotícias.

Já o “Projeto Adas” é composto por alunas e professoras do Instituto de Informática da UFG, que, em parceria com o programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, visam aumentar a participação e visibilidade de mulheres na área de informática. O nome foi dado em homenagem à Ada Lovelace, citada anteriormente por sua contribuição à história da humanidade.

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