Moda sustentável: como Goiânia está incorporando a sustentabilidade ao cenário fashion

Compreenda os caminhos alternativos que a indústria da moda de nossa capital vem adotando para se opor ao modelo convencional de produção em massa e causar menos danos ao meio ambiente. Um guarda roupa mais “verde” pode ser uma das soluções para o desequilíbrio na natureza.
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Cotidianamente lojas nos bombardeiam com novas coleções e promoções, isso tudo para estimular o consumo exacerbado de peças de vestuário usando da justificativa de que os clientes devem estar ‘sempre na moda’. Este é um sistema que tem prejudicado tanto o meio ambiente, através de danos permanentes aos recursos naturais, quanto trabalhadores de países subdesenvolvidos, que são vistos somente como mão de obra barata.

A moda sustentável é uma proposta de reduzir ao máximo os impactos socioambientais durante o processo de criação, confecção, venda e pós-consumo de roupas. Esta nova perspectiva, também é responsável por introduzir na indústria um tipo de consumo mais consciente. Logo, Goiânia vem aos poucos abrindo portas para este modelo de mercado e se tornando referência para outras capitais brasileiras.

“Hoje vemos um movimento de desaceleração por parte do mercado, mas ainda assim é difícil, as pessoas se acostumaram não só com a produção em larga escola, mas também com os valores baixos. Não é possível produzir uma peça de forma sustentável, consciente e atenciosa, e chegar em um valor final que não paga nem a mão de obra da peça”, diz Melissa Rodrigues. Ela tem 26 anos, é formada em Design de Moda, pós-graduada em Economia Criativa, e proprietária da Achei Super Cool, marca de Upcycling (reutilização criativa de peças que seriam descartadas).

Fast Fashion: o vilão

Traduzindo de forma literal, o termo significa Moda Rápida, e se trata justamente disso: os produtos na indústria da moda são, fabricados, consumidos e descartados em uma velocidade absurda. Isto ocorre em razão da alta demanda de produção, porém as peças tem valor e qualidade inferior. Com isso, as tendências nascem e morrem diariamente, de maneira intencional, para que o consumidor seja persuadido a adquirir cada vez mais produtos.

O fast fashion é considerado um dos grandes causadores do desequilíbrio ambiental e social atualmente. As fábricas são responsáveis por gerar toneladas de resíduos têxteis, poluir os recursos hídricos, agravar o aquecimento global e explorar mão de obra barata. Estes são impactos que as grandes empresas tentam mascarar com peças bonitas e baratas, enquanto destroem nosso planeta.

Os resíduos têxteis

Parte do Deserto de Atacama, no Chile, se transformou num lixão de roupas. Foto: Nicolas Vargas/BBC

Esta é uma imagem que ilustra muito bem o que acontece atualmente no Brasil e no mundo. Diversos países da Europa, Ásia e América do Norte, principalmente os Estados Unidos, descartam seus resíduos têxteis enviando-os para o Chile, com o intuito de serem revendidos. Todavia, estas roupas são indevidamente descartadas, transformando o Deserto do Atacama em um verdadeiro mar de roupas.

No Brasil, a situação é medida pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que aponta danos impactantes. Dados coletados no relatório Fios da Moda, mostram que, anualmente, cerca de 170 mil toneladas do lixo brasileiro são de produtos têxteis, ou seja, sobras e descartes de tecido. E deste total, apenas 20% é destinado à reciclagem. Os outros 80% são direcionados para lixões e incineradoras.

Recursos hídricos

Há um enorme alerta na nossa sociedade com relação à poluição e o mau uso dos recursos hídricos. De acordo com dados da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento), em um ano a indústria da moda utiliza 93 bilhões de metros cúbicos de água – a que mais consome água – e descarta meio milhão de toneladas de microfibras (o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo) no mar.

Sabe-se também, que o jeans é um dos tecidos mais consumidos no mundo da moda, no entanto, é o que mais causa danos à natureza. No Brasil, o projeto denominado Pegada Hídrica Vicunha, desenvolvido pelo Movimento Ecoera, uma empresa especializada em consultoria e educação em sustentabilidade para os setores da moda, beleza e design, realizou um mapeamento.

Ele foi sobre o consumo de água ao longo do ciclo de vida de uma calça jeans, desde o momento do plantio do algodão até o momento em que chega ao consumidor final. Os resultados desse estudo apontam que a indústria brasileira consome, em média, 5.196 mil litros de água para produzir uma única peça de calça jeans.

Emissão de gases do efeito estufa

Nas circunstâncias em que vivemos, de grande degradação do meio ambiente, é de conhecimento geral que o aumento dos gases do efeito estufa, como o CO2, agravam o aquecimento global. E conforme estatísticas presentes no relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais anuais de carbono.

Além disso, o relatório mostra que a quantidade de peças de vestuário produzidas hoje duplicou desde os anos 2000, estimando-se que os consumidores comprem hoje cerca de 60% mais roupas, mas que as usam apenas durante metade do tempo. E de acordo com o relatório de 2016 do Greenpeace, o poliéster (uma fibra sintética e barata feita de petróleo), muito usado na confecção das roupas na indústria da moda, pode levar até 200 anos para se decompor.

Exploração de mão de obra barata

As empresas que se enquadram no modelo tradicional de fast fashion, são conhecidas por utilizar mão de obra em países subdesenvolvidos, nos quais os trabalhadores são explorados e vivem em condições desumanas. Este processo de descentralizar a produção é feito para baratear os custos e se aproveitar da ausência de leis trabalhistas, e países como Bangladesh, Índia e Paquistão são os principais alvos das grandes companhias.

Em 2013, aconteceu uma tragédia, que serviu de ponto de partida para as pessoas abrirem os olhos quanto aos bastidores da indústria da moda: o desabamento do Rana Plaza, prédio em Bangladesh que tinha fábricas têxteis. Nele, mais de 2 mil pessoas eram empregadas e produziam roupas para grandes empresas, como a Primark, loja de departamento inglesa, mas, recebiam salário baixíssimos (R$360 ao mês) e tinham jornadas exaustivas (10 horas por dia). O edifício desabou em razão do descumprimento de normas de segurança, deixando mais de mil mortos.

Desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, em abril de 2013. Foto: Munir Uz Zaman, 2013.

Segundo a Universidade George Washington em relatório global sobre salários de 2016/17 para a OIT(Organização Internacional do Trabalho), com aproximadamente 75 milhões de trabalhadores fabris em todo o mundo, apenas 2% deles ganham um salário digno. E o Brasil infelizmente não está fora deste quadro. Já foi descoberto no interior de São Paulo, que trabalhadores bolivianos, incluindo crianças, eram expostos a condições precárias, com expediente cansativo, salários deploráveis e locais insalubres.

Goiânia e o cenário da moda sustentável

Associar o universo fashion à sustentabilidade é algo que tem se tornado popular nos últimos anos, em razão da crescente preocupação em mitigar os danos da indústria têxtil ao meio ambiente. E o mercado da nossa capital vem acompanhando esta tendência e adotando princípios de conservação da natureza. Hoje em dia é possível encontrar brechós e lojas sustentáveis, que tem se tornado cada vez mais populares.

São muitas as soluções que são sugeridas para tornar os processos dentro das companhias de moda mais limpos. Dentre elas: usar tecidos que causem menos impacto ambiental como algodão orgânico e lã, evitar o desperdício de tecidos, aderir a corantes biodegradáveis e não poluentes, proporcionar condições de trabalho dignas aos trabalhadores do ramo, e não incentivar a prática do consumismo.

São atitudes que, juntamente com o processo de conscientização da população a respeito dos benefícios de apoiar a moda sustentável, são uma das formas de atrasar a degradação do meio ambiente. Além disso, os cidadãos goianos podem contribuir positivamente com pequenos negócios que são mais transparentes quanto à origem de seus produtos, diferentemente das grandes lojas de fast fashion.

Brechós: ressignificando itens de moda

Antes do termo ‘sustentabilidade’ ganhar força e ser incorporado pelo mercado goiano, os brechós já estavam ali contribuindo positivamente para uma moda mais rotativa. Antigamente, eles eram vistos como lojas que comercializam peças velhas e estragadas, somente pelo fato de serem de segunda mão. No entanto, é possível perceber uma grande mudança nessa mentalidade pois, com o passar do tempo, eles passaram a ser lugares nos quais há peças de vestuário únicas e com uma história agregada.

Lídia Keila, de 36 anos, formada em Design de Moda pela UEG(Universidade Estadual de Goiás) e dona do Gato Freud, um brechó online de moda vintage, teve uma conversa com a nossa repórter a respeito da sua visão da moda em Goiânia. Ela afirma que no período pós-pandemia, os brechós ganharam um espaço importante na moda goiana, mesmo já sendo referência na indústria da moda pela região da 44, um dos maiores polos de confecção do país. Porém, ainda há carência de espaços para divulgação em eventos e visibilidade na mídia.

“Desmistificando essa ideia de que roupas de segunda mão são para pessoas que não tem muito poder aquisitivo, hoje em dia aqueles que possuem mais condições estão aderindo a este mercado justamente por ser sustentável e querer roupas diferenciadas. Vejo a minha volta, conhecidos que pararam de consumir o mercado normal”, pontua Lídia.

Lídia continua e explica que tenta passar em suas redes a seguinte mensagem: ‘quase nada é descartável’. Isto pois, podemos aproveitar tudo, seja uma camisa cheia de furos, rasgos, manchas, nela é possível fazer bordados ou modificar a modelagem. Então ela compartilha que, essa é a forma que seu brechó contribui no movimento sustentável, porque além de reutilizar e vender roupas já usadas, ela muda a história de uma peça que iria diretamente para o lixo.

A seguir algumas peças da curadoria feita por Lídia Keila:

Marcas emergentes e a sustentabilidade

O estilo de vida sustentável serviu de ponto de partida para os empreendedores de Goiânia criarem marcas que trabalhem de acordo com os princípios de uma moda livre de impactos negativos ao meio ambiente. As peças são produzidas em escala menor, mas com qualidade muito superior da que é oferecida por muitas lojas de departamento, pois levam consigo uma maior atenção em todos os processos: criação, confecção e venda.

Na maioria dessas marcas, são aderidos os modos de produção Upcycling e Rework na qual “todas as peças são criadas a partir de materiais de segunda mão, estes que seriam descartados ou que estão em desuso”, explica Melissa Rodrigues, dona da Achei Super Cool. Em entrevista, a proprietária diz ter em seu acervo peças únicas, que surgem a partir desse trabalho de repensar a função dos itens usados nas roupas e transformar em algo totalmente novo.

Melissa tem uma parceria fundamental com brechós, onde adquire parte da matéria-prima que será utilizada nos itens da loja, garantindo a procedência e agindo de acordo com os preceitos da moda associada à sustentabilidade. Ela procura também realizar colaborações com artistas e modelos locais, além de ter como objetivo para a marca, empregar mulheres e artesãs goianas.

“Desde o início levanto discussões sobre o impacto do mundo fashion em questões ambientais e socioeconômicas. Acredito que moda também é expressão e individualidade, mas não tem como ignorar a questão ambiental, e exatamente por não me contentar com o que a maior parte da indústria faz, que criei a Achei Super Cool. Busco mostrar que é possível fazer uma moda atual e descolada de forma sustentável e descartando o mínimo possível” conta a criadora da marca para nossa repórter.

Veja alguns exemplos de peças advindas do trabalho de Upcycling e Rework feita por Melissa Rodrigues:

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