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A cidade de Anápolis, situada no interior de Goiás, pode ser destacada por vários motivos: possui um dos polos industriais mais importantes do país, o Distrito Agroindustrial de Anápolis (Daia); é dona do segundo maior PIB (produto interno bruto) do estado de Goiás — 14.738.302 milhões de reais, de acordo com levantamento feito pelo Instituto Mauro Borges —; além de também ter uma tradição evangélica protestante muito forte. Porém um atributo que tem seu grande destaque no município, mas que, ao mesmo tempo, não ganha espaço sob os holofotes, é a tradição dentro do estilo musical do Rap.

O Rap (originalmente uma sigla para rythm and poetry, “ritmo e poesia” numa tradução literal), um dos elementos que abrange dois dos pilares da cultura Hip Hop (os DJs e MCs juntamente com o grafite como arte de rua e breaking como modalidade de dança, surgiu na década de 1970 nos subúrbios negros americanos, mas sua chegada no Brasil ocorre na década seguinte, no começo dos anos 1980. E por conta da proximidade com a capital Brasília, Anápolis assimilou muito cedo a novidade da cultura negra americana.

Um dos rappers mais tradicionais da cidade, RagaLuke afirma que desde 1983, quando ele tinha apenas 10 anos, viu a cultura Hip Hop aparecer aos poucos, principalmente com o break dance. Já no início dos anos 1990, o Rap tem sua crescente, e na cena local, e o cantor sempre estava à frente. Em 1998 viu seu trabalho ganhar novas dimensões quando foi para São Paulo produzir suas músicas, e lá criou laços com grandes expoentes do Rap nacional, como MV Bill, grupo RZO, Doctor MC’s e Pregador Luo, tendo até gravado uma música em conjunto com o último. Fundador da Casa Hip Hop de Anápolis, aberta em 2014, onde 242 alunos têm aulas ministradas de breaking e grafite gratuitamente.

Foto: vivaanapolis.com.br

O trabalho que permeia o Rap, seja onde for, sempre é carregado com muita responsabilidade e com um senso muito forte de dívida com a cultura Hip Hop, e todo o ativismo do RagaLuke, seja como rapper, seja como fomentador da cultura, manifesta esse aspecto na prática. Seu trabalho social de maior notoriedade ao lado da Casa Hip Hop é o Escola Viva, que durante anos foi um evento realizado em parceria com a Prefeitura de Anápolis para assistir a crianças mais vulneráveis diante de várias demandas, e a atração cultural era sempre encarregada de RagaLuke, chegando a fazer mais de 50 apresentações por ano.

Sua luta vai além dos palcos e adentra ambientes políticos, concretizando seu movimento como Associação Cultural Motriz, que passou de um projeto e trabalho de vida para uma associação institucionalizada em 2010. Foi com sua veia política e por meio de muita luta que, ainda em 2023, Anápolis se mostrou mais uma vez pioneira ao aprovar na Câmara um projeto de lei de autoria do vereador Professor Marcos (PT) que torna a cultura Hip Hop patrimônio imaterial cultural da cidade.

Entretanto, mesmo com uma tradição tão longínqua com o estilo musical, o Rap anapolino não tem espaço ou visibilidade à altura. Um outro rapper da cena, Serbeto Mssário, possui uma trajetória bem diferente. Por volta de 2008, já com 22 anos, começou a escrever letras simples e a gravar a si mesmo cantando dentro de seu carro, e assim postava no seu perfil pessoal no Facebook sob o título de “Rap no Carro”. Depois de boa repercussão, foi atrás de alguns produtores para poder gravar sua música, mas sem conhecer ninguém, DJ ou MC, atuante na cidade. Foi garimpando, falando com conhecidos e colocando a cara a tapa nas ruas que ele conheceu os artistas de renome da região, e dessa forma também fez seu nome. Hoje possui um trabalho parecido com Escola Viva, chamado Rap na Escola, com propostas e realizações similares às de sua inspiração, além de seguir escrevendo, produzindo e fazendo shows, vida que concilia com sua outra ocupação, professor de Educação Física.

Foto: Serbeto Mssário (acervo pessoal)

Mssário diz que seu sonho e ambição de vida é ver o Rap de Anápolis forte no país todo, tendo o reconhecimento que merece. RagaLuke reforça que a cena anapolina sempre foi muito marcada por uma questão de ter menos quantidade, mas mais qualidade. Há anos, inúmeras vozes ajudaram a construir o Rap na cidade, mas ainda se encontra nichado para os que são do meio. Os eventos municipais raramente levam rappers para cantar, a mídia quase nunca divulga os eventos do gênero, então o que resta para a comunidade é a própria comunidade.

A tentativa de estourar a bolha sempre existiu, e a tendência é que essas tentativas sejam cada vez mais assertivas. A exemplo disso, o Coletivo Flamingo vem se destacando mais e mais no cenário cultural anapolino de um modo geral, e o Rap não fica de fora. O coletivo começou como um bar chamado “Casa Flamingo” que sempre esteve aberto para colaborações com artistas e eventos culturais. Após uma ampliação, tornaram-se um complexo com direito a parcerias com marcas de roupas, tatuadores, rodas de debate cultural e produtoras de audiovisual (Smoovie) e de música, a Media West Mafia, ou apenas MWM.

E é com a MWM que novos talentos vêm se revelando novos talentos, como o Poeta MDZ. Ainda novo no ramo e ao lado de rappers como Legus e Gaijin, é responsável por trabalhar o trap, vertente do Rap que tem como principal temática a ostentação e carregado com graves mais fortes e presentes. Mas mesmo indo para um lado aparentemente mais comercial, o próprio MDZ defende a construção de uma identidade anapolina na música, o que mostra mais uma vez o compromisso que a cidade tem com o Hip Hop.

Foto: Poeta MDZ (acervo pessoal)

Anápolis se prova mais uma vez como um berço cultural prolífero e plural, e o Hip Hop mostra que não precisa estar na primeira página dos jornais para expandir seu alcance, mas que isso não impede os que constroem o movimento na cidade de almejar e seguir rumo às primeiras paradas.

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